Pôneis terapeutas vão até hospital de SP para visitar crianças com câncer
Uma das crianças internadas no Itaci (Instituto de Tratamento do Câncer Infantil), em São Paulo, tinha um sonho: ver um cavalo de verdade. Bryan Amaro de Andrade tinha 9 anos e um tumor muito grave na próstata, um caso raro. Ele ficou internado por sete meses e nada o fazia responder bem ao tratamento. Depois de conhecer os pôneis da Sociedade Hípica Paulista, o menino teve alta do hospital em um mês.
Os efeitos dos animais sobre Bryan inspiraram os médicos e responsáveis pelo hospital a implementar a poneiterapia com as crianças. A primeira "sessão" aconteceu em novembro de 2021. Desde então, uma vez por mês, o pátio do hospital recebe os terapeutas equinos Nemo e Caramelo para assistir os pequenos pacientes.
Da porta que separa o pátio da recepção do hospital, as crianças já conseguem ver os cavalos, selados e calmos. A maioria ali tem leucemia, um câncer que afeta o sangue, um dos tipos que mais atinge crianças. Quando elas saem do prédio até onde estão Nemo e Caramelo, elas ficam boquiabertas, algumas não conseguem esconder a surpresa.
Jacqueline, 13, ficou tímida perto dos cavalos, mas pediu para montar em um deles. Em casa, ela tem uma cachorrinha, chamada Pérola, e três gatos. "A gente não tinha bicho em casa, mas por causa dela a gente adotou, ajuda bastante", conta Cleide, mãe da paciente. Pérola foi adotada depois que Jacqueline foi diagnosticada com leucemia em 2018.
Pietro, 11, recebeu o mesmo diagnóstico de Jacqueline há pouco mais de duas semanas. Em casa, ele já tinha um cachorrinho, um pug de dois anos chamado Simon. Animado com os pôneis, Pietro quis montar e segurou um pote de comida para que eles pudessem se alimentar.
Bichos terapeutas
A terapia assistida por animais é uma modalidade de terapia já conhecida pela medicina há algum tempo e que tem eficácia comprovada pela ciência. Usualmente, ela é aplicada em pacientes com distúrbios de desenvolvimento, deficiências físicas, casos de autismo, mas são poucos casos de aplicação em pacientes com doenças crônicas, segundo Patrícia Consorte, coordenadora da UTI do Itaci.
"O ser humano tem uma ligação muito forte com os animais, pessoas que têm bichos por perto têm um senso de felicidade maior, então quisemos resgatar isso para as crianças com câncer", explica. "Aqui tem crianças que vêm fazer quimioterapia no ambulatório, tem crianças que ficam internadas. Elas ficam muito desestimuladas", conta. Mas, desde que Nemo e Caramelo começaram a visitar os pacientes, os médicos viram a animação nos olhos das crianças.
Os animais conseguem interagir pacientemente com as crianças —e até alguns adultos que se impressionam com eles e brincam— por cerca de duas a três horas. "Eles estão acostumados com pessoas, porque 'dão aula' de equitação", conta Lilian Fernanda Chateau, gestora da Escola de Equitação da Sociedade Hípica Paulista.
Os pôneis são transportados da hípica até o Itaci em trailers e precisam de uma equipe numerosa para garantir o bem-estar dos animais. Se eles não estiverem bem, não conseguem realizar o "atendimento". "Antes de iniciar o projeto com as crianças de fato, fizemos testes sem elas aqui no hospital para ver como os animais iam se comportar neste espaço", diz Chateau, que cuida da aplicação da equoterapia na própria hípica.
"É um método terapêutico que usa o cavalo e o ambiente equestre para o desenvolvimento e tratamento de pessoas com deficiência", explica Chateau. O movimento do cavalo é aplicado em sessões de reabilitação física, e a montaria é usada para fortalecer a autoestima dos pacientes.
Produção de endorfina
Segundo Consorte, muitos estudos mostram que as pessoas produzem endorfina quando estão em contato com animais. "Isso diminui o nível de estresse, os níveis de cortisol", diz Consorte. "As mães relatam que os filhos sorriem, comem melhor, aceitam a fisioterapia, a comunicação com a equipe de atendimento melhora", avalia. Além de cavalos, as crianças do Itaci também fazem terapia com cachorros periodicamente.
A primeira experiência de terapia com animais no Itaci foi feita pelo próprio diretor do hospital, Vicente Odone, que levou sua própria cachorra para brincar com os pacientes. "É uma terapia fantástica", avalia o oncopediatra.
"Tudo o que você puder fazer para a criança se sentir parte de uma vida que ela nunca deveria ter deixado de ter é tão importante quanto qualquer remédio", diz Odone. A terapia com animais, segundo ele, é uma tentativa de remeter os pequenos pacientes a uma normalidade que a doença afasta.
Segundo Odone, a maioria das crianças ali tem o diagnóstico de leucemia, que corresponde de 30% a 35% dos casos de câncer infantil. "É uma doença rara em crianças, corresponde de 2% a 4% dos casos de câncer em todas as idades", diz o médico.
"Normalmente, em adultos, o câncer atinge um órgão, você opera e remove o tumor, mas nas crianças normalmente surgem cânceres disseminados, que atingem o organismo como um todo, por isso é preciso fazer quimioterapia", afirma Odone. "Mas crianças são mais resistentes e tolerantes", diz.
A médica conta que a rotina das crianças com câncer dentro do hospital é muito estressante: elas passam por exames e medicação o tempo todo, têm dificuldade de se alimentar, precisam passar por jejuns e ficam muito tempo isoladas em um quarto de hospital. Os sentimentos negativos das crianças durante o tratamento afetam também os médicos e a família.
"Tratar um câncer infantil é muito mais difícil, porque tem todo o sofrimento da família junto. Não é fácil aceitar que uma criança fique assim doente, mesmo que elas sejam mais resilientes do que os adultos, é chocante ver o sofrimento da criança e da família", diz Consorte.
No começo, as famílias ficavam preocupadas e se assustavam com a possibilidade de as crianças se machucarem com os animais, mas agora os próprios adultos já criam expectativas para o dia da poneiterapia. "Virou tradição", diz o diretor do hospital.
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