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Como Consegui

Histórias de quem mudou hábitos em busca de mais saúde


Parei de fumar e percebi que a minha dependência ia muito além da química

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Letícia Naísa

De VivaBem, em São Paulo

07/04/2022 04h00

Acordei numa sexta-feira, 28 de janeiro de 2022, às 6h da manhã com a minha boca pegando fogo. A sensação de queimação era muito forte, mas assim que abri o olho, meu primeiro pensamento foi: "Preciso fumar um cigarro". Achei a ideia absurda, já que o que eu precisava era de um dentista o mais urgente possível. Tinha alguma coisa errada na minha boca.

Na frente do espelho, procurei por cortes, aftas, cáries, sangramentos, qualquer coisa que explicasse a quentura na boca. Estar acordada e tão estressada, no entanto, clamava por um cigarro, mas fiquei com medo de piorar a minha situação bucal. Tomei remédio para dor e dormi mais algumas horas.

Quando acordei novamente, o incômodo não tinha passado e desconfiei que o motivo poderia ser o cigarro. Meu melhor amigo e companheiro de todas as horas estava me causando uma dor insuportável? Marquei uma consulta o mais cedo possível e tomei uma decisão antes de sair de casa: precisava parar de fumar. Corri até a farmácia e comprei adesivos para driblar a vontade insana de nicotina que eu estava sentindo desde a primeira hora da manhã.

Leticia Como consegui - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Primeira trilha que Letícia fez após parar de fumar: "Foi gratificante"
Imagem: Arquivo pessoal

No consultório da dentista, descobri que estava de fato com um pequeno corte na língua, mas que o sintoma exacerbado podia ser consequência da covid-19. Tentei fugir da doença, mas não consegui. Abracei e beijei amigos no Ano-Novo e passei as primeiras semanas de 2022 com sintomas gripais fortes, parecia uma sinusite. Mesmo assim, não deixei de fumar.

A dor de cabeça, o cansaço e a dor de garganta não me impediram de acender alguns cigarros por dia. Havia meses que eu vinha diminuindo o consumo. Antes da pandemia, a média era de 10 a 12 por dia. Na pandemia, fui reduzindo e não passava de seis por dia. Numa mesa de bar, no entanto, matava um maço (20 cigarros) facilmente.

Com a covid, se aguentava três cigarros, era muito. Depois de 20 dias do início dos sintomas, quando, teoricamente, já deveria estar melhor, ainda não conseguia fumar muito. Sentia dores no pulmão quando tentava fazer ioga ou qualquer atividade física, por mais leve que fosse. Passei o mês inteiro com dor de garganta —alguns dias mais forte e em outros, mais leve. No dia 28 de janeiro, cheguei ao meu limite de dor, precisava largar o cigarro.

Comecei a fumar por uma brincadeira, na companhia da minha melhor amiga —que não se tornou adicta como eu. A caminho da sessão de encerramento da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que acontece no Parque do Ibirapuera, atrás do Auditório, em uma área aberta, achamos que seria "chique" tomar um vinho e fumar cigarros vendo um filme expressionista alemão. Eu tinha 18 anos e comprei um maço numa banca de jornal. A partir dali, foi ladeira abaixo.

Fumei por nove anos e alguns meses. Em 2022, completaria 10 anos de fumante. Passei a minha vida adulta inteira sendo fumante.

A repórter Letícia Naísa foi fumante por quase dez anos, conseguiu parar aos 28 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A repórter Letícia Naísa foi fumante por quase dez anos, conseguiu parar aos 28
Imagem: Arquivo pessoal

Fumar passou a fazer parte da minha personalidade. Em um dos lugares onde trabalhei, ganhei o título de Miss Tabaco, porque estava sempre com um cigarrinho. Sempre fiz amizade facilmente, mas com a ajuda do meu cigarrinho, batia papo com qualquer um que tivesse um isqueiro. Para conquistar um novo amor, bastava um trago com um olhar sexy, infalível!

Meus melhores amigos, na maioria, são ou foram fumantes. Fazíamos longos intervalos na faculdade ou no trabalho para fumar um cigarro atrás do outro. Namorei fumantes por anos. Na casa dos meus pais, onde morei até os 25 anos, fumava escondida no banheiro dos fundos, de madrugada, ou no quartinho, únicos lugares onde minha mãe deixava meu pai fumar. Em 2017, meu pai sofreu um infarto, provavelmente por conta do cigarro —ele fumou por mais de 40 anos—, e uma regra não dita foi instaurada em casa: é proibido fumar.

Ouvi por anos meus pais me lembrarem da época em que eu mesma, quando criança, jogava os cigarros do meu pai no lixo, revoltada. Aos 20 e poucos, eu estava repetindo os erros dele. Meu pai se tornou antitabagista depois de sobreviver ao infarto, então fazia questão de me perguntar toda vez que eu o visitava: já parou de fumar? A família inteira torcia e rezava para todos os santos pelo dia em que eu deixaria de fumar, mas a resposta era sempre a mesma: um dia eu vou parar.

