'Acordei e não queria trabalhar': ex-repórter da Globo relembra burnout
O jornalista Marco Aurélio Souza já trabalhava havia quase 20 anos na TV Globo quando, em uma manhã, acordou sem vontade de cumprir a rotina. Era começo de 2022 quando o repórter sentiu os primeiros sintomas da síndrome de burnout, um transtorno relacionado ao excesso de trabalho ou a situações nocivas naquele ambiente.
"Tinha uma pauta naquele dia, mas acordei decidido a não ir trabalhar. E realmente não fui. Liguei para os chefes e informei. Mas depois que verbalizei, a coisa foi piorando. Uma chave virou", lembra.
Hoje, aos 47 anos, Marco explica que duas coisas não saiam da sua cabeça. A primeira era uma certeza: "Nunca mais quero fazer isso. Algo forte mesmo de dizer". A segunda era uma dúvida: "Mas vou fazer o quê?".
Era como se tivesse um anjo e um diabo, um de cada lado. Uma das piores sensações: quando você não quer mais fazer algo que ainda ama. Marco Aurélio Souza
O jornalista acabou comentando com amigos próximos sobre seus sentimentos e, com isso, conseguiu a indicação de uma psiquiatra. Logo na primeira consulta, ficou mais de 1h conversando com a médica que, mais tarde, Marcos descobriu que era especializada em burnout.
O que é burnout? Quais são os sintomas?
A síndrome consiste em uma espécie de estresse crônico e de maior gravidade relativa ao contexto de trabalho. Ela se caracteriza por três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e baixo sentimento de realização.
Abaixo, veja 10 sintomas mais comuns do problema:
Exaustão emocional
Despersonalização
Baixo sentimento de realização
Ansiedade
Isolamento
Sintomas físicos (dores musculares, cefaleias e enxaqueca, problemas gastrointestinais, tontura, entre outros)
Alterações no apetite
Irritabilidade
Dificuldade de concentração/ esquecimento
A "benção" da terapia
A primeira coisa que a médica quis tratar foi o sono de Marco. Ele acordava cada dia em um horário diferente: às vezes, ia fazer a cobertura de jogos à noite e, no dia seguinte, estava em uma coletiva de imprensa logo pela manhã. O sono dele era uma bagunça —um hábito que pode causar grandes impactos na saúde.
Além disso, Marco tinha sintomas de depressão e ansiedade: alternava entre ficar nervoso pensando no trabalho do dia seguinte e, em outros momentos, ficava "remoendo" o ontem.
Alternava dias de muito prazer, com dias de nenhum prazer. Não tinha uma 'média', ou era muito bom ou era muito ruim. Marco Aurélio Souza
Para seguir no tratamento do burnout, diagnóstico que recebeu da psiquiatra, o jornalista ficou quase três meses afastado da Globo —uniu licença médica com férias que estavam vencidas.
Nesse período, também começou a fazer terapia, e não tirava uma ideia da cabeça: "Por que estou sentindo isso agora? Meu trabalho era algo que eu gostava e sentia tanto prazer em fazer".
Foi aí que as medicações e a terapia entraram como "uma bênção" na vida do jornalista.
Como é bom fazer terapia. Tive grandes descobertas com isso e foi assim que percebi que tinha que mudar, tomar uma decisão. Marco Aurélio Souza
Trabalho é uma coisa, a vida, outra
Marco disse que achava natural misturar a vida pessoal com o trabalho. Dizia com frequência que o trabalho dava tanto prazer que nem parecia trabalho. "Mas de todas as lições que tive desse evento, uma delas foi aprender que trabalho é uma coisa e a vida é outra."
Quando a gente mistura trabalho com a vida, corremos o risco de deixar coisas importantes da vida de lado. Hoje falo com a maior tranquilidade sobre o processo, mas foi muito difícil. Marco Aurélio Souza
Quando voltou à rotina, seguiu por mais seis meses na TV Globo. Em dezembro do ano passado, o jornalista pediu demissão da emissora, de forma amigável, segundo ele. Sabia que poderia encontrar prazer na profissão de outra forma. Foi um processo longo, de muitas reflexões.
Profissões mais suscetíveis
Qualquer profissional pode ter burnout, mas existem algumas profissões relacionadas a maior risco, como:
Profissionais de saúde e assistência social
Forças policiais e de segurança
Bombeiros
Professores
Bancários
Jornalistas e pessoas com dupla jornada de trabalho
Novos ares
Algo que ajudou Marco nesse processo foi quando ouviu de seu terapeuta que ele não tinha um emprego, mas uma carreira.
Foram 18 anos de Globo, fiz tudo que um repórter poderia fazer. Foi quando ele disse que eu não tinha um emprego, mas sim uma carreira. Nunca tinha escutado isso. Foi como receber um abraço. Marco Aurélio Souza
A partir disso, o jornalista começou a traçar planos. Atualmente, faz conteúdo para as redes sociais. Um dos "quadros" foca em música —uma das paixões de sua vida desde que era mais jovem. Ainda adolescente, ele adorava tocar bateria e, nesse processo todo após o burnout, resgatou o hábito.
"Comecei a tocar bateria aos 16 anos, quando ainda morava em Porto Alegre, mas chegou o vestibular e parei de tocar. Na primeira semana que estava mal, após diagnóstico de burnout, acabei comprando uma bateria eletrônica para tocar em casa. Fiquei me perguntando por que não tinha feito isso há 20 anos", conta.
O jornalista também está escrevendo um livro com o jogador Jakson Follmann, um dos sobreviventes do acidente da Chapecoense. Além disso, dá cursos e palestras sobre o que ocorreu nos últimos anos. O nome de uma delas é "Se apaixone pelo trabalho, mas ame a vida" —que agora virou um lema para ele.
Na rotina de Marco entrou a prática constante de atividade física, terapia "para sempre" e mais tempo para curtir a vida, que vai muito além do trabalho.
Sempre que toco no assunto, as pessoas me mandam mensagem dizendo que conhecem alguém ou já passaram por isso. Muitas têm vergonha de falar que estão se tratando ou tomando medicações. Por isso que é importante falar. Se alguém ler o que passei e for buscar ajuda, a gente já ganhou o jogo. Marco Aurélio Souza
Tratamento do burnout
Na fase inicial, é possível tratar com psicoterapia e melhorias das condições de trabalho.
Quando já existe uma evolução do quadro, pode haver a necessidade de uso de medicamentos, principalmente para melhorar a energia, o humor e o sono.
Mudanças no estilo de vida também são fundamentais para um tratamento bem-sucedido, como a prática de exercício físico.
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