Homem pode tomar vacina contra HPV? Saiba como é a vacinação no Brasil

"Me olharam como se eu fosse um ET". Essa foi a impressão que o jornalista Rafael Serra, 32, teve ao tentar tomar a vacina contra HPV no posto de saúde. "Disseram que eu não era o público-alvo, que não precisava".

É fato que pelo PNI (Programa Nacional de Imunização) apenas meninos e meninas de 9 a 14 anos são elegíveis para tomar duas doses da vacina gratuitamente.

No entanto, o que Rafael sentiu foi uma despreocupação dos funcionários do posto de saúde quanto ao fato dele, enquanto homem, precisar tomar a vacina.

Nas redes sociais, em postagens de médicos e médicas que abordam o tema, é fácil encontrar comentários de pessoas perguntando se homens precisam se vacinar. E não é só em plataformas como Twitter, TikTok e Instagram que isso ocorre.

De acordo com um levantamento exclusivo do Google Trends, "homem pode tomar vacina HPV?" foi uma das perguntas sobre vacinação com maior crescimento no Brasil, 310%, na comparação dos últimos 12 meses com o mesmo período do ano anterior.

Dados do Ministério da Saúde refletem sobre essa procura. De janeiro a maio deste ano, um percentual maior de homens se vacinou em comparação com as mulheres.

Dos vacinados, 839.106 são homens, o que representa aproximadamente 119,6% em relação ao número de mulheres vacinadas, que totaliza 702.518.

Afinal, quem pode tomar a vacina?

No SUS, apenas pessoas de 9 a 14 anos de idade podem se vacinar gratuitamente. Nesse caso são aplicadas duas doses com intervalo de seis meses entre a primeira e a segunda.

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A limitação de idade é muitas vezes questionada: ora, se o vírus atinge toda a população, por que só crianças podem tomar a vacina? Pedro Campana, infectologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e parte do corpo clínico do NuMA - Núcleo de Medicina Afetiva explica:

A vacinação em crianças parte do racional de vacinar indivíduos não expostos ao vírus ainda, ou seja, pessoas que não iniciaram a vida sexual. Há evidências que demonstram a eficácia da vacina em quem já teve exposição ao vírus, porém essa eficácia é menor. Assim, em termos de saúde pública, faz sentido priorizar crianças.

Além das crianças, pessoas de 9 a 45 anos que vivem com HIV/Aids, transplantados de órgãos sólidos ou medula óssea, pacientes oncológicos e pacientes imunossuprimidos também podem se vacinar no SUS, mas nesse caso com um esquema de três doses.

Entre a primeira e a segunda dose o intervalo deve ser de dois meses e a terceira dose deve ser aplicada depois de seis meses.

No entanto, pode haver exceções, foi o caso de Danilo Freire de Oliveira, 30. O economista e estudante de medicina conseguiu tomar três doses da vacina pelo SUS aos 24 anos.

"Embora não estivesse dentro da faixa etária estipulada, teve sobra de vacina pela baixa procura da população alvo e foi permitido que pessoas de até 26 anos que quisessem poderiam tomar", conta.

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Meus amigos brincam que sou viciado em vacina porque sempre que tem alguma campanha eu vou tomar. Danilo Freire de Oliveira, 30, economista e estudante de medicina

No caso do jornalista Rafael Serra, que decidiu se vacinar aos 31 anos, o jeito foi buscar uma clínica particular para tomar as três doses.

O valor das vacinas, no entanto, pode assustar. "Não considero que seja uma vacina acessível, porque procurei o lugar mais barato de São Paulo e paguei cerca de R$ 500 em cada dose", comentou.

Atualmente, há clínicas particulares que cobram por cada dose de R$ 800 a R$ 900. Isso porque, desde março deste ano foi aprovada a administração da vacina nonavalente de HPV. No SUS, ainda é aplicada a quadrivalente, a mesma que Rafael tomou em 2022.

"É recomendada a revacinação de quem já tomou a quadrivalente porque, em relação ao câncer de colo de útero, você vai ampliar de 70% para 90% o grau de proteção e isso não é pouco" explica a médica Mônica Levi, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).

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Que completa: "Só que a vacina quadrivalente que tem no setor público é excelente e pega 70% dos vírus que causam câncer no colo do útero, e um percentual variável em cânceres em outras localizações".

Por que homens devem se vacinar?

Em cada dez casos de câncer de colo de útero, sete são causados pelo HPV (papilomavírus humano). Essa ligação faz com que muitas pessoas ainda pensem que a vacinação contra o vírus deve ser feita apenas por mulheres ou que o homem só deve se vacinar para não transmiti-lo.

Fato é que a ciência hoje relaciona o HPV a uma série de doenças que também podem acometer pessoas com pênis como câncer de pênis, orofaringe e ânus e canal anal.

