Infectado com HIV de propósito, ele trabalha com pornô: 'Sofro preconceito'
Deivid Samuel Hodecker, 25, tinha 18 anos quando foi infectado com o vírus HIV de propósito por uma pessoa com quem ele teve uma relação sexual consensual.
Há dois anos, o jovem teve um tumor retirado do cérebro, ao mesmo tempo, ele passava por um período de depressão e crises de pânico. A cirurgia foi um sucesso, mas, por ficar um tempo sem trabalhar devido ao seu estado de saúde física e mental, ele passou a acumular dívidas financeiras.
A solução encontrada foi procurar por uma produtora de filmes pornô gay para iniciar a sua carreira na indústria pornográfica. Hoje, ele conta já ter gravado mais de mil cenas de conteúdo adulto. Quem auxilia Deivid a gerenciar sua carreira é o próprio noivo, com quem ele pretende se casar ainda este ano.
A VivaBem, ele conta sua história:
Vivendo com HIV
"Quando eu tinha 18 anos, em 2017, tive uma relação sexual com uma pessoa e, depois de um tempo, ela me disse que era HIV positivo. Eu fiquei bastante surpreso e fiz o teste. Recebi o resultado positivo. Essa pessoa era bem informada em relação ao vírus e sabia o que estava fazendo, então, percebi que ela havia me infectado de propósito, algo que é crime de acordo com a legislação brasileira.
Na época, eu nem pensei em denunciá-la. O meu foco foi buscar informações e iniciar o tratamento o mais rápido possível.
Acredito que tive sorte, pois eu era estudante de Biologia, e recebi o apoio de uma professora, além de ótimas enfermeiras do hospital, algo que me deixou mais tranquilo durante o meu período de aceitação.
A importância do tratamento
Pessoas vivendo com HIV podem ter uma vida normal e saudável quando seguem um tratamento contínuo e eficaz com medicamentos antirretrovirais (ARVs). Esses medicamentos são essenciais para controlar a replicação do vírus no corpo, mantendo a carga viral em níveis muito baixos. Quando a carga viral se torna indetectável, a pessoa mantém a saúde estável, além de também não transmitir o vírus sexualmente, conceito conhecido como I=I ('indetectável = intransmissível').
A adesão ao tratamento permite às pessoas com HIV viver normalmente sem que o vírus limite as suas vidas e capacidades físicas. A carga viral indetectável é um objetivo alcançável com acesso e adesão ao tratamento, e quando conseguido, o HIV não precisa ser uma barreira para uma vida plena e satisfatória.
Depressão, tumor no cérebro e dívidas financeiras
Após eu tratar uma depressão e ficar em tratamento no Caps (Centros de Atenção Psicossocial), eu não conseguia mais trabalhar, pois tinha crises de pânico e ainda sofria com a ansiedade. Além disso, nesse meio tempo, eu descobri um tumor na hipófise, que é uma glândula na base da estrutura óssea do cérebro.
Há dois anos, fiz uma cirurgia para a retirada do tumor e atualmente faço tratamento de reposição hormonal, já que a glândula responsável por isso teve que ser retirada. Naquela época, por estar sem trabalhar devido aos meus problemas de saúde, passei a acumular dívidas financeiras.
Primeira cena como ator pornô
Eu já tinha uma conta no OnlyFans, uma plataforma digital de conteúdo erótico, mas para fazer mais dinheiro, percebi que precisaria entrar para a indústria pornográfica. Foi aí que entrei em contato com uma produtora de filmes. Eu disse que era uma pessoa vivendo com HIV e que gostaria de gravar filmes para eles. Expliquei que fazia o tratamento certinho e isso me possibilitaria trabalhar nesta área e gravar cenas de sexo explícito.
O pessoal da produtora foi atencioso e desde o início me respeitou bastante. Só pediram para me cuidar e manter o meu tratamento.
Assim, aos 23 anos, um dia após o meu aniversário, eu gravei a minha primeira cena como ator pornô para um filme de produção nacional. Todo o processo foi bem natural e eu não tive vergonha.
Depois disso, seja para a produtora ou para o OnlyFans, eu já gravei mais de mil cenas com conteúdo sexual.
