Prevenção combinada consegue frear o HIV em alguns países; entenda como
Há 40 anos, surgiam os primeiros casos de HIV. Muita coisa mudou em relação à epidemia que, ainda hoje, em 2022, é um desafio para a comunidade científica e governantes de todo o planeta. Alguns países, no entanto, têm conseguido bons resultados ao adotar estratégias combinadas de prevenção para reduzir a incidência da doença.
Relatório da Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids) mostra que os melhores resultados estão em locais com acesso a serviços como testes de HIV, PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), medicamento que previne o HIV, redução de danos, além de acompanhamento das autoridades de saúde.
Até 30 de junho de 2021, 28,2 milhões de pessoas acessaram a ART (Terapia Antirretroviral). Em 2010, eram 7,8 milhões e, em 2020, 73% dos que vivem com HIV (37,6 milhões) tiveram acesso ao tratamento. Estima-se que a implementação de recursos terapêuticos acessíveis e de qualidade tenha evitado 16,2 milhões de mortes relacionadas à Aids desde 2001.
Fabio Mesquita, doutor em saúde pública e epidemiologista, aponta que o principal obstáculo para o fim da epidemia é manter os investimentos em ciência, tecnologia e saúde pública como pauta prioritária.
"Há ótimos exemplos de combate. Poderíamos citar alguns como Austrália, Suécia e Noruega. Alguns países de média renda mandaram muito bem como a Tailândia e o próprio Brasil. Claro que para os países ricos a situação é mais fácil. Eles não tiveram medo de adotar estratégias ousadas como a redução de danos e puderam avançar rápido nas novas tecnologias, principalmente PrEP", afirma Mesquista.
Exemplos positivos
A Austrália, por exemplo, adotou uma distribuição de remédios contra o HIV para toda a população e atualmente tem apenas 633 casos. Na Suécia, estima-se que 90% das pessoas vivendo com HIV estão diagnosticadas, 97% delas estão em tratamento e 95% dessas pessoas em tratamento estão com carga viral indetectável.
Na Noruega, 80% dos infectados tomam medicamentos e, em 2020, houve uma diminuição de 62% na ocorrência de HIV desde 2010. A Tailândia é outro caso positivo. Se em 2010, 34% dos infectados receberam antirretrovirais, atualmente, 79% têm acesso, além de um número 56% menor de casos do que em 2010.
No Brasil, há 930 mil pessoas convivendo com HIV e 70% recorrem à ART, com diminuição no número de mortes de 11% desde 2010.
Mudança global ajuda na diminuição de casos
Fabio Mesquita, que é membro do Corpo Técnico da OMS (Organização Mundial de Saúde) há 12 anos, atualmente trabalhando em Mianmar, no sudeste da Ásia, e ex-diretor do então Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde (2013-2016), aponta uma mudança radical que aconteceu em 2011 na luta contra a Aids globalmente e foi essencial para a diminuição dos casos.
"Concluiu-se que o tratamento de HIV com antirretrovirais não trazia apenas benefícios para as pessoas sendo medicadas, mas que havia um tremendo impacto de prevenção no uso destes medicamentos que conhecíamos desde 1989 e foram se aperfeiçoando com o passar do tempo. A ciência avançou no conhecimento de que as pessoas com supressão de carga viral não transmitiam mais o HIV."
O epidemiologista cita medidas pontuais naquela época e que passaram a ser adotadas efetivamente nas estratégias de prevenção combinada.
Transmissão vertical: a introdução de antirretrovirais na mãe suprimiu a carga viral e o bebê nascia sem o vírus.
PEP (Profilaxia Pós-Exposição): inicialmente utilizada para profissionais de saúde expostos ao HIV e posteriormente introduzida como conduta para vítimas de violência sexual. Depois passou a ser utilizada para qualquer pessoa que tivesse confirmada exposição sexual (ou o preservativo estourou ou a pessoa transou sem camisinha).
"A PEP ficou conhecida como uma espécie de pílula dos 28 dias seguintes e a pessoa ficava protegida de contrair o vírus. Daí foi um pulo para a ciência desenvolver a PrEP colocando aqueles com alto risco de contaminação sob medicação antirretroviral para proteger a transmissão", conta Mesquita.
