Inquilino indesejável: conheça os perigos do mofo para a saúde
Praticamente sem sair de casa há meses por conta da pandemia e o nascimento da filha Nina, em abril, a consultora de estilo carioca Ana Soares, criadora do site Moda Pé no Chão, deixou suas roupas, bolsas e sapatos um pouco de lado neste período.
Só que em outubro, em um momento de tranquilidade, resolveu dar uma conferida nas peças e teve uma péssima surpresa: a maioria delas estava completamente mofada.
"Antes disso, tinha notado um pouco de mofo em algumas coisas, mas, com a loucura do puerpério, não dei importância. Quando vi tudo coberto com aquela coisa verde, ficou claro que algo estava errado. Postei nas redes sociais e várias seguidoras me alertaram sobre os perigos dessa condição, especialmente com um neném", conta.
Ana, então, resolveu dar uma geral na residência, onde morava há menos de um ano, e encontrou diversos pontos de umidade escondidos, o pior deles atrás de seu guarda-roupa. A partir dali, foi atrás de informações sobre o assunto e se deu conta de que há alguns meses ela, o marido e a filha estavam com alguns sintomas estranhos e que, até então, ela atribuía à mudança de vida, mas que eram relacionados justamente ao mofo.
"Nós estávamos sempre cansados e irritados. Meu marido ainda tinha dores de cabeça fortíssimas diariamente e crises de sinusite. Eu estava respirando com dificuldade e, depois, nós todos começamos a ter tosse. Mas, por desconhecimento, não relacionei isso ao mofo", diz.
"Nesse processo, tivemos um prejuízo financeiro enorme, passamos por outra mudança, porque não quisemos mais ficar naquele lugar e, apesar de não termos tido nenhuma urgência médica e da Nina ter passado pelo pediatra, estou com medo de que tenhamos ficado com alguma sequela", desabafa a consultora de estilo.
Perigos do mofo para a saúde
No Brasil, de acordo com dados do Movimento Construção Saudável, que reúne as principais empresas do mercado de impermeabilização, cerca de 80% dos imóveis apresentam problemas de infiltração, que causam umidade e, consequentemente, fazem surgir o mofo, um inquilino indesejável e que pode ser extremamente prejudicial à saúde.
"O mofo é um fungo (mais comumente o Aspergillus fumigatus). Quando se reproduz, forma colônias, e são elas que dão aquele aspecto escuro, acinzentado ou esverdeado, às paredes e aos objetos e, enquanto faz isso, solta esporos, que ficam em suspensão no ar e acabam sendo inalados pelas pessoas", explica Ricardo Amorim Correa, pneumologista e professor associado da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
O sistema que mais sofre com a sua presença é o respiratório. Segundo o médico, apesar de ele possuir defesas, e delas filtrarem grande parte do que chega ao nariz ou boca, alguns microrganismos conseguem passar e, uma vez dentro do corpo, são capazes de causar uma série de reações (tosse, mal-estar, espirros, entupimento nasal, cansaço, coriza e dificuldade para respirar são algumas delas) e doenças, como alergias, micose broncopulmonar alérgica e infecções.
Além disso, há o risco de desencadearem crises de asma, rinite, sinusite e bronquite. "Quem já tem algum problema respiratório é mais suscetível. Neste caso, só o cheiro, muitas vezes, é suficiente para provocar um episódio alérgico", diz Correa, acrescentando que certos indivíduos, dependendo da situação imunológica, predisposição e do tempo de exposição ao fungo, ainda podem desenvolver um quadro mais grave, chamado pneumonite de hipersensibilidade.
Apesar de muita gente não saber, essa patologia associada ao mofo não é tão incomum. Para se ter uma ideia, um estudo realizado pelo Hospital das Clínicas da UFMG constatou que dentre os 34 portadores da enfermidade tratados no local entre 2011 e 2015, 55,9% tiveram contato com mofo.
"Essa é uma doença muito preocupante, porque, quando se torna crônica, destrói o pulmão, fazendo com que ele fique todo fibrosado e perca a capacidade de realizar suas funções. Com isso, o paciente sente falta de ar constantemente e precisa usar oxigênio. Às vezes, é necessário transplante de pulmão", relata o médico.
Celso Padovesi, pneumologista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, informa que os fungos oriundos da umidade também podem afetar olhos e pele, causando, respectivamente, conjuntivite, cujos sintomas são vermelhidão, coceira, ardência e sensação de areia, e dermatite atópica, que provoca coceira, bolinhas vermelhas e até rachaduras na pele.
"O mofo é um problema comum no Brasil e casos de saúde relacionados a ele são frequentes nos consultórios. Na maioria das vezes, quando a pessoa é afastada do ambiente com umidade ou faz os reparos necessários no local, os sintomas melhoram. Em algumas situações mais leves também pode ser necessário tomar medicamentos, como antialérgicos e corticoides. Já nas crônicas, aí os tratamentos são mais específicos e longos, determinados com base no diagnóstico, e nem sempre se consegue a cura, apenas manter a doença estabilizada", pontua Padovesi.
Atenção aos bichinhos
Quem também sofre com os fungos são os animais de estimação. De acordo com Simone Rodrigues Ambrósio, veterinária, professora do curso de medicina veterinária da Universidade São Judas e gestora do Hospital Veterinário da faculdade, por conta da sua presença, cães e gatos podem apresentar um tipo de dermatopatia alérgica chamada de atopia.
"Nessa patologia, o animal acometido apresenta um intenso prurido (coceira), podendo evoluir, se não tratado, para lesões sistêmicas pelo corpo todo. Outros indicativos de que o mofo está fazendo mal para eles são espirros, vermelhidão pelo corpo e inquietude", indica.
Causas do mofo
O mofo, caracterizado por manchas escuras nas paredes, teto ou chão dos imóveis, sejam eles residenciais ou comerciais, tem basicamente duas causas, segundo Joice Giannotto, docente do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Anhembi Morumbi (SP): falta de ventilação e infiltração.
"A primeira é mais fácil de resolver. Basta abrir as janelas para o ar circular ou, se isso não for possível, recorrer a equipamentos que façam essa tarefa, limpar bem a área afetada e repintar. Em relação à segunda, antes de mais nada, é preciso descobrir o que está provocando a entrada de água, e o mais comum são problemas no telhado ou na laje, falha na impermeabilização e encanamento rompido, para depois fazer os reparos necessários, só que nem sempre eles são simples e baratos", afirma.
Para evitar que a umidade e os fungos apareçam, indica Fabíola Cecon, presidente do Movimento Construção Saudável, o importante é, ainda durante a obra, utilizar apenas produtos e materiais de qualidade, contratar profissionais qualificados e fazer a impermeabilização correta.
"Com o imóvel pronto, aí é preciso cuidar da manutenção e a qualquer sinal de que algo está errado, buscar a solução. É fundamental que as pessoas se conscientizem o quanto antes sobre os perigos do mofo tanto para a saúde pessoal quanto para a saúde da construção", finaliza.
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