Educação sexual e o uso da camisinha nos filmes pornôs
Eu não uso preservativos para gravar as minhas cenas e, por estar fazendo o tratamento, não transmito o vírus para os meus companheiros de trabalho. É importante deixar claro que o uso da camisinha ainda é a única forma para evitar o contágio de todas as ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), e exatamente por isso, é importante que os atores pornô façam testes regulares antes de gravarem as cenas sem o uso de preservativos.
Acredito que a responsabilidade de educar a população em relação à importância do uso de preservativo não seja dos filmes pornôs, mas sim do governo e das escolas, pois a indústria pornô vende sexo e fantasias sexuais, e não educação sexual.
Além disso, acredito que os pais também têm um papel importante na hora de educar sexualmente os seus filhos, até mesmo em relação a explicar o que caracteriza um abuso sexual ou toques indevidos. Eu fui uma criança que sofreu abuso sexual na infância e na época eu não entendia o que estava acontecendo, justamente por não ter acesso a informações e ninguém nunca ter conversado comigo sobre o assunto.
Meu noivo me apoia: casamento à vista!
Essa é uma profissão muito bem compreendida pela minha família e felizmente nunca sofri preconceito por parte deles. Eu não amo 100% o meu trabalho, mas é com ele que eu pago as minhas contas. É também com esta profissão que eu consigo ajudar financeiramente os meus pais.
O meu noivo e eu temos profissões bem diferentes, ele trabalha em um banco e me conheceu quando eu já fazia conteúdo adulto. Atualmente, ele também organiza os meus locais de gravações, me dá ideias para as cenas e conversa bastante comigo antes e depois das gravações.
Acredito que seja normal rolar ciúme às vezes e, quando isso acontece, a gente costuma ter um diálogo aberto e muito forte no nosso relacionamento. Inclusive, pretendemos nos casar ainda este ano.
Preconceito dentro e fora da indústria pornô
Apesar dos avanços médicos, o preconceito continua sendo o maior desafio enfrentado por pessoas vivendo com HIV. Eu já sofri preconceito dentro e fora da indústria pornô.
Recentemente, uns três atores já se recusaram a gravar cenas comigo por eu viver abertamente com HIV. Porém, esses mesmos atores já gravaram cenas com outros atores que vivem com HIV, mas não divulgam a sua sorologia publicamente justamente devido ao preconceito.
Eu também sofro preconceito por ser abertamente pansexual. Sinto atração física e afetiva por homens e mulheres, independentemente do gênero ou orientação sexual, sejam pessoas cis ou trans.
Quando anunciei que iria começar a gravar cenas mostrando esta diversidade, percebi que existe bastante preconceito por parte do público contra as pessoas trans. Eu quero usar o meu trabalho para quebrar estigmas e promover um diálogo para que haja mais inclusão social e menos preconceito.
Falando abertamente sobre ser uma pessoa vivendo com HIV
Com o meu trabalho, eu também quero encorajar as pessoas a se educarem, a se testarem regularmente para todas as infecções sexualmente transmissíveis e a falarem abertamente sobre este assunto. Como ator de filmes adultos e ao compartilhar minha experiência pessoal com o HIV, eu estou mostrando que posso ter uma vida normal e saudável enquanto faço o tratamento, e com isso espero proporcionar visibilidade e conscientização sobre o assunto.
Muitas pessoas não sabem, mas com a medicação adequada e acompanhamento médico, é possível manter o vírus sob controle, evitar o risco de transmissão e levar uma vida tão plena e saudável como a de qualquer outra pessoa.
Com amor, apoio, busca por informação e educação, é possível continuar seguindo em frente, realizar sonhos e ter relacionamentos saudáveis, assim como qualquer outra pessoa."
Tratamento de prevenção e de pós-exposição ao HIV
Voltada a pessoas não infectadas pelo HIV (vírus da imunodeficiência humana), mas com alto risco de adquiri-lo, a PrEP (profilaxia pré-exposição) é um método preventivo que consiste na combinação de medicamentos antirretrovirais que bloqueiam o ciclo de multiplicação do vírus e impedem a infecção do organismo.
