Entenda relação entre saúde intestinal e doenças como diabetes e Alzheimer
Durante muito tempo acreditava-se que o único papel do intestino era fazer parte da digestão de alimentos e absorção de alguns nutrientes. Mas isso mudou: é cada vez maior o número de estudos científicos com evidências confiáveis que mostram a importância desse órgão na prevenção de diversas doenças —desde obesidade e problemas no sistema endócrino até quadros neurodegenerativos, como o Alzheimer.
Isso acontece por conta da população de microrganismos que ali vivem, chamada de microbiota intestinal. São mais de três mil espécies responsáveis por uma série de funções, que incluem, além da absorção de nutrientes, a proteção contra bactérias perigosas, a produção de hormônios e neurotransmissores, a modulação do nosso sistema imunológico, entre outras.
E isso começa muito antes de estarmos cientes da importância desses microrganismos nas nossas vidas —mais precisamente no nascimento, quando começa a "colonização" do nosso intestino. Nos partos vaginais, o órgão é ocupado por bactérias provenientes da vagina. Em casos de cesárea, essas bactérias são mais semelhantes às do ambiente hospitalar.
"Outro momento muito importante para essa colonização estaria na amamentação. O aleitamento materno levaria a uma população bacteriana mais fisiológica quando comparado a alimentação por fórmulas", afirma Cláudia Chang, pós-doutora em endocrinologia pela USP (Universidade de São Paulo) e coordenadora da pós-graduação em endocrinologia do ISMD (Instituto Superior de Medicina).
Microbiota, obesidade e diabetes
Mas a função desse ecossistema que vive dentro da nossa barriga pode ir mais além e influenciar o funcionamento do nosso metabolismo. "Há evidências de que as relações entre dieta, inflamação, resistência à insulina e risco de desenvolver problemas cardiovasculares seriam, em parte, mediadas pela composição de bactérias intestinais", explica Chang.
E o quadro de doenças inclui também a obesidade. Em alguns estudos feitos com ratos, por exemplo, os indivíduos (magros) que receberam bactérias do intestino de ratos obesos passaram a ganhar peso mesmo mantendo a dieta que ingeriam previamente. "Isso nos leva a acreditar que um desequilíbrio na composição da microbiota dos ratos obesos poderia predispor ao ganho de peso", afirma a especialista.
Esse desequilíbrio, chamado de disbiose intestinal, provoca um processo inflamatório que tem relação com o desenvolvimento de diabetes, como mostrou um estudo feito por brasileiros e publicado no Journal of Experimental Medicine.
"Um indivíduo obeso tem essa inflamação crônica, o que acaba aumentando a resistência insulínica", afirma Virna da Costa e Silva, nutróloga, mestre em saúde pública e professora da UFC (Universidade Federal do Ceará).
"Além disso, sabemos que existem bactérias que estão mais relacionadas aos indivíduos magros, e outras mais relacionadas aos indivíduos obesos. Essa diferenciação já mostra uma predisposição em quem tem obesidade à síndrome metabólica e diabetes tipo 2", explica.
O papel dos genes
Embora exista o fator ambiental, doenças como obesidade e diabetes também têm a influência do fator genético e podem ser hereditárias. Isso levou alguns especialistas a buscarem entender se existe uma relação entre a nossa genética e a microbiota. A conclusão é que alguns indivíduos de fato são mais sensíveis que outros em relação às bactérias "ruins", chamadas de patogênicas. Mas por que isso acontece?
"Existem genes que atuam na resposta que nosso organismo dá quando em contato com determinadas bactérias", explica Marcelo Sady, pós-doutor em genética pela Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) e diretor geral da Multigene.
"Esses genes vão reconhecer esses micróbios e desencadear uma resposta imunológica para eliminá-los, mas algumas variantes genéticas podem comprometer isso, levando a um processo inflamatório mais intenso", afirma o especialista.
Sady diz ainda que há dois exames que podem identificar essa predisposição: um que analisa o genótipo do indivíduo e o outro que analisa a quantidade de bactérias que povoam a microbiota —sendo elas boas ou não. Com esse mapeamento, é possível checar a presença de variantes genéticas associadas ao risco de doenças, já que existem genes envolvidos na resposta de diversas patologias.
"A interação desses dois testes faz com que seja possível traçar um plano mais assertivo. Eles são usados no auxílio do tratamento do câncer, por exemplo, porque a resposta frente à quimioterapia é influenciada pelo microbioma", diz Sady. "Às vezes não adianta fazer imunoterapias porque a microbiota do indivíduo vai atrapalhar as respostas", afirma.
Ligação entre cérebro e intestino existe
Há algum tempo, cientistas também têm encontrado evidências de que a microbiota pode desempenhar um papel importante na saúde mental, no aparecimento de transtornos mentais como depressão e esquizofrenia.
"Recentemente aprendemos que existe o chamado eixo intestino-cérebro, um caminho de comunicação direta entre o trato gastrointestinal e o nosso sistema nervoso, criando uma ligação neural, endócrino e imune que tem relação, inclusive, com o nosso humor", explica Gabriel Novaes de Rezende Batistella, médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Snola (Society for Neuro-Oncology Latin America).
Esse eixo teria relação, inclusive, com o surgimento de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer. Um estudo realizado por profissionais da Universidade de Genebra, na Suíça, e da Universidade de Nápoles, na Itália, mostrou que um desequilíbrio na microbiota intestinal pode gerar o desenvolvimento de placas amiloides no cérebro, fator de risco para o aparecimento da doença.
Como cuidar da saúde do intestino?
Sim, é bastante clichê, mas os especialistas são unânimes em afirmar que a melhor forma de cuidar da saúde do intestino é por meio da alimentação. Isso porque uma dieta mais natural e menos industrializada possui mais nutrientes e anda será melhor absorvida pelo organismo.
"Já os ultraprocessados contam com corante, açúcar e farinhas, o que causa uma fermentação e são nocivos para a microbiota", diz Edvânia Soares, nutricionista da clínica Estima Nutrição, pós-graduada em nutrição clínica e vigilância sanitária pela UnG (Universidade de Guarulhos). "Costumamos dizer que o intestino é o nosso segundo cérebro: quanto mais você absorve, melhor ele vai funcionar", afirma.
No geral, a recomendação é ingerir pelo menos três frutas por dia, duas porções de fibras e duas porções de legumes. A água também é fundamental nesse processo: o ideal, diz a especialista, é tomar 40 ml para cada 1 kg corporal. Entre os alimentos considerados "amigos do intestino" estão a aveia, o grão-de-bico, as castanhas, o mamão, a banana e a pera, que são especialmente ricos em fibras e ajudam no bom funcionamento do órgão.
Os probióticos também são grandes aliados na saúde do intestino e estão cada vez mais populares, presentes nas prateleiras dos supermercados em iogurtes, leites fermentados e chás. Mas Costa e Silva alerta para a importância de ter a orientação de um profissional na hora de fazer essas escolhas alimentares.
"Os probióticos podem ser usados, mas de forma individualizada", explica. "Nem todo probiótico serve para qualquer pessoa e, às vezes, usando por conta própria, pode-se piorar a saúde intestinal, ficando com a digestão mais lenta e até com excesso de gases", afirma a especialista.
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