Digoxina trata doenças cardíacas, e dose terapêutica é próxima da tóxica
Resumo da notícia
- A digoxina é um medicamento classificado como glicosídio cardíaco ou digitálico
- Ela é indicada no tratamento da insuficiência cardíaca e arritmias, como a fibrilação atrial
- O efeito adverso temido é um tipo de arritmia: o bloqueio da condução elétrica no coração
- A medicação não reduz a mortalidade, mas continua sendo útil na redução de hospitalizações
A digoxina é utilizada desde a década de 1950 para tratar doenças do coração como insuficiência cardíaca e arritmias.
O que é digoxina?
Trata-se de um fármaco desenvolvido a partir de uma planta, a Digitalis lanata, conhecida por aqui como dedaleira. Ele é classificado como um glicosídeo cardiotônico (cardíaco), e também é chamado de digitálico.
Dadas as suas características, a digoxina só pode ser utilizada sob prescrição médica.
Em quais situações esse medicamento deve ser usado?
Este fármaco é utilizado há mais de 50 anos e seus efeitos são bastante conhecidos. Contudo, é importante que você faça o uso racional desse remédio, ou seja, utilize-o de forma apropriada, na dose certa e por tempo adequado.
A medicação pode ser indicada nas seguintes situações:
- Insuficiência cardíaca (e seus sintomas associados)
- Arritmias (como a fibrilação atrial)
Dado o tempo transcorrido desde a sua aprovação pelas autoridades sanitárias, outros fármacos com melhor perfil de segurança e menores efeitos colaterais surgiram, mas a digoxina ainda é utilizada na prática clínica, especialmente entre pessoas com insuficiência cardíaca que fazem uso de vários remédios ao mesmo tempo (polifarmácia).
A literatura também fala dela como um medicamento de reserva que pode ser utilizado quando os medicamentos de primeira linha não trazem a resposta esperada para o paciente. Outra possível indicação seria no tratamento da taquiarritmia supraventricular fetal, com doses reduzidas para proteção da gestante, mas esses eventos são raros.
Entenda como ela funciona
Flavio da Silva Emery, professor associado da USP de Ribeirão Preto, explica que quando a digoxina é administrada por via oral, ela é absorvida no intestino delgado, alcança sua concentração máxima no sangue em até 1 hora, é bem distribuída pelo corpo e seus efeitos já são esperados no período de 30 minutos a 1 hora. Após efetuar sua ação ela é eliminada em grande parte pela urina.
Uma vez em circulação, o fármaco promove o aumento das contrações do coração porque é capaz de alterar o movimento de íons nele presentes. Esse processo ocorre por meio da inibição da bomba de sódio-potássio ATPase (Na+/K+ATPase), que eleva a entrada de cálcio, e perturba os níveis de sódio e potássio.
"Outro efeito indireto promovido pela digoxina é reduzir a frequência cardíaca e a resposta ventricular, porque ela também afeta o nosso sistema nervoso autônomo", completa Emery.
Riscos do uso prolongado
Os especialistas esclarecem que o uso crônico desse medicamento aumenta o risco de intoxicação. Para prevenir esse efeito entre os que se beneficiam de seu uso, é essencial o monitoramento médico continuado para controle da dosagem.
Conheça as apresentações disponíveis
Digoxina Glaxo® é a marca de referência da digoxina, mas você pode encontrar as versões genéricas e alguns similares intercambiáveis. O medicamento consta da Rename 2020 (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) e pode ser obtido por meio do SUS (Sistema Único de Saúde), bastando apresentar a receita médica para ter acesso a ele.
Confira as apresentações e doses disponíveis:
- Comprimido 0,25 mg
- Elixir 0,05 mg
Quais são as vantagens e desvantagens desse medicamento?
O cardiologista Francisco Maia, professor adjunto de cardiologia da Escola de Medicina da PUC-PR diz que a digoxina é um dos medicamentos mais antigos da cardiologia ainda em uso e consta das diretrizes internacionais para o tratamento de doenças do coração.
"Embora já saibamos que ela não reduz a mortalidade, ela continua sendo útil na redução de hospitalizações", fala o médico.
