Olhares matadores: 'Sempre ligam HIV a travesti, nunca a homem branco cis'
No mês em que se celebra o Dia Mundial da Luta contra a Aids, a MTV lançou no dia 1º de dezembro a terceira temporada da série "Deu Positivo", um doc-reality que mostra de perto a realidade de pessoas que vivem com HIV. A reportagem de VivaBem conversou com quatro participantes da atual edição. A segunda temporada está disponível na Globoplay.
'Nosso maior problema é o preconceito da sociedade'
Juntos há cinco anos, o product owner Romulo Amorim, 26, e a professora de dança Eva Amorim, 33, que é travesti, são um casal sorodiferente, isto é, quando um vive com o vírus e o outro não.
"Algumas pessoas acham que por eu ser travesti, quem vive com HIV sou eu. Nunca associam a um homem branco cis. Já passamos por situações assim. Infelizmente, viver um relacionamento com uma pessoa trans e o estigma HIV/Aids é pesado. Os olhares são matadores", afirma Eva.
Em 2017, Romulo descobriu a sorologia aos 21 anos após fazer um teste de HIV no início do namoro com Eva. Ele diz que ficou mais preocupado com a possibilidade de ter transmitido o vírus para ela do que com a sua própria saúde.
"Fiquei com medo de perdê-la, mas contei a notícia assim que soube. Ela tinha o direito de saber com quem estava se relacionando e a decisão de continuar ou não comigo deveria ser dela", conta ele, que também é professor de zumba.
Ao saber do diagnóstico positivo do namorado, Eva diz que temeu ter contraído o vírus e que ela própria tinha preconceito em relação ao HIV por desinformação. "Fui praguejada várias vezes por familiares que, pelo fato de ser travesti, disseram que iria morrer de Aids. Mesmo com medo, decidi ajudar o Romulo e entendi que seria uma oportunidade de aprender mais sobre o assunto", relembra a professora, que fez vários testes de HIV e todos deram negativo.
Segundo Romulo, o apoio de Eva foi fundamental para iniciar o tratamento. No entanto, ele diz que a falta de conhecimento do casal sobre o tema no início do diagnóstico fez com que criassem alguns "hábitos drásticos de prevenção", como evitar se beijar quando ele apresentava sangramento na boca causado por algum corte devido ao uso de aparelho dentário.
"Hoje sabemos que essa questão do beijo foi um exagero, mas eu não tinha emocional de a Eva ter um diagnóstico positivo para HIV", relembra Romulo, que hoje tem carga viral indetectável e não transmite o vírus.
Com mais informações sobre o tema, o casal afirma que hoje o HIV é apenas um detalhe na vida deles. "Pretendemos ficar juntos para sempre, ter filhos e comprar uma casa. Nosso maior problema é em relação ao preconceito da sociedade. Temos uma vida perfeitamente normal e muito mais saudável comparado a muitas pessoas que não vivem com HIV", diz Eva.
Gays, negros e vivendo com HIV: o que une Vinícius e Matheus
Quando se conheceram, em 2016, o publicitário Vinícius Gomes da Silva, 24, e o assistente de atendimento Matheus Sena Cruz, 24, chegaram a ficar algumas vezes, mas o relacionamento amoroso não vingou e afinidade entre eles se transformou em uma amizade de irmãos.
Vinícius conta que Matheus foi a primeira pessoa a quem contou do diagnóstico positivo de HIV em 2019, aos 21 anos. "Fiquei assustado. Assim que saí do posto mandei mensagem para o Matheus e passamos o dia conversando. Ele foi minha rede de apoio e referência desde o início da minha sorologia", diz o produtor artístico executivo.
Diferentemente do amigo, Matheus não contou para ninguém —nem para os pais— quando foi diagnosticado com HIV em 2014, aos 16 anos. "Senti um soco no estômago, não esperava."
Depois de um tempo, no entanto, o jovem passou a falar abertamente sobre sua sorologia no seu ciclo social e nas redes sociais, ao entender que só assim poderia se ajudar e auxiliar outros que viessem a ter a mesma condição que ele.
Segundo Vinícius, a amizade dos dois se fortaleceu da troca de experiências enquanto gays negros vivendo com HIV. "Somos atravessados pela sorofobia, racismo e homofobia. Muitas vezes somos vistos como ameaça, ainda existe o medo de se relacionar com pessoas positivas. Também entendemos que o racismo faz parte da manutenção da epidemia de Aids no Brasil. Os acessos aos serviços de saúde e métodos de prevenção não chegam da mesma forma para todos, sendo mais difícil para pessoas pretas e periféricas", afirma o publicitário.
Com seis anos de amizade, Matheus diz que é muito bom se sentir escutado e ter alguém para conversar que entende suas questões. "A gente tem um ao outro", comenta.
De acordo com eles, ter com quem trocar informações sobre a rotina de consultas, vacinas, cuidados, angústias, alegrias e tudo o que cerca as pessoas que vivem com HIV faz toda diferença para o tratamento, para lidar com o vírus e, principalmente, para a saúde mental.
Matheus diz que atualmente sua maior preocupação em ser alguém com HIV é em relação às políticas públicas e aos cortes de verbas do governo federal nos programas de combate ao vírus. "Quero me cuidar, me tratar e ter uma vida saudável, porém dependo do SUS."
Já para Vinícius, lidar com o estigma ainda é um dos maiores desafios. "A forma como a maioria das pessoas enxerga o vírus e quem vive com ele é retrógrada. Graças à ciência tivemos avanços na prevenção e no tratamento, mas o vírus social, que impera no imaginário das pessoas, precisa evoluir. O Estado tem um papel importante nesta desconstrução através de políticas públicas, educação sexual nas escolas, campanhas midiáticas e informação de modo geral."
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