'Bebi 10 litros de água': ele descobriu diabetes aos 19 e hoje faz Ironman
Alexandre Paiva tinha 19 anos quando foi diagnosticado com diabetes tipo 1 —o estresse e a tensão no período pré-vestibular teriam sido o gatilho para ele desenvolver a doença. Diante da nova realidade, o engenheiro de produção de Santos (SP) adotou novos hábitos saudáveis e se tornou um triatleta amador de alta performance, classificando-se para disputar o mundial de Ironman no Havaí. A seguir, ele conta como cuida do corpo e não deixa a doença impor limites à sua vida:
"Aos 19 anos, comecei a faculdade de engenharia de produção na Universidade Federal do ABC, em Santo André (SP) —como moro em Santos, subia e descia a serra diariamente. Teve um dia durante o trajeto de ida que pedi ao motorista da van para parar cinco vezes na estrada para poder urinar. Na madrugada, não consegui dormir bem porque acordava toda hora para fazer xixi. Além disso, sentia uma sede insaciável. Eu, que bebia, em média 1,5 litro de água por dia, tomei 10 litros.
No segundo dia de sintomas, fui ao hospital e constataram que a minha glicemia estava alta. Fiz um exame de sangue e o resultado foi surpreendente: o nível de glicose (açúcar) no sangue estava em 650 mg/dl —o valor considerado normal é 99 mg/dl. O médico que me atendeu comentou que isso era um forte indício de diabetes e me orientou a procurar um especialista.
Após 10 dias, quando foi confirmado o diagnóstico da doença pelo endocrinologista, eu já tinha emagrecido 5 kg. O médico me deu as orientações básicas do tratamento e disse para eu me cuidar, pois a condição poderia causar sequelas graves como cegueira, problemas no coração e amputação.
Assustados, meus pais e eu decidimos consultar também outra especialista. Ao ouvir a minha história, a endócrino explicou que possivelmente o estresse que eu passei durante os dois anos de período pré-vestibular foi um gatilho para eu desenvolver o diabetes tipo 1 (explicamos a relação no fim da reportagem).
Na época, estava terminando o ensino médio e fazendo cursinho, existia uma pressão dos meus pais para eu entrar em uma universidade pública. Eles se sentiram culpados por isso, mas não os responsabilizo pelo que aconteceu, eles só queriam o melhor para mim.
Desde o início, tive uma boa adesão ao tratamento e adotei hábitos essenciais para controlar o diabetes. Meço a glicemia antes das refeições, tomo insulina e tenho uma alimentação saudável. Reduzi o consumo de alimentos e bebidas açucaradas e aumentei a ingestão de frutas, verduras e legumes.
Nunca me revoltei nem me privei das coisas por ter a doença, mas passei por um processo de autoconhecimento e amadurecimento. Nas festas da faculdade, por exemplo, eu ia, me divertia, bebia cerveja com meus amigos, mas não exagerava, sempre media a glicemia antes e depois para saber o meu limite.
Com o passar do tempo, pesquisei o que poderia fazer para ter mais qualidade de vida. Foi aí que o esporte, que já fazia parte da minha rotina desde criança, tornou-se um grande aliado e uma chave virou dentro de mim.
Em 2017, aos 27 anos, criei um desafio pessoal e coloquei na cabeça que queria me tornar um triatleta, um dia fazer um Ironman —prova de longa distância, em que é preciso nadar cerca de 3,8 km, pedalar 180 km e correr 42 km.
Eu já fazia musculação, natação e corrida regularmente e participava de competições no mar e de provas de ruas, mas faltava incluir o pedal na rotina. Comprei uma bicicleta e comecei a treinar duas vezes por semana, das 4h30 às 6h, em uma avenida na praia que fica fechada para carros e é liberada para ciclistas.
Dois meses depois, participei do meu primeiro triatlo, na distância "sprint", considerada a mais curta (750 m de natação, 20 km de bicicleta e 5 km de corrida). Fiquei em 8º lugar e percebi que, se eu treinasse mais, poderia estar entre os cinco primeiros que sobem ao pódio. Então, passei a ter uma rotina de treinos disciplinada.
Cuidados durante treinos e competições
A médica me liberou para praticar o esporte, a única recomendação dela era que eu medisse a glicemia antes e depois de cada atividade física. Além disso, iniciei um acompanhamento com uma nutricionista que me indicava a dieta e suplementação para ter uma melhor performance.
Por ter diabetes, preciso ter sempre comigo uma fonte de energia de rápida absorção —um refrigerante, um isotônico, um carboidrato em gel, por exemplo.
Já tive vários episódios de hiperglicemia e hipoglicemia durante os treinos e competições.
Quando a glicemia está muito alta, consigo tolerar melhor aos sintomas, a dor no corpo e o cansaço excessivo. Quando a glicemia está muito baixa, sinto uma fraqueza que chega a ser paralisante, mas faço um esforço para chegar na fase de transição para outra modalidade, por exemplo, da natação para a bicicleta. Aproveito essa pausa para medir a glicemia de novo e ingiro um gel de carboidrato ou tomo um refrigerante, para subir o nível de glicose. Eu me restabeleço e continuo a prova até concluí-la. Não desisto.
Homem de ferro
Em 2019, comecei minha preparação para o Ironman. A rotina de treinos tornou-se ainda mais intensa: treinava, em média, 15 horas por semana, divididas entre natação, corrida, bike e pilates.
