Covid-19, HIV e gravidez: o que é possível detectar em casa?
Descobrir se está com covid-19 se tornou mais simples desde fevereiro deste ano, com a aprovação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) do registro do primeiro autoteste para a doença no país. Disponível em farmácias, o resultado demora cerca de 15 minutos e o único desconforto é a autocoleta, feita com um swab (cotonete longo) aplicado no fundo do nariz. Não se trata, porém, de um processo simples, e alguns fatores podem prejudicar o resultado correto dos autotestes.
Caso o incômodo fale mais alto, por exemplo, e a secreção não seja devidamente alcançada, aumenta-se o risco de um resultado falso negativo —cenário que pode ser comum neste tipo de teste, visto que a confiabilidade depende da aptidão do próprio paciente.
Isso inclui também saber qual é o momento mais adequado para a coleta, como lembra Lysandro Pinto Borges, imunologista clínico, doutor em bioquímica toxicológica e coordenador da força-tarefa covid-19 da UFS (Universidade Federal de Sergipe).
"A pessoa precisa fazer entre o terceiro e o quinto dia de sintoma, que é a melhor janela de detecção. Se começou a tossir hoje, primeiro dia, e já correr para o exame, vai dar negativo, porque o coronavírus precisa de três dias, pelo menos, para aumentar a carga viral e ser possível identificá-lo no nariz", explica o especialista, que faz parte da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas. O autoteste de covid-19 detecta a presença de proteínas do coronavírus no organismo.
No caso do autoteste do HIV, vírus causador da Aids, a janela de detecção também interfere no resultado. Este exame identifica a presença dos anticorpos produzidos pelo organismo após o contato com o vírus, e essa produção demora cerca de 30 dias, de acordo com informações do Ministério da Saúde. Desta forma, se a pessoa tiver relações sexuais desprotegidas, não adianta buscar pelo exame no dia seguinte, mas um mês depois.
Ainda que precise apenas de uma gota de sangue para o teste do HIV, há o risco de errar. "Se a pessoa picar o dedo de forma incorreta ou se espremer para sair mais rápido, isso pode diluir o sangue com o plasma e gerar um resultado falso negativo. Tem que ser uma gota volumosa", ressalta Borges, que lembra outro detalhe: "Usar álcool em excesso para limpar o dedo pode atrapalhar também, porque o sangue dilui e o álcool neutraliza o anticorpo".
Até mesmo identificar uma gestação via autoteste pela urina é passível de erros. O exame de farmácia analisa a quantidade do hormônio beta-hCG, que é produzido pelo organismo após o embrião se fixar na parede do útero, o que pode demorar entre cinco a sete dias depois da fertilização. A recomendação dos especialistas, no entanto, é que o teste seja feito após o atraso na menstruação para um resultado mais confiável.
Benefícios versus riscos
Apesar da comodidade, os autotestes não deveriam ser feitos sem o acompanhamento de um profissional da saúde, de acordo com os especialistas —exceto em alguns casos. Segundo Eduardo Sprinz, infectologista e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, indivíduos com a suspeita de doenças agudas (que têm uma duração rápida) podem se beneficiar mais, como no caso da covid-19.
"[O resultado positivo] vai fazer com que a pessoa circule menos, se isole e, certamente, a transmissão da infecção será menor, além de ela se cuidar mais. O grande risco, que é o que vemos, são os casos de subnotificação, porque a pessoa faz o autoteste e não avisa ninguém", explica o especialista, que também é professor do curso de medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Para a suspeita da infecção pelo HIV, o cenário é diferente. Segundo Sprinz, a pessoa que tiver detectado os anticorpos para o vírus causador da Aids precisa receber orientação sobre os próximos passos, o que pode não acontecer caso ela não procure ajuda após o autoteste.
"Eu diria que esses são testes de triagem e, sendo assim, precisam ter exames confirmatórios. O teste de gravidez, que é urinário, precisa ser confirmado, e o do HIV também", afirma. Unidades da rede pública e os Centros de Testagem e Aconselhamento podem ser buscados para os exames e orientações quanto ao HIV.
Atrás do balcão?
Uma forma mais fácil de buscar informações e tirar dúvidas seria diretamente nas farmácias, mas os autotestes, em geral, estão disponíveis na frente do balcão —sem que seja necessário conversar com o farmacêutico para adquiri-los.
"O ideal é que os autotestes estejam próximos do profissional, para que ele oriente. O beta-hCG, por exemplo, vemos nas farmácias empilhados, o que não é o correto. O melhor seria que, quando fosse feita a venda, chamasse o profissional para perguntar o mínimo, que é 'você sabe como fazer?'", destaca Borges.
O especialista lembra que, no caso do autoteste da covid-19 distribuído em outros países, havia uma orientação sobre o uso, que não se replicou no Brasil.
"Na Europa era distribuído nas casas, enviado por correio, tinham vídeos explicativos e propaganda. Então é uma população que teve a orientação de como usar aquela ferramenta. No Brasil, houve a liberação do autoteste, mas não teve explicação. E a população vai lá, compra, mas e depois? Cabe ao farmacêutico orientar. Isso quando ele é buscado", argumenta.
Futuro dos autotestes
Atualmente, no Brasil, é possível buscar nas farmácias os autotestes para poucas condições: gravidez, HIV, diabetes (mais para o monitoramento da glicemia do que identificação da doença) e, mais recentemente, covid-19. A última, no entanto, pode abrir a porta para outras doenças, e os estudos já estão sendo conduzidos.
"A covid-19 causou essa abertura de possibilidades, principalmente para alguns países que não tinham o costume da telemedicina e, juntamente, o desenvolvimento desses novos biossensores, que seriam os autotestes, ou home testing. No futuro, será algo mais comum na rotina das pessoas", prevê Mona Oliveira, doutora em bioquímica e nanotecnologia pela USP (Universidade de São Paulo) e pelo Jo?ef Stefan International Postgraduate School, na Eslovênia, além de co-CEO da BioLinker, startup brasileira de biotecnologia e biologia sintética que desenvolveu um autoteste da covid-19 nacional ao lado do pesquisador Frank Crespilho, do Instituto de Química de São Carlos, da USP.
Os desafios daqui para frente, segundo Oliveira, estarão no campo da regulação, mas também no aprimoramento da autocoleta. "Um grande obstáculo é detectar na amostra o que é que aquele paciente tem, o que está causando o mal-estar. É preciso melhorar a detecção para que as amostras sejam de fácil acesso. Se as doenças neuronais, por exemplo, são mais fáceis de identificar em um líquido dentro do cérebro, é muito difícil de a pessoa fazer isso sozinha, então é preciso suporte", explica a especialista.
Na linha de estudos, estão pesquisas de autotestes para monitoramento do câncer, diabetes e doenças autoimunes. "Existe o lado bom e prático, porém o desafio para isso ser aplicado é a confiança nos autotestes. Então as tecnologias têm que estar robustas, e não podem exigir muito processamento. Ainda não temos esses sensores completamente disponíveis no mercado, hoje, mas existem grupos de pesquisa estudando no mundo inteiro", afirma Oliveira.
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