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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ela conta como é nascer com HIV: 'Interditaram a piscina em que entrei'

Jennifer Besse, ainda criança, antes de saber que tinha HIV, e atualmente, vivendo nos EUA - Arquivo Pessoal
Jennifer Besse, ainda criança, antes de saber que tinha HIV, e atualmente, vivendo nos EUA Imagem: Arquivo Pessoal

Maurício Businari

Colaboração para VivaBem

05/04/2023 04h00

Conviver com a descoberta de ter HIV não é nada simples. Ainda mais quando se é criança, vivendo nos anos 1990. Foi o que aconteceu com a professora de francês Jennifer Besse, hoje com 33 anos, infectada com o vírus ao nascer.

Aos 7, após a morte da mãe, causada por complicações decorrentes da Aids, ela soube pelo pai que tinha o vírus, mas era incapaz de compreender ainda o que isso significava.

Apesar de não entender direito o que acontecia, Jennifer teve de aprender muito cedo o que é conviver com o preconceito, às vezes no próprio ambiente familiar. Ela não podia usar colares, brincos e pulseiras das primas e elas também não podiam usar suas roupas.

"Eu não entendia por que faziam aquilo comigo", contou, em entrevista a VivaBem.

"Perdi minha mãe quando ela tinha 32 anos. A necropsia constatou que ela havia morrido por complicações da Aids. Fizemos os exames, que para meu pai deram negativo. Mas, para mim, não", lembra ela.

"Quando ele me contou, disse algo como 'você tem de tomar muito cuidado porque tem uma doença contagiosa, que pode pegar nos outros'. Foi aí que começou a minha história. Eu nasci com HIV."

À medida que crescia, Jennifer foi submetida a experiências cada vez mais desagradáveis.

Certa vez, na casa de amigos da família, viu a piscina da residência ser interditada pela dona da casa pelo fato de ela ter entrado para nadar. "A mulher ainda trocou a água durante a semana. Foi uma sensação horrível, eu me sentia péssima."

A professora, em dois momentos: com a mãe, durante a infância, e atualmente, com o namorado, Guilherme - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A professora, em dois momentos: com a mãe, durante a infância, e atualmente, com o namorado, Guilherme
Imagem: Arquivo Pessoal

Assim, a professora, nascida em 1989, menos de uma década após o surgimento do primeiro caso, foi crescendo com a ideia de que HIV era sinônimo de morte.

A angústia e a depressão que começavam a se manifestar se agravaram. E a revolta contra a mãe, que morreu aos 32 anos sem saber que era soropositiva, também.

Aos 19 anos, Jennifer decidiu morar com a avó paterna em Orsières, uma cidadezinha nas montanhas da Suíça, com pouco mais de 3 mil habitantes. Como fazia tratamento, embarcou com um suprimento de remédios para alguns meses.

No terceiro mês, porém, os medicamentos acabaram, e ela recorreu a um grupo de apoio para obtê-los naquele país, sem precisar importar do Brasil — o que já havia se revelado um grande entrave burocrático.

Minha avó tinha câncer no estômago em estado terminal. Então eu a ajudava em tudo o que podia. Porém, quando ela soube que eu havia entrado em contato com um grupo de apoio local, o tratamento dela comigo mudou

"Um dia cheguei em casa e ela estava chorando muito. Quando perguntei o que ela tinha, ela me disse que eu deveria parar de contatar o grupo de apoio. Ela falou: 'Se alguém daqui descobrir que você tem HIV, eu me mato'", conta a professora.

Jennifer, ainda bebê, no colo da avó paterna, que mora na Suíça, e ao lado dos pais - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Jennifer, ainda bebê, no colo da avó paterna, que mora na Suíça, e ao lado dos pais
Imagem: Arquivo Pessoal

"Eu acredito que essa foi a primeira vez que tive um choque de realidade a respeito da doença. Ouvir minha avó dizendo aquilo para mim foi muito difícil. Eu fiz as minhas malas e voltei para o Brasil", conta Jennifer.

