Varíola dos macacos: 3 médicos de SP relatam aumento exponencial de casos
Com mais de 200 casos contabilizados no Brasil, a varíola dos macacos, também conhecida como monkeypox, é motivo de preocupação entre os especialistas. Desde que chegou ao país, o número de pacientes diagnosticados tem aumentado exponencialmente, segundo os médicos consultados por VivaBem.
A doença infecciosa é uma zoonose viral, isto é, que passa de animais para humanos, causada pelo vírus de mesmo nome (varíola dos macacos) —inclusive, a OMS (Organização Mundial da Saúde) estuda mudar o nome para evitar discriminação e estigma. Ela caracteriza-se pelo surgimento de sintomas como febre, dor muscular, lesões cutâneas na pele e aumento de gânglios.
Aumento exponencial
Rico Vasconcelos, infectologista e colunista de VivaBem, atende pacientes tanto no ambiente público, no Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), como em consultório particular: "Já tive mais de 15 pacientes com monkeypox nos últimos dias. Está aumentando exponencialmente".
Aliás, ele defende o nome "monkeypox" e, não, "varíola dos macacos", principalmente para evitar que violências contra os animais sejam realizadas.
Segundo o médico, no momento, tudo o que foi aprendido sobre a doença nos livros está diferente na prática clínica. "É a primeira vez que tenho casos de monkeypox, só tinha as informações do livro. E não é igual", conta.
Vasconcellos elenca diversos pontos que chamam a atenção. Um deles é a forma com que a doença se apresenta: nem sempre os sintomas envolvem as lesões de pele. "O quadro clínico é muito variável. Já tive pacientes que apresentaram apenas febre, sem lesões na pele. Outro com lesões, mas sem febre", diz.
Um dos casos, conforme lembra o infectologista, foi de um homem que tinha febre, mal-estar e dor de barriga e, depois, apresentou sangue nas fezes. Após consulta com um proctologista, foi identificada uma úlcera no reto. Com o exame de PCR, que passa o swab (cotonete) na lesão, o resultado veio positivo.
Como é o perfil dos pacientes?
Segundo os três médicos consultados para a reportagem, o perfil dos pacientes, neste momento, é de homens homossexuais ou bissexuais, com idades de 16 a 40 anos, e sexualmente ativos —uma população que os especialistas dão o nome de HSH (homens que fazem sexo com homens). Mas é importante ressaltar que essa doença não é exclusiva desse grupo: qualquer pessoa pode se infectar.
Além disso, a ideia não é estigmatizar essas pessoas, mas, sim, alertá-las. No surgimento de qualquer sintoma semelhante aos da varíola dos macacos, é fundamental procurar um atendimento médico.
"Agora, em julho, está circulando mais entre homens gays e bi, mas pode ser que daqui alguns meses ou semanas, esteja em outro grupo. Até gosto de falar que ninguém pega monkeypox por ser gay, mas é preciso alertar que no 'quintal' dele está chovendo mais do que em outros. É preciso ficar mais atento", explica Vasconcellos.
Danilo Finamor, dermatologista do CRT (Centro de Referência e Treinamento DST/Aids) da unidade Santa Cruz, em São Paulo, também atende grande parte desta população citada acima e relata o mesmo: "Já atendi algumas mulheres héteros, mas a grande maioria, 95%, é este grupo".
Já existe alguma explicação para o surto entre a população?
No momento, não há nenhum artigo ou estudo que explique o porquê de o grupo ser o mais atingido pelos casos de monkeypox. No entanto, os médicos citam algumas hipóteses.
"Pode ser que tenha relação com o caso índice (inicial) documentado na Espanha, de uma pessoa que estava na África, e depois numa sauna gay. Pode ser que ela possuía o hábito de se relacionar com outros homens", diz Finamor.
O local citado pelos médicos fica localizado em Madrid e foi fechado, em maio deste ano, por suspeita de ser a origem de diversos casos na cidade. O infectologista Fábio Araujo, do Hospital Emílio Ribas, referência em doenças infectocontagiosas de São Paulo, cita ainda que diversas festas ocorrem na Europa nesta época do ano, que é verão, ajudando na disseminação da doença.
