Jejum de dopamina: abdicar do prazer em prol da produtividade faz sentido?
Que tal ficar sem álcool, chocolate, sexo, música, redes sociais, falar com amigos e outros estímulos externos que dão prazer em prol do aumento do foco e da produtividade? Essa prática, apelidada de "jejum de dopamina", surgiu no Vale do Silício, região dos Estados Unidos conhecida por ser polo mundial de desenvolvimento de tecnologia e de onde surgem algumas tendências de saúde excêntricas, geralmente ligadas a um melhor desempenho no trabalho.
Segundo os defensores do método, evitar atividades prazerosas ou agradáveis ajudaria a melhorar o funcionamento do cérebro. Eles acreditam que o ser humano perde muito tempo com coisas improdutivas e isso acontece porque o cérebro estaria caçando doses cada vez mais altas de dopamina, um neurotransmissor relacionado ao bem-estar e à recompensa. Se uma vez seu cérebro liberou dopamina depois que você recebeu uma notificação no celular, por exemplo, ele buscaria esse prazer novamente de maneira incessante.
Abrir mão de tudo que libera dopamina seria, portanto, uma forma de regular esse "vício" e retomar controle de como gastamos nosso tempo. Isso faz sentido?
Para começar, primeiro é preciso entender o que é dopamina e qual o seu papel no nosso organismo. "A dopamina é uma substância química produzida por neurônios, liberada nas sinapses e responsável pela comunicação entre dois neurônios", afirma o neurocientista Claudio Queiroz, professor do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte). O cérebro precisa dela para várias tarefas relacionadas à memória, à motivação, à recompensa, ao aprendizado, à atenção, aos estados de alerta. Além disso, ela atua controlando o sistema motor, e a sua deficiência pode afetar os movimentos, como é o caso de pacientes com doença de Parkinson, que vivem "privados" de dopamina.
O especialista explica que o cérebro não sai "caçando dopamina", pois ele é um órgão de um organismo. "Portanto, ele não tem intenção, vontade, desejo. Quem "vai atrás" de experiências e estímulos é o organismo", diz. Queiroz também ressalta que a produção e utilização da dopamina não estão sob controle voluntário e, assim, não podemos fazer "jejum" dela (como podemos fazer, por exemplo, com a ingestão de comida).
Lívia Ciacci, neurocientista do método Supera - Ginástica Para o Cérebro, alerta que a atração causada com as modas que vêm do Vale do Silício pode contribuir para deixar as pessoas mais propensas a acreditarem em promessas de resultados rápidos, mesmo que não haja qualquer comprovação científica. "É nocivo para a sociedade esse tipo de moda, primeiro porque espalha conceitos errados sobre a biologia do corpo, e depois porque quem acaba acreditando pode levar isso muito a sério e passar a se privar de comportamentos que são saudáveis —como socializar com os amigos— em prol de uma ilusão", enfatiza.
Como focar
Ainda que não tenha relação com a dopamina, o argumento de que é preciso reduzir a hiperestimulação causada pelo uso excessivo de redes sociais, álcool e açúcar é algo positivo. "Reduzir tempo de tela e evitar estar envolvido em muitas tarefas simultâneas é importante e tem muito a ver com a qualidade dos momentos de descanso e com a higiene do sono para manter cérebro e corpo saudáveis", afirma a neurocientista do Supera. "Monitorar os comportamentos repetitivos que vão se tornando viciantes tem a ver com exercer nossa habilidade de controle inibitório e escolher o que é melhor para o momento de acordo com nossos objetivos", completa.
Na opinião de Elisa Kozasa, pesquisadora do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, se diminuímos as distrações, conseguimos estar mais focados, e não há nenhuma surpresa nisso. Também não é nova a ideia de que períodos de meditação ou até mesmo de retiros mais prolongados sem estimulações intensas são eficazes no aumento da produtividade.
"Para a saúde mental, é mais válido criar uma rotina de bons hábitos mentais, aprendendo a controlar o consumo de estímulos excessivos, em especial na hora de dormir. Ter contato regularmente com a natureza, fazer atividade física, aprender a relaxar e fazer pausas durante o dia são algumas sugestões melhores que um "detox" eventual", afirma Kozasa.
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