A vacina não faz distinção de sexo, o vírus é transmitido com facilidade e atinge igual homens e mulheres. Tem HPV fora da região genital que pode ser transmitido pelo beijo e toque de áreas onde há lesões. Carlos Brites, infectologista e gerente de ensino e pesquisa do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da UFBA, ligado à rede Ebserh

O câncer de orofaringe relacionado ao HPV, por exemplo, afeta 594,85% mais homens do que mulheres, de acordo com o relatório "O impacto do HPV em diferentes tipos de câncer no Brasil", de 2023, da Fundação do Câncer.

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Vacina, fake news e pandemia

Apesar de ter uma busca maior de homens pela vacina contra HPV, o quadro de vacinação geral no Brasil não é bom.

O percentual acumulado de cobertura vacinal é de apenas 58,3% das meninas com o esquema de duas doses completo. Para os meninos o valor é ainda menor: 38,4% de acordo com o relatório "Um panorama da vacinação contra HPV no Brasil" da Fundação do Câncer.

"A gente está bem abaixo da meta da Organização Mundial da Saúde que é de no mínimo 80% para ambos os sexos E a gente sabe que isso está muito ligado à informação", comenta Levi.

De acordo com a médica, o fato de o país não ter implementado uma estratégia de vacinação nas escolas dificulta o acesso de mais crianças à proteção do HPV.

"Todos os países que tiveram muito sucesso na vacinação que hoje já estão tendo uma redução drástica em câncer e lesões causadas pelo vírus fizeram vacinação em escolas", comenta.

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Em janeiro de 2024, completam-se dez anos que a vacina contra o HPV para meninas passou a ser disponibilizada gratuitamente pelo SUS. Porém, os dados trazem um importante alerta.

Levantamento feito na base DataSUS pela SBCO (Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica) e Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos mostra que, a cada ano, houve uma permanente diminuição da quantidade de doses aplicadas.

O melhor resultado foi obtido justamente em 2014, quando foram aplicadas quase 8 milhões de doses da vacina contra HPV nas meninas brasileiras. Naquele ano, a imunização foi levada para dentro das escolas públicas.

O número caiu para abaixo de 6 milhões de doses no ano seguinte. E, entre 2016 e 2022 o total não superou a marca de 2 milhões de doses. Em 2023, o DataSUS registra apenas 702 mil doses (há um atraso de alguns meses na atualização, por isso o número do ano passado ainda não é o real).

A imunização dos meninos está disponível no SUS desde 2016. Para a quebra da cadeia de transmissão é essencial que os meninos e as meninas sejam protegidos.

O tema apesar de ser de saúde pública é envolto a uma série de debates morais que envolvem o ensino de educação sexual nas escolas. Além disso, Mônica Levi diz que a disseminação de fake news sobre a eficácia da vacina de covid-19 se espalhou para outras vacinas.

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Na vida do jornalista Rafael Serra, a pandemia gerou um efeito contrário. "O assunto vacina de modo geral ganhou uma atenção que não tinha há um tempo e eu me programei para para colocar em dia as vacinas que não tinha tomado" conta.

Se por um lado a pandemia de covid-19 trouxe um crescimento do movimento antivacina no Brasil, por outro, para ele, também trouxe esse ideal de prevenção de doenças por meio da vacinação.

O fato de o sexo masculino estar procurando mais a vacina é fruto do trabalho de muita gente que está atuando na divulgação de informação da importância e da eficácia da vacina. Sou otimista e acredito que vamos chegar lá. Mônica Levi, presidente da SBIm

A Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias) do SUS acaba de abrir consulta pública para a incorporação de um teste de HPV baseado em DNA, conhecido como teste de genotipagem de HPV, que utiliza uma análise de biologia molecular por PCR (reação em cadeia de polimerase) e detecta, de forma automatizada, a infecção por HPV mesmo antes de o vírus transformar as células em pré-câncer ou câncer.

Dessa forma, é possível saber se a mulher está em risco ou não de desenvolver a doença com antecedência. Qualquer pessoa pode participar até o dia 17 de janeiro de 2024, por este link.

Os testes PCR ajudam na rápida detecção e mostram se a mulher possui o vírus e, não necessariamente, se já está doente. O vírus pode estar quieto no organismo, o que é chamado de infecção latente, e nunca se manifestar. Caso a mulher fique com o vírus latente por muitos anos, ela pode ter um risco maior de desenvolver um câncer de colo de útero do que aquela que elimina o vírus.

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O teste PCR é sensível a ponto de identificar a mulher já contaminada, mas sem a doença. Além disso, permite que, quando o resultado dá negativo para todos os tipos de HPV, a mulher pode aguardar cinco anos para refazê-lo.

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