Encefalite viral: ele ficou tetraplégico após picada de mosquito
Roseane Santos
Colaboração para VivaBem
04/09/2023 04h13
Diego Marinho, redator de marketing, 40, ficou tetraplégico depois de uma encefalite viral. Contrariando o prognóstico médico, ele já conseguiu dar seus primeiros passos e tem uma rotina intensa de atividade física. Abaixo, ele conta sua história:
"Em 2018, viajei a trabalho para Curitiba e Ribeirão Preto (SP). Acordei uma madrugada com muita sede. Cheguei ao Rio de Janeiro, onde moro, em uma sexta-feira, fui para o trabalho, busquei minha filha na creche e voltei para casa. Estava cansado, pensei que era gripe e que passaria logo.
No sábado, minha mão esquerda tremia muito. Meu braço começou a doer. Fui para o hospital, passei por uma bateria de exames e me sedaram por conta das fortes dores.
No dia 4 de agosto, apaguei e não me lembro de mais nada. Fiquei 15 dias em coma, mais duas semanas no CTI e 20 dias no quarto.
No início, suspeitaram de tétano, mas era uma encefalite viral. Passei por vários exames até descartarem que não tinha vírus de doenças como sífilis ou herpes.
Os médicos acreditam que fui picado por algum inseto. Descobri que é possível um vírus ser transmitido dessa forma, por meio de picadas de mosquito, pulga ou carrapatos, quando eles atacam animais ou pessoas infectadas.
Nesses casos, pode haver febre, mal-estar e dor de cabeça. Tive tudo e ainda espasmos na mão esquerda, que é a região mais afetada até hoje. Perdi a sensibilidade e todos os movimentos, coordenação motora fina e fala. Fiquei três meses com traqueotomia e quatro com sonda alimentar.
O diagnóstico veio e apontou que estava tetraplégico.
O neurologista disse que eu tinha seis meses pra conseguir ganhos. Só que ele estava errado. Para muitos, o meu progresso é inacreditável.
Com a fonoaudiologia, voltei a me comunicar, recuperei muito da minha força, equilíbrio e a coordenação da mão direita, consegui ficar de pé e já arrisco até alguns passos com o auxilio de alguém.
Faço fisioterapia, pilates e musculação. Consigo me exercitar no pedal portátil por 30 minutos todos os dias. Acho que vou conseguir andar, mas não vai mudar a minha vida completamente, porque vou continuar dependendo da ajuda dos outros e serei para sempre uma pessoa com deficiência.
Gostaria de aproveitar tudo que passei para fazer algo diferente, ajudar as pessoas e deixar um legado. Acredito que a escrita será o meio de fazer isso."
Caso raro
Isabella Albuquerque, coordenadora do Serviço de Higiene e Controle de Infecção Hospitalar do Hospital São Vicente de Paulo (RJ), explica que as encefalites virais são infecções do parênquima cerebral (tecido do cérebro) causadas por vírus.
Essa infecção pode causar alterações do estado mental, motoras ou sensitivas, paralisias, modificações no comportamento, da fala e convulsões.
Inúmeros vírus podem causar esse tipo de infecção, como:
- HSV (vírus da herpes simples)
- VZV (vírus varicela-zóster, da catapora)
- EBV (vírus Epstein Barr, da mononucleose)
- HIV
- os arbovírus (vírus causadores da zika, chikungunya, dengue, febre amarela e febre do Nilo ocidental)
- vírus do sarampo, da caxumba e da rubéola, entre vários outros
Mestre em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, a médica afirma que a transmissão se dá de várias formas, seja pelo contato direto com pessoas infectadas (herpes simples, catapora), seja através de gotículas eliminadas pela tosse ou espirro (rubéola, caxumba) ou até mesmo pela picada de mosquitos e outros artrópodes —caso mais raro, como aconteceu com Diego.
Em geral, o período de incubação dessas encefalites (período entre o contato ou a picada e o aparecimento dos sintomas) pode ser de até 14 dias.
O diagnóstico começa pelo próprio quadro clínico, anteriormente citado, que sugere fortemente a encefalite, e é complementado por outros exames, como ressonância magnética, eletroencefalograma, coleta do líquor (líquido que corre entre o cérebro e a medula espinhal) e testes de biologia molecular para a identificação do agente causador.
As complicações variam conforme o vírus envolvido, ou seja, o paciente pode se recuperar rapidamente, sem sequelas, como também pode evoluir com danos mais sérios e permanentes.
A encefalite pelo vírus do herpes simples, por exemplo, se não tratada adequadamente, pode levar à morte em 20% dos casos e menos de 10% dos sobreviventes seguem sem deficiências neurológicas e/ou cognitivas.
Recuperação e tratamento
O neurocirurgião Guilherme Rossoni explica que o caso de Diego foi de uma grave infecção viral no sistema nervoso central e isso pode ocasionar destruição dos neurônios por vários fatores.
O grau de disfunção neurológica e as sequelas dependem do mecanismo e do tempo de duração da lesão cerebral.
Existia uma teoria nas neurociências de que o cérebro, os nervos e medula não eram capazes de se regenerar. Isso mudou nos últimos anos. Hoje, estudos de forte evidência científica apontam que essas estruturas têm sim certo grau de regeneração celular, mas que é uma taxa muito baixa em relação aos demais tecidos do corpo.
Graduado em medicina pela Universidade Federal do Espírito Santo, com residência médica em neurocirurgia pelo Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo, Rossoni explica que, de imediato, o paciente acaba perdendo uma parte grande da função cerebral.
À medida que há melhora do ambiente inflamatório do cérebro, há controle da infecção e os neurônios que estavam ali atordoados voltam ao normal, estabelecendo conexões. Pode demorar semanas, meses e até alguns anos. "Normalmente são lesões que chamamos de lesões incompletas, ou seja, não houve destruição total", diz o especialista.
O tratamento para pacientes com sequelas neurológicas é a reabilitação física precoce com uma rotina regular com exercícios de fortalecimento, aliada a outras terapias como a eletroestimulação.