Eu me sinto muito bem física e mentalmente. O esporte me ajuda a ter foco, disciplina e dedicação em todas as áreas da minha vida.
Em três anos, tive grandes conquistas. Fiquei em 5º lugar no Ironman Brasil 2019 na minha categoria. Em 2021, fui vice-campeão do Ultraman Brasil, conquistando o título de primeiro atleta com diabetes do país e segundo no mundo a completar um ultratriatlo —a competição é disputada durante três dias e os atletas fazem 10 km de natação e 145 km de pedal no primeiro dia; 276 km de bike no segundo dia; e 84,4 km de corrida no terceiro e último dia.
Também fui escolhido duas vezes o atleta do ano pela Sociedade Brasileira de Diabetes. Fui vice-campeão do Ironman Brasil 2022 na minha categoria, fiz os 3,9 km de natação, 180 km de ciclismo e 42,2 km de corrida em 8 horas e 55 minutos.
O feito me rendeu uma vaga no mundial de Ironman e, agora em outubro, representarei o Brasil na competição disputada no Havaí (EUA).
Tenho um lema que é: o diabetes só me faz forte. Se não fosse pela doença, não teria adotado os bons hábitos nem chegado aonde eu cheguei como atleta e profissional.
Espero que a minha história possa inspirar outras pessoas com diabetes ou não, e que elas entendam que nós impomos nossos limites, não a doença."
1 - Estresse pode causar diabetes?
Segundo Denise Franco, endocrinologista, segunda secretária da Diretoria da SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), diretora do Instituto Correndo pelo Diabetes e pesquisadora do CPCLIN/Dasa (Centro de Pesquisa Clínica da Dasa), em qualquer situação de estresse, o organismo interpreta que há necessidade extra de açúcar (glicose) para ter energia para "fugir ou lutar" contra o perigo. Assim, uma série de hormônios são liberados e, consequentemente, temos a elevação da glicemia. Esse aumento do açúcar no sangue também é seguido da elevação nos níveis do hormônio insulina, que coloca a glicose para dentro da célula.
O diabetes tipo 1 é uma doença autoimune, ela não se instala no exato momento em que a pessoa está estressada, mas o estresse pode ser um gatilho, isto é, um fator desencadeante para o desenvolvimento do diabetes tipo 1 em pessoas que já têm pré-disposição genética para a doença. No entanto, é importante ressaltar que nem todo indivíduo estressado terá diabetes tipo 1.
No caso de pessoas que já têm diabetes e passam por um episódio de estresse, pode ocorrer um aumento do açúcar no sangue e será necessário mais insulina para poder compensar a glicemia.
2 - Quais cuidados uma pessoa com diabetes precisa ter ao treinar?
É fundamental a pessoa levar o glicosímetro e monitorar a glicemia antes, durante e após a atividade física, para evitar a descompensação durante o treino e praticar o exercício de forma segura. O monitoramento ajudará o indivíduo a se conhecer melhor e a fazer os ajustes necessários da dose de insulina, baseado no exercício que fará.
A dose de insulina tem de ser ajustada para o tipo de atividade que será realizada e também é importante avaliar o que a pessoa vai comer antes, durante e após o treino. Segundo a endocrinologista Denise Franco, é recomendado sempre garantir um aporte de carboidrato caso a pessoa tenha um episódio de hipoglicemia durante a atividade física.
3 - Quais os cuidados ao disputar provas muito longas, como maratonas e o Ironman?
Em provas mais longas, é fundamental a pessoa se preparar, conhecer o percurso para ter noção da necessidade de insulina, do consumo/aporte de carboidrato e de hidratação.
Em um Iroman ou numa maratona, qualquer indivíduo, com diabetes ou não, precisará se alimentar durante o trajeto. Mas, no caso de quem tem a doença, a pessoa terá de monitorar a glicemia de forma frequente e fazer os ajustes dependendo do nível da glicose. Franco diz que, muitas vezes, pode ser necessário tomar insulina durante a prova, embora a recomendação seja utilizá-la antes ou depois da atividade. física.
4 - A atividade física interfere na glicemia?
Interfere. Especificamente no diabetes tipo 1, há uma melhor eficácia da insulina quando a pessoa realiza atividades físicas. Em exercícios aeróbicos, a orientação é que o paciente esteja com, pelo menos, 150 mg/dl de glicemia antes de iniciar o exercício.
Outro ponto é que, inicialmente, os exercícios resistidos (musculação, por exemplo) podem provocar uma elevação da glicemia. Isso ocorre porque são usadas diferentes fontes de energia nos exercícios aeróbicos em comparação aos resistidos. Sendo assim, a atividade física pode tanto elevar quanto baixar a glicemia. É por isso que o monitoramento da glicemia e o suplemento de carboidratos durante as atividades físicas são fundamentais.
5 - Quais os benefícios do esporte para pessoas que têm diabetes tipo 1?
O esporte melhora a saúde mental e deixa o indivíduo mais feliz, aumenta a eficácia da insulina, diminui o risco de obesidade, reduz o risco de depressão, possibilita um melhor relacionamento e troca de experiência com outras pessoas. O paciente com diabetes pode e deve fazer exercício físico. Para isso, é importante ele contar com o apoio médico e de equipe interdisciplinar para garantir que faça as atividades de maneira segura.
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