"A partir daí, já não queria continuar o tratamento. Eu queria morrer, já não tinha mais nenhuma esperança de que valesse a pena continuar vivendo em uma sociedade tão cruel."

Além de não tomar a medicação — que à época era uma formulação que provocava muitos efeitos colaterais —, Jennifer se entregou à influência de "más companhias".

Começou a usar drogas pesadas. Levava uma "vida louca". Um dia, seu médico a chamou para uma conversa séria. Ele disse que a quantidade de cópias do vírus tinha chegado a 4 milhões por mililitro e suas células de defesa, a quase zero.

Foi um segundo choque de realidade. Mas eu já não me importava. Eu queria mesmo era morrer, deixar para trás todos os traumas, tristezas, o sofrimento

Em 2014, esse médico tentou salvá-la mais uma vez. "Ele me convidou para participar de um estudo com um medicamento novo, em fase de pesquisa."

Nesse tempo, a professora conheceu o atual namorado, Guilherme Palma, que soube por um médico de um pronto-socorro que ela tinha HIV. Jennifer havia procurado atendimento para curar uma pneumonia e o médico acabou revelando a Guilherme o que ela tinha.

"Eu soube porque quando voltamos para casa decidi contar para ele o que estava acontecendo. Sempre tomei precauções para que ele não corresse riscos, mas mesmo assim decidi contar. Foi aí que descobri que ele já sabia, que o médico tinha contado, o que me deixou com muita raiva, pois isso é quebra de privacidade", lembra Jennifer.

"Achei que o Guilherme ia me deixar por causa disso, mas a reação dele foi exatamente o oposto. Estamos juntos há nove anos", conta.

Esperança renovada

A partir daí, a esperança da professora se renovou. Os novos medicamentos não tinham tantos efeitos colaterais e o carinho e a compreensão do namorado — que não tem o vírus — a fizeram seguir em frente.

Pouco mais de um ano e meio depois, sua carga viral estava indetectável, o que significa que ela já não transmite mais o HIV. O número de cópias do vírus caiu de 40 milhões para 40 por mililitro.

Junto com o medicamento experimental, passei a recorrer ao óleo de canabidiol para lidar com alguns efeitos colaterais, como náuseas e vômitos, combater a ansiedade e a depressão. Fui me transformando. Minha vontade de viver voltou com força máxima e eu passei a querer ajudar outras pessoas que enfrentaram problemas parecidos com os meus

Foi assim que Jennifer criou a comunidade Club Mermaids (Clube das Sereias, em inglês) e o projeto Sereia Sathiva. O primeiro é um grupo de apoio que reúne 38 mulheres com HIV que, como ela, enfrentaram o medo da morte e o preconceito da sociedade.

Já o projeto busca financiamento para facilitar o acesso ao canabidiol às pessoas com HIV.

Para poder falar sobre o assunto livremente, ela obteve um habeas corpus na Justiça. Graças à liberação da Justiça, também ganhou aval para plantar cannabis para consumo próprio, segundo afirma.

"O Universo me deu uma nova chance."

O que é HIV

  • HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana. Ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças.
  • O vírus pode ser transmitido por meio do sexo sem camisinha, compartilhamento de seringa, da mãe infectada para seu filho durante a gravidez, no parto e na amamentação.
  • A transmissão NÃO ocorre por beijos, abraços, apertos de mão, compartilhamento de toalhas, talheres nem pelo uso da mesma piscina.
  • O tratamento é feito por meio de medicamentos antirretrovirais, que impedem a multiplicação do HIV no organismo e ajudam a evitar o enfraquecimento do sistema imunológico.
  • Ainda há poucas evidências sobre o uso do canabidiol em pessoas com HIV, mas estudos indicam potencial de melhora em efeitos colaterais.