Estas e outras diretrizes formam combinadas e atualmente formam a Mandala de Prevenção Combinada com diretrizes preconizadas pela OMS:
Tratar todas as pessoas convivendo com HIV/Aids;
- Testagem regular para o HIV, que pode ser realizada gratuitamente no SUS (Sistema Único de Saúde);
- Profilaxia Pós-Exposição (PEP);
- Profilaxia Pré-Exposição (PrEP);
- Prevenção da transmissão vertical;
- Imunização para as hepatites A e B e HPV;
- Redução de danos para usuários de álcool e outras drogas;
- Diagnosticar e tratar pessoas com ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e hepatites virais;
- Usar preservativo masculino, feminino e gel lubrificante.
Erradicação em 2030?
Países que se comprometeram com as metas da ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) podem conseguir erradicar a epidemia até 2030, afirma Fábio Mesquita. O médico se refere ao pacto da ONU (Organização das Nações Unidas) de 2015, com vários países signatários, incluindo o Brasil.
Com 17 objetivos globais, o número 3, que trata de saúde e bem-estar, tem como propósito acabar com a epidemia da Aids até 2030.
Na opinião do infectologista Pablo Eliack, do HSJ (Hospital São José de Doenças Infecciosas) de Fortaleza, são inúmeros os obstáculos para atingir as propostas da ONU: "Temos problemas educacionais, comportamentais e financeiros. Cada nação possui uma realidade em relação ao HIV, o que impacta na disseminação ou diminuição do vírus".
Evaldo Stanislau, infectologista do HC (Hospital das Clínicas) da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), pontua que, embora sejam medidas fundamentais, há uma necessidade urgente de mudanças: "Uma epidemia desta magnitude depende muito das pessoas. Porém, observamos comportamentos erráticos, como o não uso do preservativo e até uma alta taxa de abandono da PreP".
O infectologista Vinicius Borges, conhecido no Instagram como Doutor Maravilha, fala que a PreP, além de prevenir o HIV, é a porta de entrada para realizar outras ações de prevenção combinada, como testagem constante, vacinas e toda uma linha de cuidados.
Uma pandemia no meio da epidemia
De acordo com Fábio Mesquita, novos desafios aparecem diariamente quando se fala em HIV e é complexo garantir que os países mais ricos mantenham o aporte prioritário em ações.
"O exemplo mais recente é a covid-19, um acontecimento inusitado —não houve nada parecido desde a gripe espanhola— e que tomou a agenda científica e financeira pela ameaça global que causou", diz o epidemiologista.
Como lembra Evaldo Stanislau, a covid causou o que chamado all hands on deck (tradução literal de todos com as mãos no convés), mas que é uma expressão utilizada em situações que necessitam do empenho de todos. "As equipes foram todas destinadas à covid e muitas pessoas deixaram de tomar remédio corretamente. O HIV sofreu efeitos colaterais por falta de mão de obra, já que equipes foram destacadas para cuidar da pandemia, por dificuldade de acesso e por menor adesão", explica.
Mesquita cita outros problemas, como a distribuição dos medicamentos antirretrovirais, que antes eram distribuídos mensalmente, passaram a ser distribuídos de 3 em 3 meses ou de 6 em 6 meses dependendo dos países e dos estoques globais: "Um dos maiores impactos (além do da prevenção) foi o da qualidade do acompanhamento clínico, já que as máquinas que detectam a carga viral passaram a ser mais utilizadas para covid-19".
Brasil pode avançar mais
Ainda assim, essa estratégia é o que tem salvado vidas, garante Eliack, que cita como exemplos o Brasil e o SUS, que fornece as medicações (que custam caro) e financia os testes: "Claro que temos um problema educacional muito grande. Mas há nações com muito atraso que utilizam estratégias ultrapassadas, como alguns locais do continente africano".
Para Stanislau, o Brasil precisa pensar em novas táticas para combater o HIV: "Há populações vulneráveis descobertas em que observamos os índices continuarem elevados, como no caso de homens que fazem sexo com homens jovens, mulheres e pessoas da terceira idade".
A eterna esperança da cura
De 27 de julho a 2 de agosto, acontece a 24ª Conferência Internacional de Aids de 2022, organizada pela International Aids Society (IAS), em Montreal, no Canadá.
A cura da Aids, obviamente, é uma das pautas em destaque. Fabio Mesquita lembra haver pesquisas sendo realizadas no mundo todo que buscam meios de pegar o vírus que se esconde no sistema imunológico das pessoas vivendo com HIV, retirá-lo do esconderijo e exterminá-lo: "Um dos estudos promissores é desenvolvido em São Paulo, mas há muito o que progredir", afirma.
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