Até pouco tempo, não me achava capaz de parar de fumar. Além de fazer parte da minha personalidade, o cigarro se tornou meu refúgio. Essa dependência psicológica da nicotina foi tema de sessões de terapia por meses —anos, talvez— e a razão pela qual eu achava impossível largar.

O cigarro estava ao meu lado antes de qualquer prova na faculdade, me consolou quando fui demitida pela primeira vez e me acolheu quando tomei meu primeiro pé na bunda. Quando enfrentei o luto pela morte precoce de um dos meus melhores amigos, fumava um cigarro atrás do outro.

Qualquer pressão de deadline [prazo para entregar uma reportagem] ficava mais fácil de lidar depois de acender um cigarro. Quando a pandemia eclodiu e eu me vi sozinha no meu apartamento de 35 m², não tinha outra coisa a fazer senão fumar enquanto o mundo acabava do lado de fora. Quando visitei uma UTI de covid-19 no auge da crise sanitária, a primeira coisa que fiz quando pisei na rua foi acender um cigarro.

Poderia citar várias outras situações de tensão, mas o cigarro também me fez feliz. Fez parte das minhas festas de aniversário ao longo dos meus 20 e poucos anos, da comemoração da minha formatura, do meu apartamento novo e de cada emprego que conquistei.

Meu cigarrinho estava ali comigo quando encontrei os homens que julguei serem os amores da minha vida, estava ali entre as risadas nos encontros com contatinhos ou com amigos para dividir qualquer felicidade.

Por isso tudo, parar de fumar é tão difícil. A crise de abstinência que senti foi forte. As primeiras 72 horas sem cigarro foram quase enlouquecedoras. Não sabia o que fazer com as mãos, com o meu tempo. O que as pessoas que não fumam fazem antes de lavar uma louça, de entrar em uma reunião? O que as acompanha tomando um café ou uma cerveja? Como elas esperam um ônibus sem fumar?

Benefícios ao abandonar o cigarro

Percebi que a minha dependência ia muito além da dependência química. Foi como perder um amigo muito querido, como terminar um relacionamento, o mais sério que já tive, que preenchia o meu tempo e o meu vazio.

Como já estava fumando pouco, usei o adesivo de menor dosagem de nicotina por uma semana e depois não precisei mais, cada dia sentia menos necessidade física e química de fumar —mas a vontade não passou, e talvez não passe nunca.

Ao longo do tempo, no entanto, pude perceber os benefícios. Minha dor de garganta sumiu em poucos dias, dores de cabeça também. Antes, sofria com a amigdalite e tinha de tomar antibióticos ao menos uma vez por ano. Até agora, não tive nenhum sintoma da doença.

Pela primeira vez, durante o treino, consegui correr na esteira e sentir meu pulmão cheio de ar. As dores no tórax também cessaram. Meu olfato está melhor do que nunca, meu paladar também. Meu cabelo está sempre cheiroso e minhas roupas não têm mais odor de cigarro. Tudo o que dizem que melhora quando paramos de fumar de fato é verdade.

As pessoas que me conhecem ficam impressionadas quando falo que parei. Logo você? Sim, logo eu! Desde que eu larguei o cigarro, enfrentei uma mudança de endereço, o fim das minhas férias, uma mudança de equipe aqui dentro do UOL, a volta ao trabalho presencial, a volta às aulas da pós-graduação também presencialmente, um término de relacionamento, minha cachorrinha doente e a clonagem do meu cartão de crédito. Em momentos como esses, eu certamente acenderia um cigarro. Mas dessa vez não fiz isso.

Se a gente parar para pensar, sempre haverá um motivo para não parar de fumar —ou voltar a fumar. A vida sempre apresenta desafios que demandam um consolo (que eu encontrava no cigarro). É preciso encarar um problema de cada vez e um dia sem fumar de cada vez —no início, um minuto de cada vez ou uma hora de cada vez.

No meu celular, fiz uma lista de motivos para parar e me manter sem fumar. Quando acho que vou ter uma recaída, recorro à lista para me lembrar que fumar me dá dor de garganta, dor de cabeça, me deixa cansada e não condiz com o meu estilo de vida saudável, que inclui atividade física e uma dieta vegetariana.

Também uso um aplicativo de mensagens motivacionais para ex-fumantes chamado Zero Cigarro. Nele, posso desabafar com outros ex-fumantes e recebo frases como:

  • "Evite a primeira tragada! Você sabe: uma será pouco e mil não serão o bastante!"
  • "Quando a vontade vier, perceba seu corpo, seus pensamentos, suas sensações como se fosse um observador de fora. Espere passar e faça uma reflexão, aprenda com esse momento"
  • "Sempre que ficar ansiosa, lembre-se de que é um dia de cada vez e que você só pode agir no hoje. Vá com calma, faça o que é possível e tudo a seu tempo".

Quando a vontade bate, busco algo para me distrair, converso com algum amigo, medito, faço ioga, vou até a academia correr e sentir meus pulmões cheios de ar, como há quase dez anos não conseguia sentir plenamente.

Parar de fumar não é fácil, mas é possível —e o primeiro passo é chegar no seu limite.