"Meu bebê morreu dormindo na escola", conta mãe; entenda a morte súbita
10 de julho de 2008. Era só mais um dia na rotina da vendedora Kelly Martins Teixeira, 39. Ela levou Vinícius, o filho mais novo, para a escola. À tarde, recebeu uma ligação da diretora falando que o menino tinha passado mal e que estava no hospital. Chegando lá, descobriu que o filho de apenas seis meses tinha morrido enquanto dormia na escola. Nesse depoimento, ela compartilha sua história.
"Em 10 de janeiro de 2007, tive o meu primeiro filho, o Júnior. Durante a quarentena, quebrei meu resguardo e engravidei do Vinícius. No início, foi difícil aceitar a gestação. Eu só chorava e não queria conversar com ninguém. Pensava na dificuldade que seria cuidar de dois bebês, um recém-nascido e outro ainda pequeno e já com problemas respiratórios. O Júnior tinha asma e bronquite.
Com o tempo, fui melhorando e já imaginava os dois irmãos juntos, unidos, cuidando um do outro e sendo melhores amigos. A partir do sexto mês, minha gestação se tornou de risco. Tinha dores fortes e, após alguns exames, o médico disse que o bebê queria nascer.
Passei a tomar remédio todos os dias para segurar a gravidez. No dia 8 de janeiro de 2008, marcamos a cesárea e, em seguida, a laqueadura.
Tive muito medo durante o parto, de perder um filho que não quis aceitar no começo. Quando ele nasceu, tudo passou e senti uma felicidade imensa e um amor incondicional. Ele era lindo e perfeito.
Meus dois filhos dormiam na cama comigo
O Vini nunca teve nenhum problema de saúde, era super calmo, não me dava trabalho. Durante a madrugada, ele acordava para mamar e trocar fralda, como qualquer bebê. Ele e o Júnior dormiam na cama comigo. Tinha medo de deixá-los no berço em outro quarto, eles chorarem e eu não acordar pelo cansaço.
Tinha o hábito de ouvir a respiração dos dois enquanto eles dormiam. Me sentia mais segura com eles na cama comigo, meu ex-marido dormia no colchão ao lado. À tarde, os dois tiravam as sonecas no carrinho.
Com cinco meses, matriculei o Vinícius na escolinha para procurar emprego. Levava os dois juntos, mas nesse dia, 10 de julho de 2008, o Júnior não foi, ele ficou em casa com o pai. De manhã, fui comprar roupas para eles e à tarde fui no salão de beleza. Minha comadre comentou que precisava cuidar da minha aparência para fazer as entrevistas e que isso contava pontos na recolocação no mercado de trabalho.
Estava alisando o cabelo quando recebi a ligação da escola informando que Vinícius tinha passado mal e estava no hospital. Na hora senti um aperto no peito, uma sensação de perda. Uma cliente do salão viu meu desespero e me levou. Ao chegar lá, fiquei uma hora buscando informações na recepção, mas só me diziam que ele estava fazendo um procedimento.
As meninas da limpeza me olhavam e baixavam a cabeça. As enfermeiras me olhavam e faziam comentários entre si. Comecei a sentir uma angústia muito forte. Ao mesmo tempo que pensava: 'meu filho está morto e não querem me falar'. Na mesma hora pensava: 'isso é preocupação de mãe, ele está bem e daqui a pouco nós vamos para casa'.
Culpava a escola pelo que tinha acontecido
Nesse tempo, minha comadre avisou meu ex-marido e fui chamada em uma sala. O médico disse: 'Nós tentamos fazer de tudo'. Mal deixei ele terminar e, aos prantos, comecei a dar socos no peito do enfermeiro e dizer: 'Não é verdade, eu quero ver o meu filho'.
O médico concluiu dizendo que meu bebê já chegou sem vida ao hospital, que ele morreu dormindo. Ele contou que, em 20 anos de profissão, esse era o segundo caso de morte súbita que ele atendia. Eles me levaram para ver o Vinícius. Quando o abracei, ele já estava gelado e durinho. Meu ex-marido chegou e contei que nosso filho estava morto. Ele ficou desnorteado.
Culpava a escola pelo que tinha acontecido. Achava que a professora não tinha cuidado dele direito, que ela tinha dado mamadeira ou comida para ele, e colocado ele para dormir sem fazer arrotar. Ela foi até ao hospital dizer que ele estava bem quando foi dormir. Ela se ajoelhou e me pediu perdão, mas eu falei para ela se retirar.
Acho que o Vinícius deve ter dormido mais que o normal, devem ter tocado nele e visto que ele não estava respirando. Não tenho mais detalhes porque nunca quis conversar com os envolvidos a respeito. Um psicólogo explicou que ele poderia ter morrido dormindo em casa ou em qualquer outro lugar. Acabei aceitando que a escola não teve culpa e que foi uma fatalidade. Era para ser assim. Um tempo depois recebi o resultado da autópsia. O Vinícius teve morte súbita, ele morreu enquanto dormia.
