Múmias podem transmitir doenças? E tocar em morto no velório?

Em 2011, os trabalhos para a fundação de uma obra na região do Queens, em Nova York (EUA), foram interrompidos por uma inesperada estrutura de metal. Perfurando o local, os trabalhadores descobriram que dentro dela havia um corpo, depois identificado por antropólogos forenses da cidade como a múmia de uma mulher afro-americana de meados do século 19, excepcionalmente bem conservada, vestindo meias e roupas de dormir.

O corpo foi enterrado no que era o cemitério de uma igreja próxima dali, em um caixão luxuoso —o que era pouco comum para uma mulher negra na época. Examinando lesões e protuberâncias encontradas no corpo mumificado, o cientista Bradley Adams, chefe de Departamento de Antropologia Forense de Nova York, lembrou-se de fotos de vítimas de varíola. O caixão de ferro, fechado a vácuo, não se destinava a preservar o corpo de algum indivíduo rico, mas a isolar uma infecção. O caso passou a ser tratado como de potencial risco biológico.

Risco de conter vírus

Acionado, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) enviou uma equipe de cientistas para fazer a autópsia do corpo. Não se sabia por quanto tempo o vírus da varíola pode sobreviver em um cadáver humano, e a equipe da epidemiologista Andrea McCollum estava à procura de partículas do vírus no corpo ou no DNA da mulher.

"O risco de o vírus voltar a causar uma pandemia é baixo, mas existe essa preocupação", disse McCollum. A descoberta de espécimes antigos do vírus, mortos ou vivos, podem ajudar os cientistas a montar um plano de defesa caso infecções pelo vírus da varíola voltem a acontecer.

Vírus remanescentes da varíola estão espalhados pelo mundo. Sintomas da doença, como lesões na pele com partículas e DNA do vírus foram encontrados em cadáveres humanos de mais de 3.200 anos, inclusive na múmia do faraó egípcio Ramsés 5. Mesmo assim, não há registros do reaparecimento do vírus a partir de um cadáver. Também na múmia da mulher do Queens, o DNA de varíola encontrado estava bastante degradado.

Peter Jahrling, virólogo no Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, concorda que o risco de infecção é baixo, mas existe. "É bom se precaver se você estiver escavando cadáveres de pessoas que morreram de varíola", ele afirma. "O vírus é particularmente bem preservado em temperaturas baixas. É plausível imaginar que ele pode existir em múmias conservadas em criptas frias."

E quanto aos mortos, em velórios?

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Imagem: iStock

A cena é muito comum nos filmes e novelas: uma pessoa, muito emocionada num velório, atira-se sobre o caixão e começa a abraçar e até beijar o morto. Mas ficção é ficção; na vida real, o melhor é evitar qualquer contato com cadáveres, mesmo os de entes queridos.

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Beijar, encostar o rosto, os olhos e as mãos são hábitos que, embora possam ser difíceis de serem controlados em um momento de comoção, não são recomendados, porque todo cadáver tem potencial infeccioso. Quando o corpo entra em processo de decomposição, as bactérias se proliferam e podem causar infecções sérias, principalmente em pessoas que estejam com o sistema imunológico debilitado. Nesses casos, um simples corte na pele da pessoa que tocou o morto pode favorecer a entrada de agentes patogênicos em seu organismo.

A literatura médica relata que alguns grupos ou classes de agentes infecciosos podem sobreviver e ser eliminados pelo cadáver até 48 horas depois do óbito. Não chega a ser uma porcentagem alta, mas por serem resistentes, oferecem riscos de transmissão de doenças como covid-19, gripe H1N1, tuberculose e raiva.

Também podem permanecer ativos no cadáver por alguns dias vírus como os da hepatite B e C e o HIV, causador da Aids. Já um agente infeccioso chamado príon, resistente a métodos tradicionais de esterilização, pode causar doenças degenerativas do sistema nervoso central.

Para se precaver, se for a um velório, evite encostar o rosto no morto. Se tocar no corpo, lave bem as mãos com água e sabão ou aplique álcool em gel. O atestado de óbito deve conter as ressalvas feitas pelo médico, se possível, com arquivos hospitalares anexados.

*Com informações de reportagem publicada em 08/05/2014 e 21/01/2020

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