"Bebia 1 litro por dia": como pessoas se tornam dependentes de refrigerante
Desde criança, a produtora de contéudo Paula Skoretzky, 45, estava acostumada a beber refrigerante durante as refeições. "A gente podia tomar um copo no almoço e jantar. Lembro que bebíamos na canequinha", conta. O hábito era comum na família: ao longo de um mês, seus pais chegavam a tomar cerca de 15 litros. Para ela, as consequências vieram cedo e, aos 17 anos, teve pedras nos rins, provavelmente devido ao refrigerante. Mas o susto não freou a vontade, e a relação com a bebida se tornou ainda pior na vida adulta. "Virou uma festa. Eu tomava sozinha um litro todos os dias. Salivava só de sentir o cheiro. Era quase um vício", diz.
Embora a palavra vício seja usada frequentemente para situações em que a pessoa consome algo de forma exacerbada, nesse caso não é possível dizer que uma pessoa é viciada em refrigerante, já que o problema não causa impactos diretos em sua vida pessoal (mas pode afetar a saúde em longo prazo). No entanto, é aceitável afirmar que ela pode ser dependente da bebida.
De acordo com Andre Souza, neurocientista formado pela Universidade do Texas (EUA), todo processo ocorre principalmente no sistema límbico, ligado à percepção de sensações. É ele que faz com que o cérebro perceba que determinado gosto é bom e queira ainda mais aquela substância. "Ao ingerir refrigerante, nossa língua detecta um sabor doce e já manda essa informação para o cérebro, que responde produzindo a dopamina —um dos neurotransmissores responsáveis pela sensação de prazer", explica.
O especialista diz ainda que alguns estudos já mostraram que o consumo de açúcar inibe ações na região do lobo frontal, responsável pelo raciocínio lógico. Por isso é mais difícil pensarmos logicamente enquanto estamos comendo ou bebendo produtos que tenham grandes quantidades da substância.
Por que é tão difícil largar e como parar?
O neurocientista afirma que nosso cérebro funciona bem para criar novos hábitos, mas não é bom para quebrá-los. Pode demorar muito tempo até que a pessoa consiga largar uma velha rotina. Segundo Souza, para quem deseja parar com o consumo de refrigerante, o ideal é evitar situações que possam ter a bebida e não cortar o consumo de forma radical.
Segundo Mariana Ferrari, nutricionista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, é importante buscar alternativas para não sentir tanta falta do refrigerante. "A pessoa pode beber água com gás, chá gelado, suco de frutas. Tudo que seja o mais natural possível", afirma. Mas é bom evitar também os "sucos de caixinha", que são ricos em açúcar —veja aqui uma seleção de VivaBem com os melhores sucos do supermercado, para ajudar você a fazer uma boa escolha.
Outra iniciativa é colocar metas e exemplos práticos na rotina alimentar para incentivar que todos da família não consumam mais a bebida. "Não é aconselhado que a criança tome refrigerante até a segunda infância. A partir do momento em que os pais não introduzem a bebida em casa, fica mais fácil não incentivar a ingestão na fase infantil. Caso ela queira tomar depois disso, deve-se incentivar o menos possível", diz Flavia Auler, coordenadora do curso de nutrição da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
No caso de Paula, ela cortou a bebida drasticamente por um tempo. Após engravidar tardiamente e com uma gestação gemelar, resolveu parar por dois anos. "Eu prometi que se meus filhos nascessem bem, eu ia ficar sem ingerir refrigerante por esse período. Um ano equivalia a cada bebê", conta.
Segundo ela, no começo foi complicado e participar de reuniões ou festas era a parte mais difícil. "As pessoas sempre me ofereciam, mas eu optava pela água ou suco natural. E fui diminuindo aos poucos", diz.
Hoje, ela afirma que embora não tenha parado totalmente o consumo, diminuiu muito. "Meu marido toma e eu consumo bem de vez em quando."
"Parei por causa da doença da minha filha"
A corretora de imóveis Regina Sherer, 59, por muitos anos bebeu refrigerante como água. Na época, seu ex-marido também adorava a bebida e consumia cerca de dois litros todos os dias. "Era uma rotina normal. Nas refeições, lanches, encontros com a família. A gente comprava sempre as garrafas maiores e era sempre assim: deu sede, copo de refrigerante", conta. Mesmo sabendo de todos os problemas que a bebida pudesse provocar, ela não diminuía a frequência.
A grande mudança ocorreu depois que sua filha descobriu que estava com esclerose múltipla e os médicos propuseram que ela parasse de beber refrigerante por um mês. "Na época, o médico mostrou o exame da minha filha, disse que seu organismo estava muito inflamado e propôs a ela ficar sem refrigerante por um mês. Eu e ela resolvemos parar e fiquei pensando que não via a hora de ver o resultado do novo exame", conta.
Após os 30 dias, a filha voltou a fazer exames e o médico disse que a inflamação havia melhorado. Depois disso, Regina decidiu que iria parar para sempre. "Desde aquele dia, eu pensei 'chega, acabou'. Para tentar não ter recaídas, eu colocava um pouquinho no copo, cheirava e saciava minha vontade", relembra. Ela também recorreu à água com gás para "enganar" o cérebro.
Desde a decisão, faz oito anos que ela não consome nenhum tipo de refrigerante. "Quando parei, comecei a me sentir melhor e mais disposta. Hoje eu consumo e bebo muita água. É a melhor bebida", afirma.
Existe um limite?
De acordo com o Guia Alimentar Brasileiro, o refrigerante é classificado como produto ultraprocessado. Por ser rico em sódio, açúcar, conservantes e aditivos químicos, sua ingestão deve ser quase mínima.
Auler explica que a bebida não pode ser considerada parte da dieta do dia a dia por ser pobre nutricionalmente e oferecer as chamadas "calorias vazias" —que não são acompanhadas de vitaminas e minerais importantes à saúde. "Em 200 ml de refrigerante há aproximadamente três colheres de sopa de açúcar. É muito", afirma.
A nutricionista reforça que, caso a pessoa goste muito deste tipo de bebida, o ideal é consumir um copo em situações isoladas e bem esporádicas, como festas ou encontros. Além disso, é superimportante nunca substituir a ingestão de água pela bebida açucarada.
E não se engane pensando que os refrigerantes lights e diets são mais saudáveis. "Se você pensar em calorias, até compensa trocar. O grande problema é que o diet também tem muitos aditivos químicos, além de corantes e edulcorantes (adoçantes) para realçar o sabor. Não seria uma troca inteligente", afirma Auler.
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