Falei para o Júnior que o Vinícius virou um anjo
Naquele mesmo dia, avisamos a família e fizemos o velório. O Júnior foi, mas eu não o deixei ver o caixão. Ele tinha acabado de completar um ano e seis meses no dia em que o Vinícius faleceu. Expliquei que o Vini tinha virado um anjo, que Deus tinha me emprestado e que agora ele estava com Jesus Cristo. Disse que eles não iam mais poder brincar juntos, porque o irmão estava no céu e olhando por nós.
O sepultamento foi no dia seguinte, em 11 de julho de 2008. Quando enterrei o Vinícius, me enterrei junto. Morri ali. Fiquei muitos anos doente, em depressão e tomando remédio. Eu só chorava, não tinha forças para cuidar do Júnior. Nos mudamos para uma casa no mesmo quintal que minha ex-sogra.
Inicialmente, o Júnior ia ficar com ela até que eu melhorasse, mas só piorei. Ele ficava um dia lá, outro cá. Em 2016, quando eu me separei do meu ex-marido, nós achamos melhor ele continuar com a avó. Eu ia voltar a trabalhar e não teria com quem deixá-lo. Desde o dia em que o Vinícius morreu, tirei o Júnior da escola, morria de medo que acontecesse o mesmo com ele. Ele só foi para a escola na primeira série, com seis anos de idade.
Até hoje não aceito a morte do meu filho e penso nele todos os dias. Sinto o cheiro e a presença dele. Se estivesse vivo, o Vinícius teria 12 anos. Fico imaginando como ele seria fisicamente e os traços da personalidade. Eu sempre falo para o Júnior: você nunca pode esquecer o seu irmão.
Por muitos anos deixei de acreditar em Deus, fiquei revoltada e magoada por ele ter tirado meu filho com apenas seis meses e dois dias de vida. Depois me reconciliei com ele. Tomei vários remédios contra depressão, mas melhorei mesmo foi com oração e joelho no chão. Falava para Deus que não aguentava mais aquela dor insuportável, para ele aliviar meu sofrimento. Eu pedia a Ele para eu ficar bem e que eu precisava viver porque eu ainda tinha um filho para criar. A minha fé me ergueu.
Meu sonho é ser uma mãe melhor para o Júnior
Aos poucos eu fui juntando os caquinhos que sobraram e estou tentando viver. Em 2018, me casei de novo. Sinto culpa e dor de não ter sido a mãe que o Júnior merecia. Sempre peço perdão a ele por não ter cuidado dele como deveria.
Ele diz que me entende e isso conforta o meu coração. Ele tem 13 anos, é um menino lindo, inteligente e maduro. É motivo de orgulho para mim. Ele mora em outra cidade, por esse motivo, não nos vemos com tanta frequência, mas nos falamos por telefone, videoconferência e mensagem.
O convido para morar comigo, ele diz que ainda não é o momento, mas que vai chegar a hora. O Vinícius sempre estará comigo, mas preciso seguir em frente. Meu sonho é ser uma mãe melhor para o meu filho que ainda está vivo, esperar a hora dele vir morar comigo e ter uma família novamente".
O que é a morte súbita de bebês?
A morte súbita do lactente é o óbito repentino de crianças menores de 1 ano, com pico de incidência de 2-4 meses, sem explicação, após investigação da história clínica e autópsia. A causa da SMSL (Síndrome da Morte Súbita do Lactente) é a combinação de diversos fatores de risco, como imaturidade do sistema cardíaco e respiratório, capacidade de acordar diminuída, exposição a fatores ambientais de risco, como cigarros (passivo), e da posição de dormir (barriga para baixo ou de lado). Sua incidência é maior em meninos, no entanto, o motivo é desconhecido.
Existem algumas hipóteses que podem explicar o que ocorre com o bebê durante a SMSL, dentre elas é a respiração e o ritmo cardíaco irregulares —típico dos lactentes— expostos a situação de falta de oxigênio e acúmulo de gás carbônico (nariz e boca próximo ao colchão), associado a incapacidade de autorressuscitar durante o sono, isto é, acordar e mudar de posição.
É possível reduzir o risco da SMSL adotando algumas medidas como: colocar o bebê para dormir sempre de barriga para cima e em superfície firme. Retirar do berço fraldas, travesseiro, colchão mole, protetores laterais e lençóis soltos. Não deixar a criança dormir em bebê conforto, carrinho de transporte, moisés e sofá. Ela pode dormir no mesmo quarto que os pais, mas não deve partilhar a cama para evitar o risco de sufocamento.
É importante estimular o aleitamento materno, fazer pré-natal e tomar todas as vacinas recomendadas para a prevenção de doenças.
Além disso, é recomendado evitar o consumo e a exposição a tabaco, álcool e drogas ilícitas durante e após a gestação. E não aquecer demais o bebê, evitar o excesso de roupas e uso de gorro, porque isso altera a respiração e batimentos cardíacos do lactente.
No Brasil e em países do ocidente, a frequência da SMSL é semelhante: 0,5 lactente a cada 1.000 nascidos vivos. Como tivemos aproximadamente 3 milhões de nascidos em 2018 no Brasil, estima-se 1.500 casos de SMSL por ano.
Fonte: Gustavo Antônio Moreira, presidente do Departamento Científico de Medicina do Sono da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).
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