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Agrotóxico faz mal? Pimentão, goiaba e cenoura estão no topo da lista

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Imagem: iStock

Samantha Cerquetani

Colaboração para o VivaBem

27/11/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Alguns alimentos do dia a dia como as frutas e as hortaliças podem ter agrotóxicos em excesso
  • A fiscalização do uso de substâncias tóxicas é realizada pela Anvisa, que determina o Limite Máximo de Resíduos
  • Ainda não se sabe ao certo quais os riscos à saúde de quem consome alimentos que sofreram exposições aos agrotóxicos
  • Mesmo assim, é importante conhecer a procedência dos alimentos, lavá-los adequadamente e optar por itens da safra
  • Os orgânicos são opções mais saudáveis, mas nem sempre são acessíveis para toda a população devido aos preços mais elevados

Alguns alimentos comuns do dia a dia como frutas e hortaliças podem ter agrotóxicos em excesso, mas nem sempre as substâncias tóxicas são visíveis. Além de não serem facilmente identificadas nas cascas, algumas sequer alteram o sabor e outras ainda podem penetrar até a parte interna dos vegetais. Aparentes ou não, a questão é que não se sabe ainda quais os reais impactos dos pesticidas à saúde de quem consome os alimentos.

O assunto é bastante polêmico. De um lado há quem defenda que essas substâncias podem fazer mal à saúde e a população não é informada de forma clara sobre seus usos e riscos; de outro há especialistas que afirmam que os agrotóxicos são necessários para a produção de alimentos em grande escala —segundo eles, seria inviável alimentar a população mundial apenas com orgânicos.

"O Brasil é uma das maiores potências no setor agropecuário do mundo e se encontra no topo quando o tema é a utilização de agrotóxicos. Seu uso está relacionado a fatores climáticos, pois o clima tropical na maior parte do seu território favorece o ciclo de pragas", explica Marcella Garcez, nutróloga e diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia).

Um levantamento publicado neste ano e feito pela Unearthed, organização jornalística independente financiada pelo Greenpeace, em parceria com a ONG suíça Public Eye, mostrou que o Brasil é o principal mercado de agrotóxicos "altamente perigosos", ou HHP, sigla em inglês para highly hazardous pesticides. A OMS (Organização Mundial da Saúde) os define como pesticidas que são "reconhecidos por apresentarem níveis particularmente altos de riscos agudos ou crônicos para a saúde ou o meio ambiente, de acordo com sistemas de classificação internacionalmente aceitos".

Vegetais - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Faz mal mesmo à saúde?

Bater o martelo sobre os riscos à saúde é complexo. Primeiro por questões éticas. Não é possível fazer experimentos com humanos, pois não se sabe qual seria a quantidade segura do uso dessas substâncias. Depois, pelas análises feitas até o momento serem observacionais, muitos fatores podem confundir os resultados, afinal, o corpo é exposto a uma série de outros produtos potencialmente tóxicos, como a fumaça do cigarro, por exemplo, e a poluição.

Os dados que se tem até o momento também são mais evidentes em trabalhadores que lidam diretamente com os agrotóxicos e a população rural. Pouco se sabe sobre os impactos na saúde de quem apenas consome esses alimentos.

No caso da exposição direta, a longo prazo, os principais estudos apontam o surgimento de problemas graves de saúde, como paralisias, lesões cerebrais e hepáticas, alguns tipos de câncer, alterações comportamentais. Em gestantes, podem levar ao aborto e à malformação congênita., de acordo com Garcez.

A intoxicação aguda, por sua vez, pode ocasionar tonturas, cólicas abdominais, náuseas, vômitos, dificuldades respiratórias, tremores, irritações na pele, nariz, garganta e olhos. E também convulsões, desmaios e até mesmo a morte.

"Mas é importante destacar que esses estudos batem muito na tecla de que os mecanismos por trás dessa associação ainda são desconhecidos", diz Rafael Arantes, nutricionista e representante do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). "São estudos observacionais, mas que obviamente têm o rigor metodológico e têm cada vez mais apontado para esse risco a partir da exposição".

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Como é feita a fiscalização?

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é a responsável por determinar qual tipo de agrotóxico pode ser utilizado e qual a quantidade adequada para cada alimento. Isso é chamado de Limite Máximo de Resíduos.

Periodicamente, a Agência publica o Para (Programa de Análises de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos), analisando os resíduos dessas substâncias tóxicas em frutas e legumes. A última edição foi divulgada no final de 2019 e mostrou o uso dos pesticidas referente a 2017 e 2018.

