Varíola dos macacos: primeira morte no Brasil é motivo para preocupação?
O Brasil registrou a primeira morte pelo vírus monkeypox, causador da varíola dos macacos, informou o Ministério da Saúde nesta sexta-feira (29). Até dia 22 de julho, cinco pessoas morreram pela doença em todo o mundo durante o surto atual, de acordo com dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgados ontem. Dessas, três ocorreram na Nigéria e duas na República Centro-Africana.
A entidade ainda não se manifestou sobre a vítima no Brasil, que seria a primeira fora do continente africano.
A morte foi registrada na cidade de Uberlândia, em Minas Gerais. O paciente era um homem de 41 anos, com imunidade baixa e comorbidades, incluindo câncer (linfoma), que o levaram ao agravamento do quadro, segundo uma nota enviada à imprensa. Ele ficou hospitalizado em hospital público em Belo Horizonte, sendo depois direcionado ao CTI. A causa da morte foi choque séptico, agravada pelo monkeypox.
O principal sintoma da varíola dos macacos é o surgimento de bolhas, feridas, irritações ou espinhas na pele, especialmente na região dos genitais, do ânus, dos braços e da face. Segundo a OMS, a doença é geralmente autolimitada (isto é, que se resolve espontaneamente), com sintomas que duram de 2 a 4 semanas.
No entanto, casos graves podem ocorrer, especialmente entre crianças e pessoas com baixa imunidade, informa o órgão. Os quadros mais sérios estão relacionados à extensão da exposição ao vírus, à natureza das complicações e ao estado de saúde do paciente.
As complicações mais graves podem incluir infecções secundárias, broncopneumonia, sepse, encefalite e infecção da córnea com consequente perda de visão, segundo o órgão internacional.
A OMS informa que a taxa de letalidade da monkeypox variou historicamente de 0% a 11% na população em geral e tem sido maior entre crianças pequenas. Nos últimos tempos, a taxa de mortalidade de casos foi de cerca de 3% a 6%.
Sinal de alerta
Para Clarissa Damaso, virologista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a primeira morte pela varíola dos macacos no Brasil reforça que é preciso ter uma ação coordenada no mundo para impedir a propagação da doença, como orientou o estado de emergência internacional decretado pela OMS no último sábado (23).
"Essa morte é motivo de preocupação, mas só intensifica uma preocupação que já se vem tendo com o aumento no número de casos", avalia a chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus e integrante do grupo de trabalho para enfrentamento da varíola dos macacos organizado na instituição.
Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), afirma que o óbito também é um exemplo de como o vírus pode desencadear complicações graves em grupos mais vulneráveis da população.
"Quando a doença encontra pessoas imunossuprimidas, como pacientes com HIV, transplantadas, em tratamento de quimioterapia, a monkeypox pode ser fatal", alerta Barbosa, que também é professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
"Essa primeira morte reforça que é perigoso relativizar a monkeypox. Não é uma doença que afeta somente a Europa. O Brasil tem um número expressivo de casos de infecção, e isso é apenas a ponta do iceberg", afirma o infectologista.
De acordo com dados do portal Our World In Data, há mais de 18 mil casos confirmados de monkeypox no mundo, espalhados em 78 países.
No Brasil, o boletim mais recente do Ministério da Saúde contabilizou 1.066 infecções. A maioria das confirmações está em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Barbosa considera que o enfrentamento da doença precisa ser "mais assertivo" no país, com alertas à população, treinamento dos profissionais de saúde e vacinação do público-alvo.
O Ministério da Saúde está tratando a doença como surto, que acontece quando há o aumento repentino do número de casos de uma doença em uma região específica. É o primeiro estágio da evolução de contágio, antes de epidemia e pandemia.
Na quinta-feira (28), a pasta informou que irá montar um grupo para coordenar a resposta, com a participação de várias instituições de saúde, como o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a Opas, braço da OMS nas Américas.
Ainda não há vacina disponível contra a doença no país, mas o ministério diz estar negociando a compra de imunizantes usados para combater a varíola humana —erradicada desde 1980, segundo a OMS— para trabalhadores de saúde e pessoas em constante contato com esse público.
Formas de transmissão
A principal forma de transmissão do vírus monkeypox é o contato próximo com as lesões que a condição causa na pele. Isso porque o líquido dentro das bolhas causadas pela doença, bem como a crosta das feridas, contêm o patógeno e, por isso, são altamente infecciosos.
O risco de transmissão de pessoa para pessoa por contato próximo com essas lesões aumenta quanto mais duradoura e intensa for a interação, como durante o sexo. Um estudo publicado na semana passada no New England Journal of Medicine, que avaliou 528 pacientes de 16 países, identificou que 95% das infecções ocorreram por meio da atividade sexual.
A infecção também ocorre por contato com secreções respiratórias, ou seja, saliva. Segundo a OMS, geralmente é preciso ter contato face a face por tempo prolongado, como no beijo na boca.
O contato com objetos recém-contaminados é outra possível via de transmissão da varíola dos macacos: lençóis, roupas e toalhas, por exemplo. Animais infectados também podem transmitir a doença, mas até o momento não há nenhuma evidência de que o vírus tenha encontrado um reservatório animal fora da África.
Segundo a OMS, a transmissão também pode ocorrer através da placenta da mãe para o feto (o que pode levar à varíola congênita) ou durante o contato próximo durante e após o nascimento.
Como evitar o contágio
Além de evitar o contato com pessoas infectadas, no âmbito individual também é preciso ficar atento à presença dos sintomas da doença e procurar atendimento médico o quanto antes para receber o diagnóstico e impedir a cadeia de transmissão do vírus.
A OMS aconselha a redução de parceiros sexuais a gays e bissexuais como prevenção à doença. Isso porque a maioria dos casos da varíola dos macacos até o momento foi identificada na comunidade de gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens (HSH, na sigla em inglês), mas a tendência é que o vírus infecte cada vez mais pessoas que não se encaixam nesse perfil inicial.
O órgão acrescenta que qualquer pessoa pode contrair ou transmitir a monkeypox, independentemente de sua sexualidade, e que "estigmatizar as pessoas por causa de uma doença nunca é okay".
Em nota à imprensa, a SBU (Sociedade Brasileira de Urologia) e a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) também recomendam que toda pessoa que apresente quadro clínico suspeito deve manter isolamento e evitar compartilhamento de objetos de uso pessoal até exclusão do diagnóstico ou completo desaparecimento das lesões.
Indivíduos que tiveram contato com pessoas infectadas também devem permanecer em alerta e vigilância próxima, tanto para que tenham assistência, em caso de doença, quanto para evitar a onda de transmissão.
"A epidemia atual não se correlaciona com a transmissão de animais para humanos. Assim sendo, não se justifica nenhum tipo de atitude e, muito menos, crueldade em relação aos animais, incluindo os macacos", diz o comunicado.
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