Em que consiste a profilaxia pré-exposição?
A PrEP é o uso de medicamentos antirretrovirais diários para prevenção da transmissão do vírus da imunodeficiência humana em pessoas que não têm o HIV, mas que apresentam risco aumentado de adquirir a infecção e não usam preservativos com regularidade.
Qual é o objetivo?
O objetivo principal é reduzir a transmissão sexual do HIV. Existem pessoas que, mesmo sabendo que a melhor maneira de evitar a sua transmissão é com uso de preservativo, não gostam ou preferem não usar.
A PrEP é uma ferramenta a mais com o intuito de evitar novos casos, combinada a outras medidas, como prevenção das ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e das hepatites virais. Para saber mais: http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/previna-se.
Quem pode tomar a medicação?
Aquelas que possuem risco aumentado de transmissão do HIV:
- homens que fazem sexo com homens;
- pessoas trans e
- profissionais do sexo.
Existe ainda a indicação para pessoas que:
- deixam de usar camisinha em suas relações sexuais (anais ou vaginais) com constância;
- têm relações sexuais, sem camisinha, com alguém que seja HIV positivo e que não esteja em tratamento;
- fazem uso repetido de PEP (Profilaxia Pós-Exposição ao HIV) e
- apresentam episódios frequentes de ISTs.
Mulheres que pretendem engravidar de parceiro soropositivo podem usar?
Sim, mulheres HIV negativas, com desejo de engravidar de parceiro soropositivo ou com frequentes situações de potencial exposição ao HIV, podem se beneficiar do uso de PrEP de forma segura, ao longo da gravidez e amamentação, para sua proteção e do bebê.
Existem estudos que comprovam que a PrEP é segura e confiável?
Sim. É uma estratégia que se mostrou eficaz e segura.
Várias pesquisas avaliaram a PrEP contra a transmissão do HIV em populações diferentes. O estudo inicial, publicado em 2010, contemplou homens que faziam sexo com homens e não usavam preservativos.
Em 2012, outros demonstraram que a eficácia do método se estendia a heterossexuais que tinham vulnerabilidade (múltiplos parceiros com sexo desprotegido ou parceiros únicos com infecção pelo HIV). No estudo Partners com casais sorodiferentes heterossexuais, a PrEP mostrou redução geral de 75% no risco de infecção por HIV.
O PROUD (Pre-exposure prophylaxis to prevent the acquisition of HIV-1 infection) avaliou o uso aberto de PrEP em homens que fazem sexo com homens com risco em que se observou 86% de êxito da intervenção.
O estudo IPERGAY avaliou o esquema sob demanda, ou seja, com uso da medicação antes e após a exposição, no lugar do uso diário e uso contínuo. Nesse cenário, observou-se redução de 86% no risco de infecção.
Quais os medicamentos envolvidos?
No Brasil, a PrEP é feita com a associação de dois medicamentos (tenofovir e entricitabina), cujo nome comercial é Truvada. Toma-se um comprimento ao dia.
A PrEP substituiu outras formas de prevenção?
Não. A PrEP faz parte das estratégias combinadas de prevenção por meio da associação de métodos preventivos (preservativo e outros), de acordo com as possibilidades e escolhas de cada indivíduo, sem excluir ou sobrepor um método a outro.
Como deve ser o controle das outras ISTs, enquanto se faz a profilaxia ao HIV?
A PrEP protege apenas contra o HIV. Não há proteção contra outras ISTs, tais como sífilis, HPV ou gonorreia. Isso significa que o acompanhamento médico é essencial quando alguém está fazendo a PrEP, para fazer o mapeamento de outras ISTs e, eventualmente, o tratamento precoce caso seja detectada.
Existem efeitos colaterais?
Podem ocorrer no início do uso, durante o primeiro mês, mas são leves e desaparecem em alguns dias, como náusea, cefaleia, flatulência e edemas. Pode-se tomar remédios para resolução dos sintomas.
O profissional de saúde deve informar ao usuário sobre os eventos adversos esperados.
É possível a piora da função renal, por conta de um dos medicamentos utilizados. Por isso são realizados exames antes da profilaxia e o uso da medicação é sempre supervisionado por um médico.
