Doença de velho? Hipertensão pode se desenvolver em jovens e até crianças
No caminho para casa, um mal-estar diferente tomou conta do corpo dela enquanto enquanto descia as escadas rolantes da estação do trem em Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre. "Comecei a sentir tontura, passei a enxergar tudo turvo, era uma sensação estranha", conta a editora Susana Leite, na época com 32 anos. Ao invés de ir para casa, passou numa farmácia e mediu a pressão: 20 por 12. "Me assustei", conta.
Dali foi ao pronto-atendimento, onde descobriu que tinha hipertensão manifestada de forma precoce. Além de ser jovem, Susana não estava acima do peso e, apesar de alguns deslizes, alimentava-se bem. E a pressão dela normalmente ficava em 14 por 9. Como explicar então?
A tal da genética
No caso dela pode estar relacionado ao histórico familiar. A mãe de Susana descobriu ser hipertensa com a mesma idade e o avô dela acabou falecendo sem saber que tinha a doença, mas devido à hipertrofia do coração, popularmente conhecido como "coração de boi".
O caso de Susana não é isolado de desenvolvimento da doença de maneira precoce. A genética é responsável por 95% dos casos de hipertensão, independente da idade, segundo Mário Wiehe, cardiologista e professor da Escola de Medicina da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). Nesses casos, a doença é considerada hipertensão primária, por ser originária do histórico familiar.
A hipertensão precoce também se desenvolve devido a doenças associadas, que podem gerar o aumento da pressão arterial. Entre elas, estão problemas na tireoide —glândula na altura do pescoço que produz hormônios que regulam o organismo—, doenças renais e até a apneia do sono. Nesses casos, a hipertensão é considerada secundária. "Basicamente, a maior parte das 11 causas da hipertensão secundária são doenças endócrinas", salienta Wiehe.
E em crianças e adolescentes?
O aparecimento da doença precocemente pode ainda ser influenciado pelos chamados fatores ambientais, como obesidade, alimentação rica em sódio e consumo exagerado de alimentos industrializados. O sedentarismo, o uso exagerado de anti-inflamatórios ou corticoides e o consumo em excesso de bebidas alcoólicas também influenciam para o surgimento da doença.
"São alguns gatilhos para um indivíduo com predisposição a desenvolver a pressão em níveis mais elevados. O indivíduo já tinha histórico familiar para a doença e aí teve condições ambientais que acabaram aumentando o risco de começar com hipertensão. O ganho de peso é bastante associado com a hipertensão. A pessoa acaba comendo muito mais do que precisaria, comendo alimentos ultraprocessados, aí esse conjunto de hábitos é um gatilho", salienta Wiehe.
Mais rara, a hipertensão também pode acometer crianças e adolescentes. Nesses casos, a explicação para o aparecimento está relacionada a hábitos alimentares e sedentarismo associados à predisposição genética, observa Flavio Fuchs, cardiologista e professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Quanto mais velho, mais chance...
O avanço da idade, segundo o professor da UFRGS, faz com que as chances de se ter a hipertensão aumentem. "Com 40 anos, 40% da população têm pressão alta", estima Fuchs. Na terceira idade, o índice pode chegar a 50% da população, complementa Vítor Magnus Martins, cardiologista da Unimed Porto Alegre. Entretanto, antes dos 18 anos fica na casa dos 4%.
Caso a doença não seja identificada com antecedência, há risco de problemas em três partes do corpo: no sistema cardiovascular, neurovascular e nefrológico —relacionado aos rins. No primeiro, podem ocorrer infartos, hipertrofia do coração e insuficiência cardíaca. No segundo, estão o AVC (Acidente Vascular Cerebral), conhecido popularmente como derrame cerebral. Por último, estão doenças relacionadas aos rins, como insuficiência renal, que requer a realização de hemodiálise.
"Quanto mais cedo a pessoa se torna hipertensa, pior é. A boa notícia é que os tratamentos funcionam, se os pacientes tomam de forma adequada e disciplinada, tem uma boa adesão. O grande desafio é fazer com que as pessoas sejam disciplinadas, pois vai tomar remédio para o resto da vida", salienta Wiehe.
Para evitar surpresas, a recomendação é medir a pressão no mínimo uma vez por ano. Além disso, a orientação é consumir apenas 5 gramas de sal de cozinha —o equivalente a uma colher de chá— que possui 2 gramas de sódio, observa o cardiologista Fuchs.
Mudança de hábitos
Depois da descoberta da doença, Susana mudou radicalmente de vida. Na hora das refeições, deixou de colocar no prato frituras, congelados e parou de consumir pão branco. "Nos finais de semana, faço meu pão integral." Ela ainda começou a observar as embalagens dos produtos para descobrir a concentração de sódio. Embutidos, como salame e salsicha, passaram a ser evitados ou consumidos em menor quantidade do que antigamente.
"Caso eu compre pizza com calabresa, eu como meia fatia. Então são essas escolhas, dificulta, pois comer de maneira saudável requer dedicação, às vezes no ritmo corrido da vida acaba ficando em segundo plano. Consegui incorporar as atividades físicas, mas a mudança de alimentação é mais trabalhosa, envolve planejamento. Em 2018, estava indo em nutricionista, foi quando tive mais resultados, mas é caro e acabei parando", conta.
Na academia, ela aumentou as idas semanais às aulas de natação e começou a fazer musculação, mesmo a contragosto. "Passei a ir à natação três vezes por semana, e voltei para a musculação. Precisava baixar gordura e isso foi o divisor de águas. Antes não fazia nada."
Magnus salienta que mudanças no estilo de vida, da alimentação até a prática regular de exercícios físicos, auxiliam no tratamento da hipertensão.
"Se mostram eficaz para reduzir a pressão, mas o grande desafio é manter esses hábitos, já que promove uma mudança cultural. A maioria das pessoas para de seguir recomendações ao longo do tempo, são medidas que têm que ser encaradas como mudanças benéficas para o tratamento", entende o cardiologista.
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