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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Reposição hormonal pode ser indicada para homens trans e cis; saiba mais

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Patricia Bellas

Colaboração para VivaBem

15/03/2022 04h00Atualizada em 15/03/2022 14h03

Cansaço, falta de libido, ausência de pelos e timbre da voz são os principais motivos pelos quais homens cis e trans procuram por reposição hormonal na tentativa de recuperar a virilidade, conjunto de particularidades físicas e sexuais, como força, energia e potência.

Enquanto para algumas mulheres os seios representam o aspecto feminino, sensual e materno, para os homens, a presença de barba e a voz grave expressam masculinidade, mas o uso de testosterona só deve ser feito em casos específicos e sob orientação médica.

De acordo com os dicionários, entende-se como "homem" a pessoa do sexo ou gênero masculino, sendo que "sexo" se refere às características biológicas e "gênero" ao papel social. Homem "cis" ou cisgênero nasce com o órgão sexual masculino e se identifica com o gênero que nasceu. Homem transgênero nasce com o órgão sexual feminino, mas se reconhece com o gênero masculino e homem transexual é quando o transgênero opta por fazer a transição de gênero. Embora as nomenclaturas sejam diferentes, o sentimento de pertencimento é o mesmo, assim como o pronome pessoal.

É ele!

Daniel Almeida, homem transgênero - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Daniel Almeida, homem transgênero
Imagem: Arquivo pessoal

Daniel Almeida, 38, se reconheceu menino aos três anos de idade, encarando as roupas com desconforto. "Quando vim ao mundo, ficou registrado que nasci menina e isso trouxe uma série de conceitos, expectativas sociais e interpretações acerca de minhas características biológicas. Na minha compreensão, estavam cometendo uma injustiça contra mim, porque a minha essência era reiteradamente negada, especialmente quando usavam o pronome feminino", lembra.

"Vestido, lacinho e calcinha por cima da fralda são acessórios que falam muito sobre o que se espera da criança. A pessoa trans vai ter dificuldade de atender a essas expectativas porque, ao se olhar no espelho, não tem o corpo com o qual se identifica nem os gostos que determinam para si. O importante é respeitar as opções da criança e deixar o diálogo aberto para quando levantarem essas questões", explica Arlene Lima, psicóloga no Sertrans (Serviço Ambulatorial Transdisciplinar para Pessoas Transgênero).

Bloqueio puberal

Segundo o Ministério da Saúde, a puberdade acontece entre 8 e 16 anos. É uma fase delicada na vida de qualquer adolescente porque é um momento de mudanças físicas, psicológicas e sociais, de transição entre a infância e a fase adulta.

O aumento na produção de hormônios sexuais desenvolve características como o aparecimento de seios e ciclo menstrual em meninas, e aumento de testículos e primeiras ereções em meninos. Traços de personalidade também começam a definir como pretendem se expressar e se apresentar para a sociedade.

"Na adolescência, eu usava cabelos curtos, deixava os pelos nos braços e nas pernas e amarrava as mamas com faixas, em combinação com vestimentas masculinas. Nas ocasiões em que precisava realizar interações, me apresentava como 'Daniel', pois esse seria o nome escolhido pelo meu pai se eu nascesse biologicamente homem. O mais difícil era entender como viver com o meu corpo sem querer provocar uma mutilação. Considerava que fosse sofrer de infelicidade pelo resto dos meus dias. Definitivamente, não era mulher. Porém, também não havia nascido anatomicamente homem. Era um sacrifício enorme fazer até a mais simples higienização. Algumas tentativas de cortar parte de meus genitais foram feitas, mas parava por não ter nada que pudesse anestesiar a dor", desabafa Almeida.

O convívio escolar evidencia as diferenças e provoca alta evasão quando o uniforme e a estrutura não são inclusivos, o nome social não é respeitado e as crianças cis cometem bullying.

"Pessoas trans têm dificuldades de ir ao banheiro, porque não podem ir ao feminino nem ao masculino por serem violentadas. Eu atendo uma pessoa que perdeu o rim por apresentar infecção urinária de repetição, porque só ia ao banheiro em casa", explica a psicóloga.

Endocrinologistas explicam que o bloqueio puberal, que impede que os caracteres sexuais de nascença se desenvolvam, é a única opção nessa idade, mas precisa de indicação médica, autorização dos pais, acompanhamento psicológico e fazer parte de um protocolo de pesquisa.

Em alguns casos, o psiquiatra atua com o psicoterapeuta para avaliar condições de saúde que possam impactar na decisão, como transtornos psicológicos, mas sem interferir na identidade de gênero que é categorizada como autodeterminada pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia).

