Soja aumenta mamas? Antecipa puberdade? Veja o que a ciência diz

A soja é a leguminosa considerada maior fonte de proteína vegetal absorvida pelo organismo, com 40% desse nutriente sendo de alta qualidade. Além disso, possui 20% de gordura rica em ácidos graxos poli-insaturados e, ao contrário das carnes, isenta de colesterol. É fonte de fibras, vitaminas do complexo B e E, também dos minerais magnésio, potássio, ferro e fósforo.

Não à toa, em 1999, a FDA (agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos), aprovou na rotulagem de alimentos a soja como protetora para doenças cardiovasculares. Se de um lado a soja teve seu consumo aumentado nos últimos anos como um alimento importante em algumas populações selecionadas, especialmente vegetarianos e veganos, por outro ela tem sido considerada como um desregulador endócrino (substância química que pode ser natural ou sintética, com a capacidade de imitar ou de interferir na ação de hormônios).

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A relação entre o alimento e os hormônios surgiu porque a soja contém isoflavonas, um fitoestrogênio que pode se ligar aos receptores do hormônio feminino e permitir sua liberação Isso poderia causar a ginecomastia (aumento das mamas em homens). Além disso, estudos também já mostraram que a leguminosa também tem alguma associação com o aparecimento de doença tireoidiana em quem já tem predisposição.

De acordo com especialistas, no caso da ginecomastia, a causa é multifatorial e ainda não há evidências científicas fortes o suficiente para relacionar o consumo de soja ao problema. "Apesar disso, sabemos que na função tireoidiana existem estudos mais robustos que sugerem que a ingestão da soja por indivíduos predispostos ao desenvolvimento de doença tireoidiana poderia desencadear ou acelerar a evolução para uma disfunção da glândula", afirma Cláudia Montemor, médica endocrinologista e mestre em ciências da reabilitação, professora do curso de medicina da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

O que explica a relação da soja com o aumento das mamas

Como o alimento contém fitoestrogênios (isoflavonas), eles seriam capazes de imitar a ação do estrogênio, hormônio feminino presente também em homens, mas em menor quantidade. "Só que até hoje nenhuma pesquisa científica bem conduzida conseguiu comprovar que a soja gera algum tipo de feminização do corpo masculino, como o aumento das mamas (ginecomastia), por exemplo", afirma Cassia Regina Nogueira Guimarães, médica pediatra e professora do curso de Medicina da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná, campus Londrina.

Pensando nos homens, raciocinaríamos que da mesma forma que as isoflavonas se ligariam ao receptor do estrogênio na mulher, poderia se ligar ao receptor do estrogênio masculino. "Vem daí a ideia de que a ginecomastia poderia se desenvolver, seja porque o hormônio testosterona caiu ou porque aumentou o estradiol. Ou seja, houve uma ligação entre o fitoestrogênio e o receptor do estradiol, desencadeando esse desequilíbrio hormonal", sugere o médico endocrinologista Alexandre Hohl, presidente do Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da SBEM (Sociedade de Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).

Só que, segundo o especialista, não há estudos randomizados que comprovem que isso poderia acontecer em humanos. "O que temos são relatos dessa associação do consumo excessivo de soja por adolescente e o aparecimento da ginecomastia", aponta.

Na Pubmed, bases de artigos científicos, há um caso de causa incomum em um pré-adolescente que consumia grande quantidade de soja e que desenvolveu a ginecomastia. "O fato é que a ginecomastia tem causas multifatoriais, todas elas decorrentes de uma alteração hormonal que leva à redução do nível de testosterona ou ao aumento no índice de estrogênio. No entanto, existem vários fatores mais comuns comprovados para o crescimento das mamas nos homens do que o consumo de soja", pondera a médica Cassia Regina Nogueira Guimarães. Entre eles estão o uso de anabolizantes, câncer nos testículos, hepatite e a própria puberdade, que provoca alterações hormonais transitórias.

Alguns especialistas consideram bastante rara a ocorrência de aumento das mamas em meninos (ginecomastia) devido ao consumo de soja e derivados. No entanto, alguns especialistas não descartam totalmente a hipótese, já que alguns estudos demonstram que as isoflavonas são capazes de se ligar aos receptores de estrogênio e promover a liberação de hormônio feminino. "Porém, o fator genético tem maior influência na ginecomastia do que o consumo da soja isolado", pondera Cassia.

Antecipação da puberdade e o consumo de fórmula à base de soja

Poucos trabalhos científicos comprovam a ligação do consumo da soja à antecipação da puberdade (antes dos oito anos em meninas, e dos nove anos em meninos), ligadas a mudanças que incluem: crescimento das mamas nas meninas e do volume dos testículos nos meninos, surgimento de pelos nas axilas e nas regiões puberais e a primeira menstruação. "Mas alguns estudos apontam que, para que isso aconteça, a quantidade de soja ingerida diariamente deveria ser muito alta (acima de 2 a 3 litros de leite ou bebida à base de soja por dia)", diz a pediatra.

Em 2012, o estudo de coorte do Avon Longitudinal Study of Parents and Children, da Universidade de Bristol, na Inglaterra, analisou o tipo de leite ingerido na primeira infância e relacionou com a idade da primeira menstruação em 2.920 meninas. Eles encontraram uma maior relação com a idade da primeira menstruação materna e com índice de massa corpórea do que com o consumo de soja. Porém, neste estudo, bebês que tiveram o consumo com fórmula à base de soja antes dos seis meses de vida estiveram associados a uma discreta redução da média de idade da menarca (primeira menstruação). Em média 12 anos e quatro meses, em comparação com 12 anos e oito meses do grupo do aleitamento materno ou do consumo da fórmula não derivada de soja.

De acordo com o estudo, lactentes com alergia ao leite de vaca que são alimentados com fórmulas à base de soja apresentaram concentrações sanguíneas de isoflavonas significativamente mais altas do que os alimentados com leite materno ou fórmulas lácteas à base de leite materno. "Não está claro, no entanto, se os fitoestrogênios constatados são biologicamente ativos, e pouco se sabe sobre seu impacto hormonal clínico durante o crescimento na idade escolar e o desenvolvimento puberal. Além disso, as diferenças metodológicas entre os estudos limitam a capacidade de chegar a conclusões significativas sobre esta questão", considera a pediatra.

Outro estudo realizado em lactentes acompanhados desde o nascimento até a idade de três anos que consumiram apenas fórmula à base de soja e que foram reavaliados entre as idades de 7,8 e 10,5 anos por meio de entrevista, não demonstrou associação entre o consumo infantil de fórmula à base de soja e os parâmetros de crescimento e puberdade.

"Contudo, é preciso cautela e bom senso ao oferecer a soja para as crianças, até que tenhamos evidências mais claras. O ideal é que elas somente sejam apresentadas à soja e derivados a partir dos seis meses de idade, com moderação e com orientação de um pediatra. Antes dessa idade, é recomendado que a alimentação seja de preferência, exclusivamente com leite materno", conclui. De acordo com a pediatra, casos de alergia ao leite de vaca em lactentes são exceções e precisam ser cuidadosamente avaliados por um especialista.