Mãe tem morte cerebral, mas médicos a mantêm viva para continuar gestação
Rosiele Pires estava grávida de cinco meses quando sofreu um AVC e teve morte cerebral. Ela foi mantida viva com a ajuda de aparelhos para continuar gestando a filha, que ficou 44 dias na barriga dela mesmo após a morte cerebral. Nesse depoimento, o autônomo Dieyzo Silva Camilo, 20, conta como superou a perda da mulher, os desafios de cuidar de Emanuelly e como construiu uma nova família.
"Com três meses de namoro, eu a Rosiele fomos morar juntos e pouco tempo depois descobrimos que ela estava grávida. Ela já tinha uma filha pequena de outro relacionamento. Com quatro meses de gestação, ela estava limpando a casa, escorregou na água, caiu e sofreu um aborto. Foi difícil a perda, mas nós aceitamos o que aconteceu. Esperamos passar um tempo e planejamos uma nova gravidez.
Recebemos com alegria a novidade de que ela estava grávida da Emanuelly. Estava na expectativa de ser pai pela primeira vez. Durante o pré-natal, a médica explicou que a gravidez dela era de risco pelo aborto recente que ela tinha sofrido. Até o quarto mês, foi tudo tranquilo, mas quando ela entrou no quinto, passou a reclamar de fortes dores de cabeça e na nuca. Era uma dor que ia e voltava. Ela ficou praticamente um mês se queixando desse mal-estar.
Ela passou na médica para relatar o que estava acontecendo. A médica disse que era normal, que fazia parte dos sintomas da gravidez. Ela receitou alguns remédios, pediu alguns exames e a mandou de volta para casa. Isso foi em uma sexta-feira.
À noite, a Rosiele continuou reclamando das dores. Falei para ela tentar descansar e fui no serviço receber o pagamento do meu patrão. Voltei para casa com meu cunhado, o irmão dela. Quando chegamos lá, a encontramos desmaiada em cima da cama. Fiquei desesperado porque não sabia o que estava acontecendo.
Depois de um tempo ela acordou e falou que não estava se sentindo bem. Estava muito fraca, mal conseguia falar. Passado um tempo, ela desmaiou de novo e, em seguida, teve uma convulsão.
Nós morávamos na roça. Eu andei um 1 km a pé para pedir ajuda a um vizinho. Ele nos levou de carro ao hospital. Chegando lá, não pediram nenhum exame, apenas a deixaram em observação e tomando medicação. No sábado, ela recebeu alta com o argumento de que tinha uma criança pequena em casa.
Rosiele teve um AVC e foi colocada em coma induzido
Assim que chegamos em casa, ela teve outro desmaio e outra convulsão. Nós voltamos para o hospital, ela foi transferida, e ficou mais uma vez em observação. Ficou bastante sonolenta por causa dos remédios, mas quando acordava, ficava agressiva, querendo brigar, não respondia aos médicos. Ela chorava de preocupação por causa da Emanuelly. Dizia que tinha medo de perder a bebê, de sofrer um novo aborto.
No domingo de manhã, um neurologista a examinou, pediu um exame e foi constatado um aneurisma cerebral. O médico explicou que ela teve um AVC, que seria colocada em coma induzido e levada para a UTI.
Ele me disse que a prioridade deles era salvar a vida da mãe. Me explicou que ela poderia ser submetida a algum procedimento ou medicação que poderia prejudicar o feto. Fiquei em estado de choque, bastante abalado.
Durante uma visita, peguei na mão dela, disse que ia dar tudo certo, mas ela não respondia mais nada. Na minha cabeça, achava que estávamos passando por uma fase ruim, que ela ia ficar bem e que íamos voltar para casa. A última coisa que eu a ouvi falar foi chamar pela filha dela, a Kananda.
Dois dias depois, os médicos a examinaram, notaram que ela não apresentava mais sinais vitais. Foi realizado um exame e a confirmação de morte cerebral. O médico me chamou em uma sala, explicou que o cérebro da Rosiele tinha parado de funcionar, disse que pela medicina não teria mais nada que eles pudessem fazer por ela.
Achei que tivesse perdido minha filha também, mas ele me falou que eles iam manter a Rosiele viva com a ajuda de aparelhos para manter a gestação o máximo possível para a bebê se desenvolver e fazer o parto. Na hora, fiquei transtornado, completamente perdido, a única coisa que sabia fazer era chorar. Ele me tranquilizou dizendo que havia uma vida dentro da minha esposa, que a Emanuelly estava bem e que a luta agora seria para salvá-la.