Mas, de novo, a doença não é exclusiva de uma população ou outra, conforme reforça o médico. "Chegou nesta população, mas pode se espalhar para outras até porque temos homens bissexuais", diz Araujo, que notou um aumento também exponencial de casos no hospital e no CRT da Santa Cruz, outro local onde trabalha.
Muita gente diz para não falar sobre o assunto para evitar a associação de homens gays e bi ao monkeypox por causar ainda mais estigma. Mas eu penso diferente. Penso que não falar é uma maneira de manter o vírus circulando. Rico Vasconcelos, infectologista da FMUSP
Médicos citam sintomas que fogem do tradicional
Desta forma, é importante que pessoas deste grupo fiquem mais atentas aos sintomas que, de acordo com os médicos, estão seguindo um padrão diferente do que ocorre na África, por exemplo, principalmente com as lesões em órgãos genitais, ânus e no períneo (região entre o ânus e pênis ou vagina).
De acordo com o médico do Hospital Emílio Ribas, foi o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) que trouxe essa informação de "novas apresentações da doença", que é diferente do quadro que conhecemos, com muitas bolinhas espalhadas pelo corpo.
"Até temos o clássico quadro de erupções cutâneas, que parece catapora, mas não é tão frequente. Estamos vendo mais lesões na região anal e nos genitais. Essas lesões no ânus são extremamente dolorosas, os paciente se queixam de muita dor e desconforto, além de sangramento", explica Araujo.
De uma forma geral, fique atento aos possíveis sinais:
- Erupções cutâneas na pele (que parecem espinhas ou bolhas)
- Vermelhidão na pele
- Febre
- Dor muscular
- Dor de cabeça
- Dor de garganta
- Tosse
- Inchaço dos gânglios linfáticos
- Calafrios
- Exaustão
As lesões na pele pode estar localizadas nas extremidades do corpo, como pés, mão, rosto, além do ânus, região do períneo ou nos genitais, causando dor ou coceira. As erupções também podem surgir dentro de boca, vagina e ânus. Segundo os médicos, até o momento, os casos tendem a ser leves e passam espontaneamente.
Já a transmissão se dá por meio das secreções das lesões de pele e mucosas ou gotículas do sistema respiratório. A transmissão pode ocorrer também pelo contato com objetos contaminados com fluídos das lesões do paciente infectado.
Ter parceiros sexuais múltiplos pode aumentar os riscos de exposição à varíola dos macacos —mas a pessoa não precisa necessariamente ter relações para transmitir a doença. Aliás, pesquisadores investigam se o vírus pode estar presente no sêmen ou em fluidos vaginais. O tempo de incubação do vírus também é algo que está bem variável, segundo os especialistas. O período pode variar de 7 a 21 dias.
Covid, sífilis e herpes: confusão com sintomas
Rico Vasconcellos lembra de outro ponto importante: a maioria das pessoas ainda está preocupada com o coronavírus. Então, algum dos sintomas da monkeypox, por exemplo, pode surgir e quando o exame rápido dá negativo, ela segue a vida.
"A pessoa não pensa que pode ser covid. Mas é melhor esperar pelo menos uma semana, não ir à balada ou ao date", diz o médico.
Há ainda uma confusão entre os próprios profissionais de saúde, que podem confundir os sintomas com outras infecções, como o herpes e a sífilis —o que não está necessariamente errado, já que tendem a ser casos mais comuns. Por isso, é importante que os próprios médicos fiquem atentos aos sinais.
Como evitar transmissão? Tem vacina?
Por fim, não existe uma cura para a doença no momento, apenas remédios que podem amenizar os sintomas de dor, por exemplo, ou na coceira na pele. A pessoa só deixa de transmitir quando as lesões de pele cicatrizam totalmente (as crostas caem e uma nova pele se forma). Isso pode levar várias semanas. Por isso, o paciente deve se manter em isolamento até isso ocorrer.
Não há vacina contra a varíola dos macacos disponível no Brasil. Os imunizantes contra a varíola comum, já erradicada no país, podem oferecer proteção alta contra a dos macacos. No entanto, elas não estão mais disponíveis no momento.
Alguns países, como os EUA e outros da Europa, já estão realizando campanhas de vacinação contra a varíola dos macacos em alguns grupos. No Brasil, segundo o infectologista da FMUSP, ainda não há nem mesmo um fluxo inteligente de notificação e diagnóstico dos casos suspeitos.
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