Na opinião de Maia, a desvantagem é que o fármaco deve ser administrado com muito cuidado porque a margem terapêutica, ou seja, a relação entre a dose tóxica e a dose que serve para tratar o paciente são muito próximas, o que requer cuidadoso acompanhamento médico por meio da avaliação dos níveis do medicamento no sangue (níveis séricos).
Saiba quais são as contraindicações
O medicamento não pode ser usado por pessoas que sejam alérgicas (ou tenham conhecimento de que alguém da família tenham tido reação semelhante) ao seu princípio ativo ou a qualquer outro componente de sua fórmula.
Fique também atento na presença das seguintes condições:
- Gravidez
- Amamentação
- Doenças da tireoide ou rins
- Câncer
- Ter idade superior a 65 anos
- Infarto agudo do miocárdio
- Fibrilação ventricular
- Miocardite
- Hipocalemia (níveis baixos de potássio)
- Hipomagnesemia (níveis baixos de magnésio)
- Síndrome de Wolff-Parkinson-White
- Uso de máquinas, automóveis, atividades perigosas
Crianças e idosos podem usá-lo?
Sim, mas as doses devem ser proporcionais ao peso e idades dos pacientes, e ainda estes devem ser monitorados continuamente para controle de manifestações de toxicidade e outros eventos adversos.
Entre os idosos é preciso estar atento à queda de níveis de potássio (hipocalemia) e alterações renais, estas mais frequentes nesse grupo.
Estou grávida e pretendo amamentar. Posso usar digoxina?
Sim, desde que seu médico tenha avaliado a relação de risco/benefício do uso desse medicamento. Cabe a ele orientá-la. Caso já esteja fazendo uso desse medicamento e descubra que está grávida, informe o profissional da saúde o mais rápido possível.
Qual é a melhor forma de consumi-lo?
Os especialistas informam que não existe indicação especial quanto às refeições, exceção feita a pessoas com dietas ricas em fibras ou alimentos/suplementos ricos em cálcio. Nesse caso, a recomendação é tomar a digoxina 1 hora antes ou 2 horas após a refeição.
Lembre-se: a regra geral é que todos os medicamentos sejam tomados com água e no mesmo horário todos os dias, nos quadros em que a administração deve ser diária.
Existe uma melhor hora do dia para usar esse medicamento?
Não. O importante é que a digoxina seja administrada na forma indicada pelo médico ou farmacêutico. Evite a automedicação e a alteração de doses por conta própria.
O que faço quando esquecer de tomar o remédio?
Tome-o assim que lembrar e reinicie o esquema de uso do medicamento. É desaconselhado tomar doses em dobro de uma vez para compensar a dose que foi esquecida. Se você sempre se esquece de tomar seus remédios, use algum tipo de alarme para lembrar-se.
Quais são os possíveis efeitos colaterais?
Este medicamento é considerado bem tolerado, seguro e eficaz quando usado em doses adequadas e sob orientação e monitoramento médica ou farmacêutica. Apesar disso, os efeitos colaterais mais comuns são:
- Sonolência
- Náusea
- Vômito
- Perda de peso
- Problemas na visão (visão turva)
- Mudanças na frequência dos batimentos cardíacos
Algumas pessoas poderão observar algumas das seguintes manifestações:
- Manchas vermelhas na pele
- Dor de cabeça
- Fraqueza
- Visão amarelada
François Noël, professor titular de farmacologia da UFRJ, acrescenta que o efeito adverso mais temido da digoxina é um tipo de arritmia cardíaca chamada de bloqueio da condução elétrica no coração (bloqueio atrioventricular) que, segundo ele, pode ser letal.
"Outras arritmias cardíacas como bradicardia e fibrilação atrial são efeitos adversos menos graves que indicam haver sobredosagem e é necessário ajuste posológico [de doses]", completa o professor.
Interações medicamentosas
Algumas medicações não combinam com a digoxina. E quando isso acontece, elas podem alterar ou reduzir seu efeito. Avise o médico, o farmacêutico ou dentista, caso esteja fazendo uso (ou tenha feito uso recentemente) das substâncias abaixo descritas, que são apenas alguns exemplos dessas possíveis interações. Confira:
- Antifúngicos (cetoconazol)
- Alguns antibióticos (rifampicina)
- Outros antiarrítmicos (dronedarona, quinidina)
- Diuréticos (hidroclorotiazida, furosemida)
- Antiácidos (hidróxido de alumínio)
- Suplemento de cálcio
- Corticosteroides (prednisona)
- Hormônios tireoidanos (levotiroxina)
Embora não existam muitos dados na literatura médica sobre interação com fitoterápicos, sabe-se que a digoxina interage com o Hipérico (Erva de São João). Caso faça uso de algum outro tipo deles, informe ao médico ou ao farmacêutico antes de iniciar o tratamento com a digoxina.
