Remédio injetado duas vezes por ano apresenta 100% de proteção contra o HIV
De VivaBem*, em São Paulo
24/07/2024 10h18Atualizada em 24/07/2024 11h22
Um estudo publicado nesta quarta-feira (24) mostra a eficácia de um novo medicamento antirretroviral injetável contra o vírus HIV da farmacêutica americana Gilead, o lenacapavir. Os resultados saíram no NEJM, um prestigiado periódico científico. Ao mesmo tempo, os dados foram apresentados na 25ª Conferência Internacional sobre Aids, que acontece em Munique, na Alemanha.
O que aconteceu
Resultados foram anunciados no fim de junho pela empresa e publicados em periódico hoje. Um amplo estudo clínico de fase 3 realizado na África mostrou que a aplicação de duas doses anuais do medicamento lenacapavir proporcionou proteção total contra o vírus às mulheres que participaram dos testes.
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Cinco mil adolescentes e mulheres cisgênero. O estudo clínico foi realizado em Uganda e África do Sul e contou com a participação de mais de 5.000 adolescentes e mulheres, com idades entre 16 e 25 anos. O teste dividiu as voluntárias em três grupos, que receberam três diferentes medicamentos.
Principais dados. Das 2.134 mulheres que receberam o lenacapavir, nenhuma contraiu o HIV. Entre as 1.068 que tomaram diariamente a pílula Truvada —disponível há mais de uma década—, 16 foram infectadas com o HIV (1,5%). Já entre o grupo das 2.136 mulheres que receberam a Descovy, uma nova pílula diária, 39 contraíram o vírus (1,8%).
Interrupção por bons resultados. Em junho, devido à eficácia mostrada nos resultados, um comitê independente de revisão de dados recomendou que o estudo clínico fosse interrompido precocemente e que o lenacapavir fosse oferecido a todas as participantes por proporcionar claramente uma proteção superior contra o vírus, afirmou a farmacêutica.
Testes em andamento. A empresa ainda está testando a eficácia do lenacapavir em homens que fazem sexo com homens, homens e mulheres trans e indivíduos de gênero não binário que têm relações sexuais com homens na Argentina, Brasil, México, Peru, África do Sul, Tailândia e Estados Unidos. Os resultados são esperados para o final de 2024, início de 2025. Se os resultados desse estudo forem positivos, a empresa pretende levar ao mercado nos EUA o lenacapavir como PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) até o fim de 2025.
O lenacapavir para PrEP, se aprovado, poderá fornecer uma nova opção crucial para a prevenção do HIV. Embora saibamos que as opções tradicionais de prevenção do HIV são altamente eficazes, se tomadas como o prescrito, o lenacapavir para PrEP pode ajudar a solucionar o estigma e a discriminação que alguns podem enfrentar ao tomar ou armazenar os comprimidos de PrEP, assim como potencialmente ajudar a aumentar a adesão a esse tipo de tratamento. Linda Gail-Bekker, que participou dos estudos
PrEP é um método para prevenir o contágio pelo HIV. Essa terapia é recomendada para quem tem alto risco de contrair o vírus e consiste na ingestão diária de comprimidos antirretrovirais. No Brasil, ela é oferecida pelo SUS desde 2017, com a utilização dos medicamentos combinados tenofovir e entricitabina.
Método é usado nos EUA desde 2012. No entanto, ele não mostrou ser uma ferramenta de prevenção potente na África, onde a adesão à terapia é baixa, principalmente entre mulheres —o grupo mais vulnerável à doença na região.
Esses dados confirmam que o lenacapavir semestral para a prevenção do HIV é um avanço revolucionário com um enorme potencial para a saúde pública. Se aprovada e disponibilizada —de maneira rápida, acessível e equitativa— para aqueles que precisam ou desejam, essa ferramenta de ação prolongada pode ajudar a acelerar o progresso global na prevenção do HIV. Agora, aguardamos ansiosamente os resultados do estudo que está avaliando o lenacapavir semestral para a prevenção do HIV em outras populações e países. Sharon Lewin, presidente da IAS (Sociedade Internacional de Aids)
Acesso ampliado. Especialistas acreditam que a aplicação de duas doses anuais do lenacapavir pode ampliar o acesso a esse tipo de terapia na África e reduzir significativamente as novas infecções da doença. Um problema, porém, é o valor do antirretroviral. Nos Estados Unidos, onde ele já foi aprovado para o tratamento de infectados com o HIV, a Gilead cobra US$ 42.250 (cerca de R$ 229 mil) por paciente por ano.
Estudo calcula preço mil vezes menor. Em outro estudo apresentado na Conferência Internacional sobre Aids, especialistas calcularam que o preço mínimo para a produção em massa de uma versão genérica, com base nos custos dos ingredientes e da fabricação do lenacapavir, e permitindo um lucro de 30% para a Gilead, seria de US$ 40 por ano, assumindo que 10 milhões de pessoas o utilizassem anualmente. A longo prazo, 60 milhões de pessoas provavelmente precisariam tomar a droga preventivamente para reduzir significativamente os níveis de HIV, disseram eles.
Promessa de parcerias. Ao jornal americano The New York Times, a farmacêutica afirmou estar comprometida a disponibilizar o medicamento a um preço acessível a países de baixa renda com altas taxas de incidência de HIV. Uma das estratégias seria firmar parcerias com fabricantes de genéricos em diversas regiões do mundo. Dois terços dos 39 milhões de pessoas que vivem com HIV estavam na África em 2022, de acordo com a OMS.
Mortes por HIV
Tratamento ainda é inacessível. Das 39,9 milhões de pessoas vivendo com HIV em todo o mundo, quase um quarto (9,3 milhões), não estão recebendo o tratamento adequado. Como consequência, uma pessoa morre por minuto por causas relacionadas à Aids. Os dados estão em um relatório divulgado nesta segunda-feira (22) pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), antes da abertura oficial da 25ª Conferência Internacional sobre Aids.
Lideranças mundiais se comprometeram a reduzir as novas infecções anuais para menos de 370 mil até 2025. Em 2023, houve 1,3 milhão de novas infecções, número mais de três vezes superior ao estabelecido. "E agora, com cortes nos recursos e um aumento na oposição aos direitos humanos, coloca-se em risco o progresso já alcançado", diz o estudo.
*Com informações de reportagem da DW e do The Guardian.