Proxalutamida é eficiente contra a covid-19? Dados ainda são insuficientes
Um novo estudo ainda não publicado em revista científica —apenas apresentado em formato de PowerPoint em uma coletiva de imprensa em Manaus—, aponta que a proxalutamida, um medicamento anti-androgênico, geralmente usado no tratamento de cânceres que têm relação com a testosterona, como o câncer de próstata, é capaz de reduzir o tempo de internação e o número de mortes por covid-19.
Atualmente, a droga está sob investigação e não é comercializada. Seu uso para covid-19 não foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), FDA (órgão regulador dos EUA) ou qualquer outra agência regulatória equivalente.
A pesquisa foi feita pelo grupo hospitalar brasileiro Samel em parceria com a Applied Biology, empresa americana de biotecnologia especializada no desenvolvimento de medicamentos para doenças capilares.
A teoria condutora do estudo tem base na porta de entrada do Sars-CoV-2. "Para infectar uma pessoa, o vírus entra nas células por um marcador chamado ECA-2. Quem tem mais testosterona, apresenta mais desse receptor", explica Alexandre Naime, infectologista e professor da Unesp (Univesidade Estadual Paulista).
"A proxalutamida impede a fabricação de TMPRSS2, uma enzima que funciona como 'chaveiro', preparando as espiculas do vírus (em inglês, spikes) para funcionar como chave e entrar na célula humana, realizando a infecção. Com a ação da droga, os spikes se tornam incompatíveis com a fechadura ECA-2", explica o dermatologista Carlos Wambier, um dos autores do estudo e professor na Universidade de Brown, nos EUA.
A ideia, então, foi observar se a proxalutamida impede a entrada do vírus nas células e diminuir a replicação viral.
O que mostram os resultados
Foram incluídos no estudo:
- Pacientes hospitalizados por covid-19 de qualquer idade acima de 18 anos
- Que precisaram obrigatoriamente de oxigênio, de preferência em alto fluxo
- Com baixa saturação de oxigênio (< 90%) em ar ambiente
- Que não tivessem disfunções importantes no fígado e nos rins
- Pelo menos 25% a 50% dos pulmões acometidos (exceto em centros menores)
De acordo com o que foi divulgado, na primeira fase, o uso do remédio em um grupo de 235 pacientes, selecionados nos primeiros dias de internação, provocou a diminuição do tempo de hospitalização em 70%, além de redução no número de mortes em mais de 50% e intubação em mais de 70%. Somando com o grupo placebo —que não recebeu a droga, embora não tivessem conhecimento disso— 590 pacientes foram avaliados.
Na análise, o efeito da droga é tido como responsável pelo desfecho de 35 pacientes sem uso de ventilação não-invasiva com boa saturação pulmonar e nenhuma intubação; oito pacientes receberam alta e houve redução de 50% a 60% de pulmões acometidos para 5% a 15%.
Além do grupo de 42 pacientes hospitalizados, a proxalutamida também foi utilizada em dez pacientes que estavam na UTI. O relatório aponta que, com o uso da proxalutamida, nenhuma morte foi registrada, três pacientes evoluíram para a extubação e sete evoluíram para a retirada da nodradrenalina (hormônio que influencia no humor). O grupo também registrou 82% de queda do Dímero-D (marcador que indica risco de trombose). A apresentação completa está disponível em vídeo.
Críticas ao estudo
Não há publicação científica
Do ponto de vista científico, a apresentação da análise, por enquanto, é apenas um tipo de divulgação, já que ainda não foi publicada em revista científica —o que significa que não teve a revisão por pares (pesquisadores que não fazem parte do estudo) ou em formato pré-print (que antecede a revisão).
O artigo, de acordo com Carlos Wambier, que fez parte do estudo, ainda está sendo redigido. O objetivo do grupo, segundo ele, é emplacar a publicação na conceituada revista científica NEJM (New England Journal of Medicine).
Não se sabe qual é o tratamento base
A pesquisa aponta que após 14 dias, nove em cada 10 pacientes internados que tomaram proxalutamida receberam alta enquanto aproximadamente 1/3 do braço placebo havia recebido alta após o período de 14 dias. Uma melhora clínica significativa pôde ser observada em média 3 dias após o início do medicamento, contra quase 19 dias no grupo placebo.
"Analisando o power point, não dá para saber qual foi o tratamento base, isso é, se além da proxalutamida, os pacientes receberam corticoide, qual foi o tipo de uso do oxigênio ou qualquer outro tipo de intervenção. Sem saber o que os participantes de cada grupo receberam nos 12 hospitais diferentes, é impossível analisar se o efeito de fato foi pelo uso da proxalutamida", analisa Naime.
Waimber explica que ambos os grupos, por serem randomizados, receberam o mesmo tratamento, mas que os detalhes de cada medicamento serão expostos no artigo.
A análise estima tempo de internação, número de intubações e mortes
O estudo também aponta que "o esperado para o grupo seria um tempo de internação média de 21 dias, com cerca de 20 intubações, cinco mortes e nenhuma evolução para ar ambiente. Com uso do medicamento, o grupo de pacientes testados teve um tempo médio de internação de seis dias, nenhuma intubação, nenhuma morte e 100% de evolução para ar ambiente".
"Tratando de uma doença tão imprevisível quanto a covid-19, que pode agir de inúmeras formas diferentes, não é possível para estimar, pois ela é muito imprevisível. O desfecho não é o ideal", diz Naime.
Em defesa, o pesquisador do estudo diz que os cálculos foram feitos observando os dados de desfecho da cidade de Manaus.
Número de mortes no grupo placebo é alarmante
A pesquisa aponta que o grupo placebo teve 47,6% (141 mortes) de mortalidade contra 3,7% (12 mortes) do grupo que estava recebendo a droga.
"Isso diz respeito a pacientes que, de acordo com o relato, estavam em enfermarias, não em UTIs. É um número absurdamente alto. Se fosse o padrão em hospitais do Brasil, teríamos muitos milhões de óbitos a mais. Então aparentemente é um grupo que estava em estágio mais grave, e por isso é importante saber qual foi o tratamento de base usado", avalia o infectologista.
Waimber defende que, no momento da randomização os pacientes estavam em enfermaria, mas parte deles evoluiu para estágios mais graves da doença.
No Amazonas, o número de óbitos por internação —contabilizando também a UTI— foi mais alto que em outros estados do país durante alguns meses de 2020 e 2021, de acordo com o DataSUS. Os especialistas analisam o índice como reflexo do colapso do sistema de saúde no estado e as infecções por variantes.
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