Interação com alimentos e álcool
Na maioria das vezes, pessoas que fazem uso de digoxina são orientadas a adotar dieta pobre em sódio (sal) e fazem suplementação de potássio. Antes de iniciar o uso da digoxina, informe-se com o médico ou farmacêutico sobre as melhores formas de colaborar com o tratamento.
O fabricante sugere evitar o consumo de fibras, pois elas poderiam reduzir a absorção do fármaco. Nesses casos, recomenda-se tomar a digoxina 1 hora antes ou 2 h após a refeição.
Evite tomar chá de cáscara sagrada (ou qualquer outro tipo de laxante), que promovem a perda de íon-potássio e resultaria no aumento dos efeitos da digoxina.
E lembre-se, o uso do álcool pode aumentar o efeito de sonolência do medicamento.
Interação com exames laboratoriais
Dados os efeitos da digoxina, ela pode gerar resultados falso-positivos no eletrocardiograma. Antes de se submeter a qualquer exame laboratorial informe sempre ao médico ou ao pessoal do laboratório sobre todos os medicamentos que você usa regularmente.
Em casa, coloque em prática as seguintes dicas:
- Observe a validade do medicamento indicado no cartucho. Lembre-se: após a abertura, alguns fármacos têm tempo de validade menor, o que também é influenciado pela forma como você o armazena;
- Leia atentamente a bula ou as instruções de consumo do medicamento;
- Ingira os comprimidos inteiros. Evite esmagá-los ou cortá-los ao meio --eles podem ferir sua boca ou garganta;
- Em caso de cápsulas, não as abra para colocar o conteúdo em água, alimentos ou mesmo para descartar. Sempre use a cápsula íntegra;
- No caso de suspensões orais, agite bem o frasco antes de usar. E sempre limpe o copo dosador antes e após o uso. E armazene junto ao frasco do medicamento, para evitar misturar com outros medicamentos;
- Prefira comprar remédios nas doses justas para o uso indicado para evitar sobras;
- Respeite o limite da dosagem diária indicada na bula;
- Escolha um local protegido da luz e da umidade para armazenamento. Cozinhas e banheiros não são a melhor opção. A temperatura ambiente deve estar entre 15°C e 30°C;
- Guarde seus remédios em compartimentos altos. A ideia é dificultar o acesso às crianças;
- Procure saber quais locais próximos da sua casa aceitam o descarte de remédios. Algumas farmácias e indústrias farmacêuticas já têm projetos de coleta;
- Evite descarte no lixo caseiro ou no vaso sanitário. Frascos vazios de vidro e plástico, bem como caixas e cartelas vazias podem ir para a reciclagem comum.
O Ministério da Saúde mantém uma cartilha (em pdf) para o Uso Racional de Medicamentos, mas você pode complementar a leitura com a Cartilha do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos - Fiocruz) (em pdf) ou do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (também em pdf). Quanto mais você se educa em saúde, menos riscos você corre.
Fontes: Flavio da Silva Emery, professor associado da FCFRP-USP (Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), atual coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas e membro da comissão de divulgação científica da mesma instituição e do sub-comitê de Drug Discovery and Development da IUPAC (sigla em inglês para União Internacional de Química Pura e Aplicada); Francisco Maia, professor adjunto de cardiologia da Escola de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), preceptor da residência de cardiologia e chefe do Serviço de Cardiologia da Santa Casa de Curitiba, presidente da Citec (Comissão Nacional de Julgamento de Título de Especialista em Cardiologia) da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), fellow ACC (American College of Cardiology) e da ESC (European Society of Cardiology); François Noël, professor titular de farmacologia do ICB-UFRJ (Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Revisão técnica: Flavio da Silva Emery.
Referências: Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária); David MNV, Shetty M. Digoxin. [Atualizado em 2021 Jul 18]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK556025/.
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