Mais letal e novos sintomas: epidemia de mpox não é como anterior

A mpox, antes conhecida como "varíola dos macacos", foi declarada na quarta-feira (14) pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como "emergência de saúde pública de importância internacional", ou ESPII, mesma classificação dada à covid-19 em janeiro de 2020.

O mesmo vírus, presente atualmente em 13 países, já havia sido declarado como uma emergência global em 2022, quando a doença se proliferou inicialmente por mais de 70 países, mas a epidemia regrediu em maio de 2023 e o status de ESPII foi rebaixado. Afinal, o que há de diferente neste surto que preocupa tanto a OMS?

O alcance do surto

Apesar de a primeira epidemia de mpox ter atingido no total cerca de dez vezes mais países, o crescimento acelerado desta segunda epidemia levantou sinais de alerta na OMS. Apenas em 2024 já se registram mais de 15 mil pessoas com a doença e 537 mortes, superior aos números de todo o ano de 2023. O aumento é de cerca de 160% de um ano para o outro.

Ainda de acordo com a organização, no último mês, 90 casos foram relatados em quatro países que ainda não haviam tido casos expressivos de mpox: Burundi, Quênia, Ruanda e Uganda.

Vírus é diferente -- e mais letal

O primeiro surto se diferencia deste principalmente pela letalidade. Segundo dados compilados pela revista americana Wired, entre maio de 2022 e dezembro de 2023, houve 92.783 casos confirmados globalmente da doença em 116 países, que levaram a 171 mortes. Apenas em 2024, morreram mais de três vezes este número

Esta diferença é devido a tipos diferentes do vírus mpox, que podem ser divididos em clado 1 e 2. O surto atual é causado pelo primeiro, que é endêmico da África. "A epidemia global de 2022 era do clado 2, cuja mortalidade é de menos de 1%", explicou à Wired o médico infectologista congolês Jean Nachega, professor associado da Universidade de Pittsburgh. "Agora estamos falando de uma variante que pode ter até 10% de mortalidade", alertou.

O vírus Mpox mudou de cara
O vírus Mpox mudou de cara Imagem: Getty Images

No entanto, há variantes dentro dos próprios clados. Em coletiva na quarta, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, informou que a variante predominante do vírus que se espalha atualmente é a 1b, mas a situação é ainda mais complexa.

Continua após a publicidade

Não estamos lidando com um surto de um clado — estamos lidando com vários surtos de diferentes clados em diferentes países com diferentes modos de transmissão e diferentes níveis de risco.

O clado 1 também é considerado mais fatal dentro de grupos de pacientes imunocomprometidos, como crianças menores de cinco anos, mulheres grávidas ou pessoas portadoras de HIV, apesar de um surto atual na África do Sul entre soropositivos ter sido causado pelo clado 2.

Combate pode ser mais desafiador

Pesquisadores como Boghuma Titanji, professora de doenças infecciosas da Universidade Emory que estuda surtos de mpox, acreditam que controlar o mpox agora pode ser ainda mais difícil: não só o vírus vem passando por mutações que o tornam mais perigoso, como o perfil do contágio e das populações atingidas mudou.

A OMS ainda aponta o contato sexual com a principal via de transmissão, mas não é a única. Contato próximo e direto com animal infectado ou outras pessoas doentes, através das secreções das lesões de pele, mucosas ou gotículas respiratórias, além de contato com objetos contaminados por fluidos de lesões, como toalhas e lençóis, pode expor uma pessoa ao vírus. Por isso, os grupos afetados atualmente também são diferentes do primeiro surto. Até o momento, a vacinação segue recomendada apenas a grupos de riscos.

A vacinação correta das populações afetadas também se prova mais difícil neste segundo surto
A vacinação correta das populações afetadas também se prova mais difícil neste segundo surto Imagem: Reprodução
Continua após a publicidade

No último mês, um artigo publicado por Nachega e colegas no periódico especializado Nature Medicine apontava que um surto recente de mpox na pequena cidade mineradora de Kamituga, no leste da República Democrática do Congo, começou com profissionais do sexo, mas ajudou a espalhar o vírus por Ruanda, Uganda e Burundi apenas através do contato próximo familiar.

"Um número significativo dos trabalhadores vem destes países. Eles recebem seus pagamentos no fim do mês, relaxam com sexo 'comercial', e voltam para seus países de origem para visitar suas famílias, espalhando a doença regionalmente", conta. 70% dos casos de mpox e 85% das mortes no Congo atualmente são em crianças e jovens menores de 15 anos.

Por isso, a professora Titanji frisou ainda à agência Associated Press que ainda é preciso mais pesquisa para determinar se o clado 1 é realmente mais virulento, ou se a letalidade maior tem a ver com a mudança no comportamento do vírus — que se espalha mais pela população geral desta vez, alcançando crianças em áreas rurais sem atendimento médico.

Sintomas também mudaram de cara

A cepa 1b é caracterizada por erupções cutâneas espalhadas por todo o corpo, enquanto as variantes anteriores apresentavam lesões mais localizadas, geralmente na boca, face e genitais. Por isso, o novo subtipo é considerado mais perigoso que o causador da epidemia em 2022.

Um surto específico registrado ainda em setembro de 2023 no leste da República Democrática do Congo foi causado por essa cepa de mpox, com mutações até então inéditas. "Essas mutações sugerem que o vírus tem sido transmitido apenas de humano para humano", diz Rosamund Lewis, líder técnica sobre mpox do Programa de Emergências Globais da OMS.

Continua após a publicidade
Feridas na pele são sintomas clássicos de Mpox
Feridas na pele são sintomas clássicos de Mpox Imagem: iStock

"Por causa de diversos fatores diferentes, o [vírus] 1b surgiu como uma nova mutação que é adaptada aos humanos", explicou à CNN americana o Dr. Daniel Bausch, conselheiro sênior para segurança de saúde global da FIND, organização sem fins lucrativos internacional focada em igualdade de serviços de saúde. Ou seja, na opinião dele, o vírus se "customizou" para atacar, mais efetivamente, populações humanas, em vez de outros mamíferos como os macacos. Portanto, a vigilância deve ser reforçada em caso de suspeita de infecção, concordam os especialistas internacionais.

Deixe seu comentário

Só para assinantes