Dormir com a luz acesa é nocivo para o organismo?
Algumas pessoas não conseguem dormir em um ambiente totalmente escuro, já outras se sentem desconfortáveis com qualquer intensidade de luz. Fatores emocionais como o estresse e o uso de determinados medicamentos podem desencadear distúrbios do sono —insônia, apneia, sonambulismo etc—, mas a exposição à luminosidade também pode ser prejudicial.
O dia foi cansativo e o sono chegou. Você entra no quarto, apaga a luz, mas logo desiste. Liga a televisão, visita as redes sociais e horas se passam. Vai ao banheiro e resolve deixar a luz do corredor acesa. O processo se repete até que o despertador toca. Hora de se levantar para trabalhar. Essa é a realidade de muitas pessoas que se mantêm ativas no trabalho, mas não conseguem se desconectar das atividades no horário de descanso.
"Isso pode acontecer por vários fatores, mas é mais comum que a dificuldade para dormir seja causada por distúrbios de sono já existentes e o uso de aparelhos eletrônicos à noite. Fatores psicológicos como ansiedade e depressão também interferem. No caso do idoso acamado ou com dificuldade de mobilidade, existe um agravante porque o hábito de deixá-lo em um quarto escuro durante o dia pode afetar o ciclo circadiano", explica Franco Martins, médico pneumologista e especialista em medicina do sono do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo (SP).
Segundo o psiquiatra Marcelo Paoli, supervisor do ambulatório de neuropsiquiatria geriátrica e do programa de ativação comportamental da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o primeiro passo é avaliar o motivo pelo qual o paciente não consegue dormir com a luz apagada para saber se é necessário fazer uso de medicamentos controlados, o que não significa que a condição seja grave.
É bom ter em mente que o horário em que o paciente toma algum medicamento pode afetar a qualidade do sono em vista do pico de ação farmacológica e é importante verificar a interação com remédios para outras condições. Geralmente um simples ajuste é o suficiente para reequilibrar o organismo.
A avaliação médica é importante para que se possa solicitar exames, analisar a polifarmácia (uso contínuo de vários medicamentos) e verificar a possibilidade de outros tipos de terapia.
Influência da luz
Qualquer tipo de luminosidade, som ou movimento pode interferir na qualidade do sono, mas dormir com uma luz de intensidade baixa de forma indireta, ou seja, sem iluminar totalmente o quarto e nem estar próxima ao rosto, não causa prejuízo fisiológico ao organismo.
Para se ter a capacidade de inibir a produção da melatonina, hormônio responsável por regular o sono e proteger o organismo de determinadas doenças, é necessário uma exposição significativa. A luz branca, presente nos cômodos, tende a deixar o corpo em vigília, mas a luz azul, emitida por aparelhos eletrônicos (celular, TV e notebook, por exemplo), é a mais nociva, porque é a mais intensa e geralmente está mais próxima ao rosto, causando o aumento de radicais livres e processos inflamatórios.
A temperatura da luz também influencia na percepção se é noite ou dia, o que altera a liberação e redução de substâncias importantes ao funcionamento do corpo. A luz amarela, considerada mais quente, gera maior conforto para o descanso e as coloridas têm sido utilizadas na cromoterapia, prática incluída no SUS (Sistema Único de Saúde).
Luz embutida no rodapé incidindo no chão, luzes de emergência e luz amarela indireta podem proporcionar maior segurança ao idoso.
O que mais influencia no sono?
Pessoas com experiências negativas noturnas e transtornos psicológicos podem ter mais dificuldade de relaxamento. Ansiedade e depressão podem se apresentar em forma de sonolência excessiva e insônia comórbida. Então, podem ter dificuldade para iniciar o sono, dormir além do necessário ou acordar mais cedo do que o esperado de forma espontânea. Estresse, burnout e TDAH também interferem na qualidade do descanso.
Sentir a necessidade de ficar conectado no celular durante a madrugada é outro fator preocupante e aumenta o risco de sedentarismo, obesidade e, consequentemente, de desenvolver apneia, que é a evolução do ronco, quando a respiração diminui a quantidade de oxigênio provocando a liberação de substâncias nocivas ao organismo. Em casos como esse, é necessário o uso de CPAP (Continuous Positive Airway Pressure), um compressor de ar que ajuda na respiração, mas não há política pública para fornecimento de forma gratuita.
O conteúdo de filmes, vídeos, jornais e redes sociais podem liberar adrenalina e cortisol, substâncias que devem estar ativas somente durante o dia em momentos de estresse, alerta e fuga e, se liberadas à noite, seja de forma comportamental ou medicamentosa, podem ser mais prejudiciais do que a iluminação. Após desligar os aparelhos, a substância ainda se mantém por algum tempo em circulação.
Complicações da covid-19
Pessoas que tiveram covid-19 podem desenvolver dificuldades no sono tanto por mudança de rotina quanto por sequelas neurológicas ou musculares. Após a alta do hospital, algumas pessoas necessitam de auxílio médico para readaptar o relógio biológico, em vista da luminosidade e dos despertares noturnos.
A maioria dos casos de pessoas que apresentaram sonolência diurna e insônia pós-covid já tinham algum distúrbio do sono em alguma época da vida e a covid-19 intensificou. O cansaço prolongado está associado à perda muscular, e não somente à porcentagem do pulmão comprometido.
Quando dormimos, os músculos do corpo entram em atonia, que é o grande relaxamento da musculatura, incluindo a respiratória. Em pessoas saudáveis, é o suficiente para respirar adequadamente, mas quando o músculo apresenta fragilidade pós-covid, não consegue suprir essa necessidade e ficam predispostas a desenvolverem distúrbios como a hipóxia, baixa concentração de oxigênio nos tecidos.
Higiene do sono
Para dormir de forma adequada é indicado adquirir novos hábitos com uma série de técnicas conhecidas como higiene do sono, que consistem em se expor à luz natural durante o dia, se distanciar de aparelhos eletrônicos duas horas antes de dormir, não fazer uso de substâncias estimulantes que contenham cafeína depois das 19 horas, usar a cama apenas para dormir e ter relações sexuais e, portanto, não utilizá-la para trabalho, alimentação e lazer, como assistir à televisão.
Ler um livro ajuda, mas somente sentado em uma cadeira e com o auxílio de um abajur, porque não reflete luz direta no rosto. Entretanto, é preciso atenção ao conteúdo para que, aos poucos, o organismo volte a entender que durante o dia deve estar ativo e à noite em descanso.
Fontes: Franco Martins, médico pneumologista, especialista em medicina do sono do Hospital Oswaldo Cruz (SP), e medical affairs na indústria farmacêutica GSK (GlaxoSmithKline); Rodolfo Augusto Bacelar, médico pneumologista, especialista em medicina do sono e presidente da Associação Brasileira do Sono em João Pessoa (PB); Marcelo Paoli, médico psiquiatra, especialista em geriatria, supervisor do ambulatório de neuropsiquiatria geriátrica e do programa de ativação comportamental da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo); e Rosa Hasan, médica neurologista, especialista em medicina do sono, pesquisadora e coordenadora do Asono (Ambulatório do Sono) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
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