A hormonioterapia, também chamada de tratamento hormonal cruzado ou reposição hormonal, pode ser realizada a partir dos 16 anos e a cirurgia transgênero a partir dos 18 anos, ambos com indicação de uma equipe multidisciplinar.

Reposição hormonal

O uso do suplemento de testosterona só é recomendado se houver um diagnóstico médico - Thinkstock - Thinkstock
Imagem: Thinkstock

Para homens trans, nascidos em um corpo de mulher, que possui dez vezes menos testosterona do que o de um homem, repor a quantidade de hormônio masculino representa a dignidade de encontrarem em seus reflexos o que verdadeiramente sentem.

"A vontade de ter barba era mais do que uma adoção estética, era a apropriação de minha identidade masculina", afirma Daniel Almeida.

Para homens cis, só é indicada quando existe a baixa dosagem de hormônios sexuais, medidas por exames laboratoriais como a testosterona, estradiol, LH (hormônio luteinizante) e FSH (hormônio folículo estimulante), o que geralmente acontece após os 70 anos de idade com a chegada da "andropausa", quando ocorre a queda natural da produção hormonal.

Em casos raros, jovens que necessitam de reposição geralmente têm perda de pelos pelo corpo, fraqueza muscular, quadros depressivos e voz fina.

A testosterona é biologicamente idêntica à produzida pelo testículo masculino, sendo injetável ou tópica, e requer acompanhamento trimestral para não ultrapassar a faixa de normalidade que seria produzida pelo organismo.

A superdosagem gera efeitos colaterais como doenças cardiovasculares, sobrecarga do fígado e alterações irreversíveis, como a esterilidade. Cansaço e falta de libido sem associação com outras doenças sugerem avaliação psicológica.

Intervenção cirúrgica

A fase adulta de uma pessoa trans carrega traumas que levam ao isolamento, depressão, ansiedade e autoestima baixa, na maioria das vezes, causados pela recusa familiar, medo e violência. A evasão escolar e a falta de moradia fazem com que, muitas vezes, a prostituição seja a única alternativa para a sobrevivência

Ainda que qualificadas, quando a aparência e o nome social são diferentes do nome civil, pessoas trans têm dificuldades de serem aceitas no mercado de trabalho e de se deslocarem livremente.

Para homens trans, atingir a maioridade representa um alívio no contexto social, porque podem se apresentar legalmente à sociedade e optar por alguns tipos de cirurgia.

São elas: a mamoplastia, para a retirada dos seios; metoidioplastia, que possibilita urinar em pé; e a faloplastia, de alta complexidade e contexto de protocolo de pesquisa, que viabiliza volume e penetração.

"Socialmente, a vergonha e o mal-estar eram constantes em todos os locais em que precisava apresentar o documento. Quando descobriam como nasci anatomicamente, o susto era tão grande e indisfarçável, que me sentia como uma atração exótica circense. Para judicializar a alteração do nome teria que fazer todas as cirurgias. Foi a maior prova de amor que pude me dar. Tenho, finalmente, o corpo ideal: O que me faz sorrir!", conta Daniel, que lembra que foi a terapeuta que mencionou que ele poderia ser transexual, o que foi libertador e que, em agradecimento, se formou em psicologia.

Transexualidade não é doença

Bandeira Trans - Stephanie Gonot / Pexels - Stephanie Gonot / Pexels
Imagem: Stephanie Gonot / Pexels

Em 2018, a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou que todos os países devem desclassificar a transexualidade como transtorno de saúde mental e considerar uma "incongruência de gênero", descrita como um "sentimento de angústia vivenciado quando a identidade de uma pessoa entra em conflito com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento".

No ano seguinte, o STF (Supremo Tribunal Federal) contemplou a transfobia, discriminação à pessoas trans, como racismo (Lei nº 7.716/89) ou injúria racial (artigo 140 do código penal), formalizando o direito à denúncia.

Pessoas trans não envelhecem porque o Brasil é o país que mais comete homicídios contra elas. A expectativa de vida de uma pessoa trans é de 35 anos, metade do índice para cis. Um estudo recém-publicado na revista americana Jama (The Journal of the American Medical Association), concluiu que intervenções médicas de afirmação de gênero foram associadas a menores riscos de depressão, automutilação e suicídio.

Fontes: Antonela Siqueira Catania, médica endocrinologista, especialista em transgêneros e portadores de HIV no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo; Thiago Caetano, médico urologista, especialista em cirurgia transgênero no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo; Victor Rezende, médico endocrinologista; Camila Bonfim, médica psiquiatra e Arlene Lima, psicóloga, os últimos três especialistas em transexualidade no Sertrans (Serviço Ambulatorial Transdisciplinar para Pessoas Transgênero) do HSM (Hospital de Saúde Mental) do Ceará.