Dieta flexitariana: conheça tipo de 'vegetarianismo' que aceita carne
Não foi por acaso que as pesquisas no Google pelo termo "vegano" cresceram 300% no Brasil desde 2016. Da carne ao sapato de couro, o abandono de qualquer produto animal vem ganhando cada vez mais adeptos nos últimos anos. Unindo a busca por um planeta sustentável a uma alimentação mais leve, outros padrões de consumo também se fortalecem. É o caso do vegetarianismo estrito (que exclui do cardápio os alimentos de origem animal) e o ovolactovegetarianismo (que corta a carne, mas abarca ovos, leite e laticínios).
Mas e se, em vez de abrir mão da proteína animal, as pessoas apenas reduzissem a ingestão, ao menos para começar? Essa é a proposta do flexitarianismo, uma espécie de vegetarianismo flexível.
Não existe um padrão de consumo de proteína animal para definir o que é ou não um flexitariano, explica a nutricionista Alessandra Luglio, da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira). Se a pessoa se alimenta majoritariamente de fontes vegetais, mas consome carne duas ou três vezes por semana, já entra na categoria.
Como surgiu a proposta?
A ideia nasceu nos anos 1990. Em 1998, o dicionário de Oxford já incluiu o termo entre seus verbetes. Obras como o best-seller The Flexitarian Diet (Dieta Vegetariana Flexível), da nutricionista estadunidense Dawn Jackson Blatner, ajudaram a disseminar o conceito.
Mas foi nas duas últimas décadas que ele atingiu seu boom, por meio de campanhas globais como a Segunda Sem Carne, que prevê a exclusão da proteína animal no primeiro dia útil da semana. O aumento de campanhas publicitárias de produtos plant based é outro fator que endossa o movimento.
Também chamado de semivegetarianismo ou reducitarianismo, esse estilo de vida não tem uma comunidade consolidada como a dos vegetarianos. Ainda assim, os adeptos partilham valores como alimentação saudável, libertação animal e sustentabilidade.
Segundo Luglio, a produção de proteína animal em larga escala que vigora no planeta é cara, violenta com os bichos e não se sustentará por muito tempo sob atuais moldes, já que nossos recursos naturais são limitados. "Para produzir um quilo de carne bovina são necessários por volta de 15 mil litros de água", exemplifica.
É por isso que o próprio setor agrícola tem investido na produção de alternativas à carne. E a polêmica se reflete no prato das pessoas: um estudo realizado pela Ingredion, empresa especializada no refino de milho, mostrou que mais de um terço dos latino-americanos se reconhecem em modelos como o veganismo, o vegetarianismo e o flexitarianismo.
Outro estudo, da Sainsburys, uma rede de supermercados britânica, prevê que, em 2025, metade da população do Reino Unido será flexitariana.
Mas e a saúde?
Para entender os ganhos de quem adere à dieta flexitariana, é bom saber que a proteína (presente em carnes, ovos e laticínios) é um dos três macronutrientes fundamentais para nossa sobrevivência. Ao lado do carboidrato e da gordura, esse componente ajuda a garantir o funcionamento do corpo.
Além disso, nos alimentos de origem animal, é possível encontrar micronutrientes importantes, como vitamina b12, cálcio e zinco, explica a nutricionista e pesquisadora Helena Previato, doutora em alimentos e nutrição pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
O problema é que, com a industrialização e a produção massiva de proteína animal iniciada no último século, a carne, os ovos, o leite e seus derivados se tornaram protagonistas no prato ocidental, fazendo com que outros alimentos nutritivos, como as frutas, os legumes e as verduras, ficassem em segundo plano, argumenta Luglio.
Para se ter uma ideia, a OMS (Organização Mundial da Saúde) orienta que se consuma até 500 g de carne por semana. "A população brasileira come três vezes mais do que isso", diz Previato.
Outro ponto negativo é o alto teor de gorduras saturadas presentes na maioria dos produtos, principalmente em determinados cortes de carne vermelha, como a costela. Somam-se a isso a ausência de fibras, que ajudam na digestão, e de antioxidantes, que protegem as células humanas dos radicais livres produzidos pelo corpo. Dessa forma, documentos que são referências globais em nutrição, como o Guia Alimentar para Americanos, associam um menor consumo de proteína animal a uma saúde mais plena, de acordo com Luglio.
Como aderir à dieta flexitariana?
Se precisamos das proteínas, como é possível reduzir os alimentos de origem animal no dia a dia? É aí que entram as proteínas vegetais: comidas como feijão, soja e lentilha fornecem uma boa base proteica acompanhada de fibras, antioxidantes, além de não terem gorduras saturadas.
O resultado dessa troca, portanto, é um menor risco de doenças cardiovasculares, controle da obesidade e a prevenção de condições como o câncer no intestino, explica a nutricionista Fabiana Fontes, da Clínica Reviva, de Fortaleza (CE).
Quer dizer então que reduzir o consumo de proteína animal não tem contraindicações? Calma, não é bem assim. Primeiramente porque não adianta deixar a carne de lado e errar nas substituições. Na hora do churrasco, trocar o espetinho por porções generosas de pão de alho, por exemplo, só vai enchê-lo de carboidratos desnecessários e levar ao ganho de peso. Então busque novas fontes proteicas vindas da natureza. Aproveite essa fase para conhecer ao máximo os alimentos.
Além disso, não queira trocar tudo por seu correspondente vegetal industrializado: carne de vaca por carne de soja, leite de vaca por leite de soja. Isso porque o mercado oferece muitas opções processadas (o que não é lá muito saudável) e você perde um tempo que poderia investir conhecendo alimentos in natura (altamente indicados pelo Guia Alimentar para a População Brasileira).
Por fim, é preciso colocar na balança o que existe na proteína animal que a vegetal não fornece na mesma medida, alerta o nutricionista Thiago Onofre, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Um exemplo é o ferro, que, quando oriundo dos vegetais, é mais difícil de ser absorvido pelo organismo. Mudar de repente a própria dieta, sem o acompanhamento de um profissional, pode levar à deficiência desse nutriente, chegando a causar fraqueza, problemas de memória e até anemia, complementa Fontes.
Portanto, a decisão de se tornar flexitariano, embora bem intencionada, precisa ser feita com o auxílio de um nutricionista, que vai avaliar a condição de cada paciente, quais nutrientes precisam ser repostos e a melhor opção para substituir a proteína animal cortada. "Todo cuidado é pouco. Então, não tente fazer isso sozinho", conclui o professor.
Fontes: Alessandra Luglio, chefe da área de nutrição da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira); Fabiana Fontes, nutricionista da Clínica Reviva de Nutrição, de Fortaleza, no Ceará; Helena Previato, nutricionista e pesquisadora na área de comportamento alimentar, doutora em alimentos e nutrição pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); Thiago Onofre, nutricionista, especialista em nutrição esportiva, mestre em biologia funcional e molecular, doutor em medicina e saúde e professor da escola de nutrição da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
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