'Sinto que nunca estou boa o suficiente para o mundo': entenda a agorafobia
A designer editorial Ana Raquel Bastos, de 24 anos, ficou nervosa antes de uma ida ao shopping. Chorou ao tomar banho, ficou apreensiva enquanto se arrumava e sentia medo do que poderia encontrar no local. Um roteiro simples para a maioria das pessoas é um grande desafio para quem tem agorafobia.
Cerca de 150 mil brasileiros enfrentam esse transtorno psicológico, em que o medo de locais públicos e a imprevisibilidade de enfrentar cenários desconhecidos geram imensa ansiedade.
"A pessoa acredita que algo ruim pode acontecer nessas situações e tem medo de não conseguir escapar ou não ter ajuda caso tenha sintomas de pânico ou reações constrangedoras, como urinar, travar ou 'dar chilique'", explica Raquel Del Monde, psiquiatra da infância e da adolescência pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
"É um medo incontrolável de viver situações que possam ser gatilhos para crises de pânico, sensações de desamparo ou constrangimento", explica a neuropsicóloga Ana Cláudia de Souza Pinto Oliveira, professora horista do Centro de Estudo e Pesquisa da Amazônia.
Para Ana, o transtorno teve início em 2018, um ano após a morte de seu pai, quando foi diagnosticada com depressão. Ao longo das sessões de psicanálise, descobriu que também tinha agorafobia. "Eu e minha terapeuta acreditamos que pode ter sido derivado de um trauma que sofri quando o ônibus que eu estava foi assaltado. Eu já andava com medo, porque tinha sofrido assédios na rua no passado, mas essa foi a gota d'água", conta.
Na maior parte dos casos, os sintomas começam justamente na faixa etária da Ana: entre os 18 e 35 anos. Experiências traumáticas, como um acidente, um assalto ou a perda de alguém próximo são alguns dos gatilhos. Mais do que sair de casa, o problema afeta a autoconfiança e cria dificuldade para interações sociais.
"Eu sinto que nunca estou boa o suficiente para o mundo, para ser vista em público. Parece que as pessoas estão me julgando o tempo todo. Preciso me preocupar com o que vou falar, como me vestir, se minha aparência está boa", diz a designer.
Diante de tantas dificuldades em sair de casa, Ana recorreu à internet. Compras em supermercado e farmácias elevam a sensação de segurança. A procura por um ambiente mais confortável também aumentou por causa da pandemia da covid-19. O medo do vírus fez com que ela evitasse ainda mais ir às ruas.
Agora, aos poucos, a agorafobia tem sido vencida. Em um fim de semana, Ana foi a uma festa na casa de uma amiga, um passo gigante para quem convive com essa condição. "Ela disse que eu poderia subir para o quarto dela se precisasse, que posso ficar lá, dormir. Isso me deixou mais tranquila."
Quando é preciso buscar ajuda?
A agorafobia também apresenta sinais físicos, como batimentos cardíacos acelerados, falta de ar, náuseas, dor de estômago, formigamento e calafrios. Esses sintomas fazem com que ela seja confundida com a síndrome do pânico, já que são transtornos muito próximos e coexistentes. A crise de pânico pode desencadear a agorafobia, pois o indivíduo fica com medo de sair de casa e ter outro ataque.
"No pânico, a pessoa tem falta de ar, sensação de morte iminente e geralmente dura de 10 a 20 minutos. Em função disso, ela pode desenvolver uma fobia e começar a evitar locais pelo medo de ter novamente essas sensações", explica Henrique Bottura, psiquiatra, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do Hospital das Clínicas de São Paulo.
O tratamento para esse transtorno começa com o auxílio de um psiquiatra e um terapeuta. A terapia cognitivo-comportamental é a mais indicada, ao buscar padrões de comportamento, crenças e pensamentos. Em alguns casos, também é preciso haver uma intervenção medicamentosa.
É importante buscar ajuda quando o medo de sair de casa passa a interferir na vida e na rotina da pessoa, como deixar de trabalhar fora, não sair com os amigos e ter uma crise de ansiedade toda vez que precisar estar em um ambiente desconhecido.
Futebol como remédio
Entre idas ao shopping e visitas à casa de uma amiga, Ana coleciona pequenas vitórias sobre a agorafobia. O futebol é outro aliado. Torcedora do Atlético-MG, a designer nunca conseguiu ver o time de perto porque tem medo de ir ao estádio. Até mesmo acompanhar as partidas pela televisão já desencadeou crises de ansiedade.
"O médico me proibiu de ver jogos do Atlético-MG por um tempo, porque eu ficava muito ansiosa e começava a ter sintomas de peito apertado e tudo mais. Mas, hoje, o meu principal remedinho é assistir aos jogos", conta.
No futuro, inclusive, ela tem vários planos. Um deles é poder expandir a sua editora, chamada "Dragonfly". Lá, além da parte de texto, ela também faz o design de capas e cuida de todas as áreas. Os livros sempre foram a sua paixão.
"A mente ansiosa está a mil por hora, então me sinto presa e incapacitada, não consigo focar em uma coisa só. Lendo um livro, eu consigo ficar imersa, me desligar de todas essas outras coisas e isso me salva", diz.
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