De acordo com o documento, foram encontrados resíduos de agrotóxicos em 51% das 4.616 amostras. E 23% dos alimentos avaliados tinham substâncias proibidas ou acima do volume permitido.

"Há um conjunto de medidas no Brasil que estimulam o uso dos agrotóxicos, como a isenção fiscal e flexibilização das leis que facilitam a utilização em excesso. O monitoramento da Anvisa é fundamental para que a população saiba a quantidade dos agrotóxicos presentes nos alimentos e as irregularidades encontradas", diz Arantes.

Alimentos que possuem mais agrotóxicos

O último monitoramento do Para realizado pela Anvisa avaliou 14 vegetais, representando 30% da dieta dos brasileiros. São eles: abacaxi, alface, arroz, alho, batata-doce, beterraba, cenoura, chuchu, goiaba, laranja, manga, pimentão, tomate e uva. Foram analisados cerca de 270 agrotóxicos diferentes.

A Agência avalia a quantidade média de alimentos consumidos e o peso dos consumidores com idade acima de 10 anos. A avaliação é feita em curto e longo prazo.

Concluiu-se que os alimentos analisados não ofereciam risco imediato para a população. Mas a laranja se destacou na lista por ser bastante consumida pelos brasileiros e, por esse motivo, poderia causar intoxicação. Das 382 amostras da fruta, 48 apresentavam agrotóxicos não autorizados e cinco amostras acima do permitido (14%).

Veja detalhes da quantidade de agrotóxicos proibidos ou acima do permitido encontrada nos alimentos de acordo com o Para:

  • Pimentão: das 326 amostras analisadas, foram detectados 69 agrotóxicos dentre os 195 pesquisados. Além disso, 263 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura do pimentão e 79 amostras apresentaram resíduos acima do permitido.
  • Goiaba: das 283 amostras analisadas, foram detectados 43 agrotóxicos dentre os 241 pesquisados. Além disso, 115 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura da goiaba e 18 acima do permitido.
  • Cenoura: das 353 amostras analisadas, foram detectados 30 agrotóxicos dentre os 153 pesquisados. Além disso, 139 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura da cenoura e três acima do permitido.
  • Tomate: das 316 amostras analisadas, foram detectados 45 agrotóxicos dentre os 151 pesquisados. Além disso, 106 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura do tomate e oito acima do permitido.
  • Alho: das 365 amostras analisadas, foram detectados 27 agrotóxicos dentre os 240 pesquisados. Além disso, 16 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura do alho e uma amostra acima do permitido.
  • Batata-doce: das 315 amostras analisadas, foram detectados 16 agrotóxicos dentre os 241 pesquisados. Além disso, 28 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura da batata-doce e nenhuma amostra estava acima do permitido.
  • Beterraba: das 357 amostras analisadas, foram detectados 21 agrotóxicos dentre os 241 pesquisados. Além disso, 37 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura da beterraba e 19 estavam acima do permitido.
  • Abacaxi: das 347 amostras analisadas, foram detectados 28 agrotóxicos dentre os 243 pesquisados. Além disso, 18 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura do abacaxi e 28 acima do permitido.
  • Manga: das 350 amostras analisadas, foram detectados 33 agrotóxicos dentre os 242 pesquisados. Além disso, 31 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura da manga e 32 acima do permitido.
  • Uva: das 319 amostras analisadas, foram detectados 66 agrotóxicos dentre os 243 pesquisados. Além disso, 48 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura da uva e 49 amostras com quantidade acima do permitido.
  • Alface: das 286 amostras analisadas, foram detectados 51 agrotóxicos dentre os 195 pesquisados. Além disso, 48 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura da alface e 31 amostras acima do permitido.
  • Chuchu: das 288 amostras analisadas, foram detectados 11 agrotóxicos dentre os 60 pesquisados. Além disso, 26 apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura da alface e 31 amostras com quantidade acima do permitido.
  • Arroz: das 329 amostras analisadas, foram detectados 23 agrotóxicos dentre os 243 pesquisados. Além disso, sete apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura da alface e oito acima do permitido.

"Esses alimentos ainda apresentam níveis altos de agrotóxicos, mesmo sendo produzidos dentro das normas que limita a quantidade máxima de resíduo que pode ficar em cada alimento. Mas isso não significa, necessariamente, um risco à saúde do consumidor. Entretanto, essas análises são importantes para que se criem estratégias que reduzam esses resíduos", explica Garcez.

