Ele descobriu HIV em 2016: 'Tenho uma vida ótima. Sou muito mais que isso'
Desde 2016, Daniel Lima convive com o HIV, o vírus da imunodeficiência adquirida. Iniciou o tratamento depois de alguns meses pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e toma dois comprimidos por dia, preferencialmente pela manhã, depois de ir à academia.
Aos 32, o escritor e supervisor de farmácia não tem nenhum efeito colateral e, hoje em dia, até esquece que tem HIV. "Só lembro que tenho quando vou tomar o remédio ou quando alguém fala alguma bobagem e vou lá discutir", conta.
Depois que recebeu o diagnóstico, Daniel passava boa parte do tempo ajudando outros pacientes. Por isso, criou uma página no Instagram chamada "Positivei'', em que compartilhava ideias, contos, além de relatos de outras pessoas.
Quando publicou o último capítulo de suas histórias, os seguidores ficaram tristes com a decisão, mas o escritor não cortou o contato, ele segue conversando e auxiliando as pessoas que o procuram. Além disso, criou um podcast.
"Mas também sou muito mais do que tudo isso. Trabalho como supervisor em uma farmácia, de domingo a domingo, até 23h. Estou fazendo faculdade, vou à academia e, atualmente, moro em Santa Catarina, e tenho a família em São Paulo. Está tudo certo", diz.
Hoje, enxerga o HIV como um pequeno detalhe em sua vida. "Tenho uma vida ótima e vejo apenas como um detalhe nela. O HIV está mais na cabeça das pessoas do que no meu corpo. Até porque também sou indetectável", explica.
Isso quer dizer que o tratamento medicamentoso está funcionando e, portanto, a pessoa não transmite mais o HIV nas relações sexuais. Ser indetectável significa ser intransmissível. Com isso, é possível evitar que o caso evolua para Aids, que é quando o quadro entra em fase avançada, já com infecções oportunistas, como tuberculose ou neurotoxoplasmose.
"Não parei de comer nada e também não passo vontade. Só não posso beber álcool em excesso", conta. "Saio aos finais de semana, estou solteiro e aproveito todas as coisas da vida. O HIV está na cabeça das pessoas."
Mesmo Daniel sendo alguém bem resolvido com seu diagnóstico, isso não quer dizer que as pessoas devem minimizar a situação. "Não dá para falar que isso 'não é nada' quando alguém resolve se abrir sobre ter HIV. Sei que elas só querem ser legais, mas cuidado para não diminuir. É só oferecer abraço, colo e dizer que a ama. Nem precisa conversar tanto, é só ouvir", diz.
Adesão ao tratamento é ponto essencial
É preciso reforçar que ninguém está romantizando o diagnóstico, mas, diferente do que muitas pessoas ainda pensam, ter HIV e tratá-lo corretamente não impede que esse paciente tenha uma vida normal. Até porque as medicações evoluíram muito com o tempo e, hoje em dia, causam poucos efeitos colaterais comparado com antigamente.
Quem explica essa questão é Ricardo Diaz, professor de infectologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). De acordo com ele, qualquer medicamento pode ter efeitos colaterais. "Tem gente que toma aspirina e passa mal. Mas os medicamentos [contra HIV] hoje são tão modernos que, na grande maioria, não causam efeito nenhum. Essa é uma grande vantagem porque, antes, eles tinham muito efeito colateral", diz.
Antigamente, o paciente também precisava ingerir diversos comprimidos, mas agora é possível encontrar medicamentos com posologias mais "amigáveis", com pouca necessidade de ajuste, segundo Ledívia Nogueira Espinheira, infectologista e professora da Faculdade Unime Lauro de Freitas, na Bahia. "Vivemos uma grande evolução neste aspecto, com o surgimento de novas drogas, com variados graus de eficácia e tolerância", explica.
Para a professora, o problema é que os pacientes chegam, em diferentes regiões do país, em estado avançado, já com a Aids —causando todo um comprometimento na saúde dele e com possíveis sequelas.
Por isso, quanto antes esse paciente procurar ajuda e iniciar o tratamento, melhor. "Se ela demora muito, essa pessoa pode até não sentir, mas o corpo começa a ter muitos prejuízos e degenera-se mais rapidamente, afetando ossos e tecidos", diz o infectologista da Unifesp.
E caso ela demore muito, os medicamentos podem não responder como o esperado e a imunidade pode não voltar ao normal, comprometendo sua expectativa de vida, inclusive. "Entre 10% a 30% dos pacientes não conseguem boa resposta imunológica. Depois de 1 ano até fica indetectável, mas a imunidade não volta. Ela não tem Aids, mas a expectativa de vida fica diminuída", explica Diaz.
Aliás, se este paciente trata precocemente a doença, e os remédios apresentam boa resposta, com a imunidade voltando ao "normal", ela apresenta uma expectativa de vida melhor do que alguém que não tem HIV, segundo o infectologista. "Isso é uma surpresa mesmo, mas é basicamente porque essa pessoa vai ao médico com mais frequência. Com isso, ela tem a oportunidade de descobrir outras comorbidades", diz.
Prevenção e testagem
E, claro, tudo isso tem um impacto muito grande na cadeia de transmissão do HIV. Tratando precocemente o paciente, também é possível evitar que mais pessoas sejam contaminadas. Por isso, uma das formas de prevenir o HIV e, consequentemente, a Aids, é a testagem. Além do uso de camisinha nas relações sexuais.
"Não tenha medo de testar, temos diversos especialistas o dia inteiro nos postos de saúde, além do acesso gratuito ao tratamento. Testar é uma das melhores formas de prevenir", afirma a médica da Bahia.
Espinheira faz mais um alerta importante: com a disponibilização do tratamento efetivo e gratuito, muitas pessoas começaram a se arriscar mais, esquecendo que a infecção pode ser potencialmente fatal. "Isso preocupa muito. Precisamos prevenir com práticas seguras de sexo e a adesão ao tratamento", conclui.
HIV ainda carrega estigma
Embora seja apenas um detalhe na vida dos pacientes, não quer dizer que o diagnóstico esteja livre de estigmas e preconceitos. "É possível, sim, ter essa qualidade de vida, mas o estigma ainda afeta muitos pacientes", explica Diaz.
Segundo um estudo feito no Brasil, entre abril e agosto de 2019, com 1.784 pessoas, a maioria das pessoas que vivem com HIV ou Aids já passou por pelo menos alguma situação de discriminação ao longo de suas vidas.
De acordo com a pesquisa "Índice de estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/Aids - Brasil", 64,1% dos entrevistados já sofreram alguma forma de estigma ou discriminação pelo fato de viverem com HIV ou Aids.
Comentários discriminatórios ou especulativos já afetaram 46,3% deles, enquanto 41% do grupo diz ter sido alvo de comentários feitos por membros da própria família. O levantamento também evidencia que muitas destas pessoas já passaram por outras situações de discriminação, incluindo assédio verbal (25,3%), perda de fonte de renda ou emprego (19,6%) e até mesmo agressões físicas (6%).
Um outro dado preocupante é o de que quase metade dos participantes, ou 47,9% deles, declararam ter sido diagnosticados com algum problema de saúde mental no último ano.
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