Conversava com a minha filha, fazia carinho e sentia ela mexer
Abandonei trabalho, casa e fiquei morando temporariamente com meu sogro para ficar mais perto do hospital. Ia visitar minha esposa e filha todos os dias.
Como a Rosiele não interagia mais com a Emanuelly, as enfermeiras me aconselharam a assumir esse papel de pai e mãe, de transmitir esse amor e carinho para ela ter uma referência.
Conversava bastante com a minha filha, dizia que a amava, cantava músicas, beijava e passava a mão na barriga. Sentia ela se mexer quando fazia isso. Era emocionante.
Por outro lado, era triste ver a Rosiele, a mulher que eu amava, naquela situação, cheia de aparelhos e inchada. Nunca perdi a esperança de que ela iria acordar. Com o tempo, precisei voltar a trabalhar para pagar as contas e ia visitá-la nos finais de semana.
No dia 18 de agosto de 2016, me ligaram do hospital falando que a Rosiele havia tido uma intercorrência e que eu precisava ir para lá. Só consegui ir no dia seguinte de manhã por causa do ônibus. Ao chegar lá, me falaram que a Rosiele tinha sofrido uma parada cardíaca, faltou oxigênio para a bebê, ela entrou em sofrimento fetal, e eles tiveram de fazer uma cesárea de emergência.
A Emanuelly nasceu prematura de 30 semanas e dois dias, pesando 1,1 kg, depois de ter ficado 44 dias na barriga da mãe após a morte cerebral.
O nascimento da minha filha significava a morte da minha mulher
O nascimento da minha filha significava a morte da minha esposa. Após o parto, eles desligaram os aparelhos. Fui me despedir da Rosiele no necrotério. Peguei na mão dela e fiz uma promessa de que cuidaria da nossa filha. Depois fui conhecer a Emanuelly.
Quando vi o rostinho da minha filha, meu coração, que estava tomado de tristeza, se encheu de alegria. Foi uma emoção tocá-la e senti-la. A médica a colocou no meu peito, por dentro da camisa, para ela sentir o calor do meu corpo. Como ela tinha perdido a mãe, ela precisava dessa referência e vínculo afetivo.
Dois dias depois do nascimento da minha filha, enterrei minha esposa. Voltei para a maternidade e recarreguei as forças ao reencontrar a Emanuelly. Não podia estar perto dela triste e abatido. Ela dependia de mim, do meu carinho e do meu cuidado.
Ela ficou 49 dias internada na UTI por causa da prematuridade, do pulmão que não estava completamente maduro e pelo baixo peso. Nos primeiros dias, ela se alimentou por uma sonda. As enfermeiras me ensinaram a fazer tudo, como segurar, dar banho, trocar fralda, dar mamadeira. Aprendia tudo aquilo e ficava com medo de não conseguir fazer tudo sozinho com ela em casa. Nessas horas, colocava Deus na frente dos problemas, e seguia em frente.
Minha enteada foi morar com a avó materna e eu fui morar com o meu pai e minha madrasta por um período e depois voltei para a roça e fiquei na casa da minha avó. Ela cuidava da bisneta enquanto ia trabalhar. Ela me ajudou e me deu todo o apoio que precisava.
Construí uma nova família
Quando a Emanuelly tinha cinco meses, conheci a Roberta, minha atual esposa. Contei minha história e a vontade que tinha de construir uma nova família. A Roberta nos acolheu, e apesar de ainda não ter filhos, ofereceu o amor dela de mãe à minha filha. Fomos morar juntos e depois de um tempo tivemos o Enzo Gabriel e a Eloara.
A Emanuelly está com quase quatro anos. Nós falamos que ela tem duas mães, uma no céu, a Rosiele, e outra na terra, a Roberta. Nós mostramos a foto da Rosiele e falamos que o papai do céu levou a mãe dela para morar com ele. E que, apesar dela estar longe, ela a ama muito. Minha filha ainda não entende muito bem as coisas, mas já conto essa história para que ela cresça sabendo a verdade.
Tenho apenas 20 anos e já passei por muita coisa. Estou feliz de ter dado a volta por cima e por Deus ter me dado uma nova família.
A Emanuelly lembra muito a mãe dela, o olhar, o sorriso e, principalmente, a força.
Mesmo sem vida, a Rosiele continuou gestando nossa filha e deu a ela a oportunidade de viver. A Emanuelly é um bem precioso que a mãe dela deixou para mim".
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