Terapia para tratar câncer é promissora no controle de infecção fúngica
Uma terapia celular inovadora, que vem sendo utilizada para tratamento de câncer, mostrou-se promissora no controle de infecções causadas por fungos. Estudo publicado na revista científica Cytotherapy apontou que o uso de células CAR-T (sigla em inglês para receptor de antígeno quimérico) programadas para "reconhecer" fungos Cryptococcus spp. foi eficiente no controle da propagação desses microrganismos in vitro e em camundongos.
O Cryptococcus gattii e Cryptococcus neoformans - presentes em solo com matéria orgânica morta e encontrados em locais contaminados com fezes de pássaros, principalmente pombos - provocam micose sistêmica no organismo humano. Podem afetar o pulmão e o sistema nervoso central. Por isso, os sintomas variam de acordo com o local em que se alojaram, podendo provocar desde uma infecção pulmonar até uma meningite ou meningoencefalite. A transmissão ocorre por meio da inalação dos fungos. Dependendo da gravidade, leva à morte.
A cada ano, cerca de 1 milhão de casos de infecção por Cryptococcus são registrados em todo o mundo, de acordo com dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, em inglês). A taxa de mortalidade varia entre 20% e 70%. Ainda segundo a agência do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, são notificados 220 mil casos de meningite criptocócica anualmente, afetando principalmente pacientes com Aids, doença causada pelo HIV.
Para escapar do sistema de defesa do hospedeiro, o Cryptococcus se reveste de uma cápsula à base de carboidratos (polissacarídeos), composta majoritariamente de glucuronoxilomanana (GXM), considerada o principal fator de virulência do fungo. No organismo humano, as células de defesa T CD4+ e T CD8+ têm dificuldade de reconhecer o Cryptococcus e de combater sua proliferação.
No estudo Glucuronoxylomannan in the Cryptococcus species capsule as a target for Chimeric Antigen Receptor T-cell therapy, cujo primeiro autor é o pesquisador brasileiro Thiago Aparecido da Silva, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), o grupo desenhou um CAR direcionado à GXM, com o objetivo de fazer com que as células reconhecessem diretamente o fungo e atuassem para conter seu crescimento.
"Esses achados revelam que as células GXMR-CAR-T são redirecionadas para reconhecer o Cryptococcus neoformans. Estudos futuros serão focados na determinação dos mecanismos envolvidos na eficácia terapêutica dessas células em um modelo animal de criptococose [como é chamada a infecção]", concluem os pesquisadores no artigo.
Segundo Silva, além de conter o crescimento do fungo, a infusão de células GXMR-CAR-T também reduziu as chamadas células gigantes - leveduras com diâmetro maior (acima de 45 micrômetros) presentes durante a infecção por Cryptococcus e que aumentam sua virulência. Silva é pesquisador do Departamento de Biologia Celular, Molecular e Bioagentes Patogênicos (Biocel), da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), e tem apoio da FAPESP por meio de Bolsa de Pós-Doutorado e de uma Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE).
"Essa redução das leveduras gigantes indica um bom prognóstico para novos tratamentos para criptococose. Células CAR-T podem ser utilizadas para outras infecções fúngicas e associadas a uma terapia tradicional, diminuindo assim os atuais efeitos colaterais desses medicamentos. Com células CAR-T é possível estabelecer uma memória imunológica para o paciente frente a infecções fúngicas invasivas, podendo atuar como um protetor em casos de reinfecção", explica o pesquisador, em entrevista à Agência FAPESP.
Agora, apoiado pela FAPESP por meio de um Auxílio à Pesquisa na modalidade Jovem Pesquisador, ele está buscando otimizar a resposta protetora das células CAR-T, com foco também nos fungos Candida albicans e Histoplasma capsulatum.
Morte direta de fungos
O grupo de pesquisadores do MD Anderson Cancer Center, no Texas, Estados Unidos, colaborador de Silva, foi o primeiro a explorar a morte direta de fungos com o redirecionamento de células T CD8+ por meio de um receptor de antígeno quimérico (CAR) projetado para atingir um carboidrato encontrado na parede celular do fungo Aspergillus fumigatus.
O interesse no uso de células CAR-T para tratamento de doenças como o câncer vem aumentando nos últimos anos em vários países. Na maioria dos estudos com essa técnica, os pesquisadores utilizaram o receptor de CD19 como alvo para conter a multiplicação anormal (neoplasia) de células B, que podem ocasionar consequências graves ao organismo (leia mais em: agencia.fapesp.br/31656/).
Desde 2017, a agência americana Food and Drug Administration vem dando aval à aplicação de terapias de células CAR-T, principalmente no tratamento de leucemia e de linfoma.
No Brasil, outro grupo de pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC) da USP em Ribeirão Preto, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP, testou pela primeira vez, em 2019, o uso desse tratamento inovador contra o câncer, feito com células reprogramadas do próprio paciente.
A técnica foi usada para tratar um caso avançado de linfoma difuso de células B - um tipo de linfoma não Hodgkin, doença que afeta o sistema linfático (leia mais em agencia.fapesp.br/31656/). Em fevereiro de 2020, o CDC lançou um livro reunindo informações práticas para orientar a produção de células CAR-T (saiba mais em agencia.fapesp.br/32526/).
Reconhecimento do alvo
No caso da pesquisa desenvolvida pelo grupo do qual Silva faz parte, os autores levantaram a hipótese de que as células GXMR-CAR-T apresentariam atividade citotóxica contra fungos que expressam a glucuronoxilomanana na parede celular. O estudo demonstrou que células T humanas modificadas expressando GXMR-CAR se ligaram ao carboidrato GXM em solução e interagiram com levedura de Cryptococcus neoformans.
"O mais crítico na construção de um CAR é a porção de reconhecimento do alvo, em que utilizamos anticorpos monoclonais que interagem com o Cryptococcus. Usamos a sequência de DNA que codifica a porção do anticorpo que reconhece o fungo e colocamos em conjunto com a sequência de DNA codificadora das outras porções do CAR", explica Silva.
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