Em jovens sem comorbidades, dificilmente, há necessidade de suspender a medicação devido a efeitos colaterais.
Existem outros medicamentos disponíveis?
Desde janeiro de 2022, os EUA aprovaram o uso da medicação injetável --o cabotegravir--, mas no Brasil ainda não está disponível.
Quais os procedimentos para iniciar a PrEP?
Na primeira consulta, passa-se por entrevista com psicólogos e médicos para determinar se é elegível a usar PrEP. Caso seja, são feitos exames, como testes rápidos para detecção do HIV --já pode estar infectado e não saber--, além de outras ISTs, hepatites virais e para avaliar as funções renais e hepáticas.
Se houve exposição sexual recente desprotegida, realiza-se a profilaxia PEP, por 28 dias, para depois iniciar a PrEP.
O uso da medicação é contínuo?
A recomendação é que a medicação seja mantida com uso contínuo durante todo o período em que exista a vulnerabilidade por exposição sexual. As consultas médicas são a cada 3 ou 4 meses, em que novos exames são realizados e os efeitos colaterais são avaliados.
É preciso aguardar para a profilaxia começar a ter efeito?
Quando se inicia a PrEP, a medicação demora alguns dias para dar a proteção adequada. Para relações sexuais vaginais, são 20 dias, pelo menos. Para relações sexuais anais, a proteção se dá a partir do sétimo dia.
É possível descontinuar o uso da PrEP?
Se não estiver mais em exposição sexual de risco, por exemplo, se fica meses sem relações sexuais, a PrEP pode ser descontinuada. Contudo, a decisão de continuar ou não deve ser tomada em conjunto com o médico infectologista.
Há perigo em suspender a PrEP por conta própria?
Sim e está relacionado ao fato de achar que estará protegido mesmo após a interrupção do uso, pois o sexo ocasional desprotegido pode transmitir o HIV. É recomendado aos que interromperem o uso a realização de testes para HIV no período de 4 semanas após a interrupção da profilaxia.
É possível retomar o uso da PrEP?
Sim, no entanto, antes de reiniciar a prática sexual desprotegida, é preciso recomeçar a PrEP, em que se passa novamente em consulta e são feitos todos os exames iniciais.
Em quais situações é descontinuado?
A descontinuação da PrEP é feita quando:
- há efeitos colaterais da medicação --isso é avaliado pelo médico em cada retorno;
- se não houver mais necessidade de uso por conta de ausência atual de exposição sexual de risco;
- existe o diagnóstico de infecção pelo HIV e
- baixa adesão, mesmo após abordagem individualizada.
O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza também a profilaxia pós-exposição (PEP), com medicamentos antirretrovirais após uma possível exposição ao vírus. Esse método é pensado para casos em que o preservativo sai, se rompe ou não é utilizado por algum motivo durante o ato sexual. Assim como no caso de acidentes com materiais perfurantes ou cortantes possivelmente contaminados e violência sexual. O início da profilaxia deve ocorrer até 72 horas após a exposição.
A lista de serviços que oferecem a PrEP na capital paulista pode ser acessada na página da Secretaria Municipal de Saúde, que também oferece mais informações sobre o assunto.
Fontes: Denize Lotufo Estevam, infectologista, trabalha na gerência da assistência do CRT (Centro de Referência e Treinamento) DST/Aids de São Paulo; Durval Costa, infectologista e coordenador do Ambulatório de Moléstias Infecciosas do HSPE (Hospital do Servidor Público Estadual), de São Paulo; Fabricio Arrais de Oliveira, enfermeiro do serviço de assistência especializada ao HIV e Hepatites virais do HDT-UFT (Hospital de Doenças Tropicais da Universidade Federal do Tocantins), ligado a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Marta Iglis de Oliveira, infectologista do HC-UFPE (Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Pernambuco), ligado a rede Ebserh, e preceptora do programa de residência de infectologia do HC-UFPE; e Raquel de Sousa Andrade Fernandes, enfermeira e chefe da Unidade de Clínica Cirúrgica do HDT-UFT.
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