Por que perdemos o sono diante de acontecimentos importantes?

A noite que antecede um dia que promete ser agitado pode tirar o sono de muita gente. Aguardar o nascer do sol para receber os cumprimentos por um aniversário, lidar com as horas que faltam para a viagem dos sonhos ou passar a madrugada em claro esperando aquele grande acontecimento que está por vir causa tanta ansiedade que pregar os olhos se torna uma tarefa impossível, mas é completamente normal.

Perder o sono diante de sentimentos prazerosos ou de situações que deixam a expectativa lá em cima é comum a todos os seres humanos. Segundo a psicóloga Lyvia Maranhão Gusmão, do Hospital Moriah, em São Paulo, acontecimentos importantes são capazes de aumentar a nossa ansiedade para níveis que testam a nossa capacidade de controle e, muitas vezes, isso acaba refletindo na qualidade do sono. "Para algumas pessoas, trata-se simplesmente de uma tensão adicional, que conseguem resolver com relativa facilidade. Para outras, é um momento de instabilidade que é difícil ultrapassar", diz.

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Quando é preciso atenção

Para Natália Reis Morandi, psicóloga da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, ansiedade e apreensão diante de acontecimentos importantes, planejados ou inesperados, podem aparecer de forma mais acentuada em quem já sofre com o problema. "Normalmente, todas as pessoas apresentam certo grau de ansiedade diante de eventos importantes, porém ansiedade exacerbada pode desencadear um nível de tensão e estresse elevados, gerando alteração de humor, irritabilidade, baixa tolerância à frustração, alteração da produtividade e privação de sono, que pode impactar tanto a saúde física quanto emocional do indivíduo".

Se a situação começa a se repetir por motivos que não são tão grandes assim, é preciso buscar ajuda. Interromper o sono pode acarretar em déficit de memória, vertigem, dor no corpo e dor de cabeça. "Uma noite mal dormida pode interferir no humor e até ser confundida com depressão, e algum médico pode dar o remédio errado, sendo que a pessoa precisava apenas dormir melhor. O impacto de uma noite mal dormida no dia seguinte é imenso", explica Malebranche Carneiro, endocrinologista do Hospital Moriah.

Mas a falta de sono também pode provocar depressão —e vice-versa. Um estudo da Universidade de Michigan (EUA), por exemplo, apontou que a variabilidade diária nos parâmetros do sono gera um risco de desenvolvimento de depressão no futuro. E outra pesquisa, esta publicada no periódico Jama Psychiatry, notou que pessoas com depressão têm um padrão de sono interrompido.

Por que ter sono ruim faz mal

Segundo Luiz Fernando Lobo, coordenador do Departamento do Sono e Apneia do Hospital Santa Paula, também em São Paulo, o corpo tem uma lógica para funcionar e todo o metabolismo trabalha em um ritmo. "Vivemos em um ciclo de 24 horas. O hormônio cortisona, por exemplo, está zerado à meia-noite, e seu nível vai subindo, até que, ao meio-dia, atinge a quantidade que você precisa, e depois começa a cair, até completar o ciclo. Há todo um equilíbrio de liberação de hormônios e estímulos metabólicos que funcionam nessa organização".

Por isso mesmo que, geralmente, precisamos de cerca de oito horas de sono para ter um repouso desse nosso metabolismo. "Se não diminuir o nível de estímulos, ficamos agitados e o sono não terá qualidade. A qualidade do sono é dada à ausência de estímulos. Eu fecho tudo, não tenho som, luz, nenhum estímulo, pois o cérebro tem de repousar. Qualquer estímulo (bom ou ruim) vai levar informação para o cérebro e ele vai responder de alguma maneira. É preciso ter essas horas sem estímulo para repousar", aponta Lobo.

Pandemia aumentou privação

Se mesmo antes da pandemia a ansiedade batia forte e algumas pessoas sequer dormiram aguardando grandes acontecimentos que viriam com o nascer do sol, a situação hoje em dia está muito pior. Uma pesquisa desenvolvida pela ABS (Associação Brasileira do Sono) aponta que em um mundo pré-coronavírus, a dificuldade para adormecer e conciliar o sono afetava 27,6% da população. Hoje, 58,9% parecem sofrer do problema. A insatisfação quanto à duração e à qualidade do sono também aumentou. Antes da pandemia, 44,5% não estavam contentes com o sono que tinham. Hoje, são 72,7% das pessoas. Sem descansar, não há evento importante que aguente o dia seguinte.

"Quando a privação do sono ocorre em longo prazo, de forma contínua e traz limitações em nosso cotidiano, merece nossa atenção, pois acarreta alteração de nossa concentração, memória, atenção e raciocínio", diz Morandi. As pessoas tendem a ficar mais lentificadas, menos produtivas durante o dia, cansadas, com falta de disposição, sonolência diurna e apresentam alteração de humor como irritabilidade, tristeza e ansiedade. Em alguns casos, causa impaciência e imediatismo, o que, consequentemente, também prejudica a saúde física.

Dormir bem é essencial para curtir o dia especial da melhor forma. As boas dicas de sono, segundo Malebranche Carneiro, incluem silêncio e escuridão, principalmente. "O ambiente do quarto tem de ser o mais silencioso possível e com luminosidade ausente, de preferência, especialmente luzes artificiais. Luzes de led, celular e computador são altamente contraprodutivas para o sono, porque diminuem a melatonina [hormônio do sono]", diz. Segundo ele, o sono é uma necessidade, não é uma capacidade, e as pessoas precisam ter a consciência que precisam dormir, assim como precisam comer e tomar banho. "Uma dica legal para você ter uma boa noite de sono é não pensar nos problemas do dia seguinte. Problemas do dia seguinte começam no dia seguinte".

Gusmão sugere ainda realizar uma sequência de rituais ou ações com alto valor simbólico, como técnicas de relaxamento, que têm se mostrado efetivas na melhora do sono e, consequentemente, na diminuição da ansiedade.

Manter uma rotina, indo dormir sempre no mesmo horário, também pode ajudar na qualidade do sono. Além disso, exercícios físicos regulares, meditações, boa alimentação e evitar alimentos gordurosos e atividades estimulantes próximas ao horário de dormir auxiliam no manejo da ansiedade e, consequentemente, propiciam uma boa noite de sono, como aponta Morandi.