Vale ressaltar que a quantidade de agrotóxicos presentes em produtos de origem animal e em ultraprocessados não foram monitorados.

Mulher escolhendo frutas em feira orgânica - byakkaya/IStock - byakkaya/IStock
Imagem: byakkaya/IStock

Como minimizar os riscos

Como apontado, no caso dos consumidores, ainda não se sabe os potenciais riscos à saúde. Mas é sempre bom conhecer a procedência do que se come, para ter uma alimentação mais segura.

"É importante valorizar produtos com notas fiscais que identifiquem os responsáveis pela sua produção. Ter a certificação de boas práticas de produção obrigatoriamente possibilita a rastreabilidade de toda sua cadeia produtiva", destaca Pablo Georgio de Souza, engenheiro florestal e professor do curso de Agronomia da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

Além disso, para reduzir os possíveis riscos de intoxicação, várias estratégias podem auxiliar na redução de consumo de agrotóxicos:

  • Lave bem os alimentos: a higienização de legumes, verduras e frutas pode reduzir os resíduos de agrotóxicos que se concentram nas superfícies dos alimentos. Mas ainda não há pesquisas que comprovem que lavar adequadamente os alimentos ajude na remoção total de todos os tipos de agrotóxicos;
  • Opte por vegetais da estação: sempre que possível, prefira legumes, verduras e frutas regionais e da safra, pois trarão menos agrotóxicos;
  • Desconfie de alimentos "perfeitos": vegetais muito grandes, com aparência muito brilhante, sem manchas e que duram muito podem indicar agrotóxicos em excesso;
  • Retire a casca dos alimentos: tirar a parte externa de legumes e frutas pode minimizar a quantidade de agrotóxicos.

Vale reforçar que boa parte dos resíduos de substâncias tóxicas pode estar na casca de frutas e legumes e, nesses casos, são mais fáceis de serem retirados. No entanto, existem resquícios que podem penetrar nas frutas e hortaliças e que dificilmente são eliminados apenas com boas práticas de higiene.

Vale a pena investir em alimentos orgânicos?

Os alimentos orgânicos são conhecidos por serem produzidos sem o uso de produtos químicos como agrotóxicos e fertilizantes. Por isso, acredita-se que sejam mais saudáveis.

"Comprar orgânicos é uma forma de garantir que um alimento foi realmente produzido sem agrotóxicos. Há diversas feiras que comercializam os produtos orgânicos, geralmente disponíveis em grandes centros. É importante que ocorra um investimento em um sistema alimentar saudável e sustentável", destaca Arantes.

Mas, mais uma vez, o tema pode ser bastante polêmico, uma vez que há pouca comprovação científica sobre a composição nutricional dos orgânicos e os seus possíveis benefícios.

Uma revisão de estudos analisou os efeitos dos produtos orgânicos sobre a saúde humana e concluiu que não existiam evidências de que eles eram mais nutritivos do que os convencionais. Entretanto, os pesquisadores mostraram que seu consumo poderia reduzir a exposição aos resíduos de pesticidas e bactérias resistentes a antibióticos. Ao todo, foram avaliadas 240 pesquisas sobre o assunto.

Há ainda quem afirme que uma produção em larga escala de orgânicos seja impossível. "Para alimentar a população mundial, em grande escala de produção, infelizmente hoje não seria possível apenas com os orgânicos. Os agrotóxicos são utilizados para contribuir para um aumento da produtividade dos alimentos para a população", afirma Durval Ribas Filho, nutrólogo e presidente da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia).

Ele diz que o excesso e o manuseio inadequado contribuem para realmente causar problemas de saúde à população. "O ideal seria que todos se alimentassem da forma mais natural possível, mas isso é inviável. Também é importante considerar que não são incomuns os casos de contaminação por determinadas bactérias presentes no manuseio dos orgânicos".

Outra questão levantada sobre os orgânicos é sobre a sua acessibilidade, uma vez que costumam ser mais caros em supermercados. Isso ocorre devido aos altos custos de produção, transporte, local de compra e até mesmo devido à certificação.

"Uma forma de economizar na compra de orgânicos e investir em uma alimentação mais saudável é conhecer as feiras orgânicas. Por lá, os consumidores compram direto dos produtores, o que significa preços mais baixos, fora a experiência de troca entre o consumidor e o produtor", indica Arantes.