Nova injeção semestral previne infecção por HIV com quase 100% de eficácia
Colaboração para VivaBem
02/12/2024 05h30
Uma nova fase do estudo clínico da farmacêutica americana Gilead, realizado em parceria com a Universidade Emory e Grady Health System, demonstrou que o novo antirretroviral lenacapavir tem quase 100% de eficácia em proteger homens cis e pessoas trans ou não-binárias contra o vírus HIV. As conclusões foram publicadas no New England Journal of Medicine, um prestigiado periódico científico.
Em julho, resultados preliminares após testes já apontavam sucesso semelhante na prevenção em grupos de mulheres cisgênero.
O que aconteceu
Injeções devem ser tomadas semestralmente. De acordo com o estudo, duas injeções de lenacapavir ao ano oferecem uma redução de 96% no risco geral de infeção pelo vírus — o que o torna significativamente mais eficaz do que a ingestão diária de comprimidos de PrEP (profilaxia pré-exposição). O mais famoso destes medicamentos é o Truvada, disponível no SUS.
Inconsistência do paciente pode ser reduzida ou eliminada. Além da maior redução de risco devido à sua ação no organismo, o lenacapavir elimina o risco de o paciente não aderir à prevenção de forma consistente, o que é comum com medicações orais como a pílula anticoncepcional. Na prática, é mais fácil lembrar-se de tomar uma injeção duas vezes ao ano na data correta do que lembrar de tomar, todos os dias, o comprimido.
99% dos participantes do teste não contraíram o HIV. Durante o estudo, 2.179 pessoas receberam o lenacapavir, enquanto 1.086 receberam o Truvada. No primeiro grupo, houve apenas duas infecções pelo vírus, enquanto no segundo —com cerca da metade dos participantes do primeiro— houve nove.
Pacientes estudados eram de 88 localidades. O objetivo dos cientistas era avaliar como o remédio se comportaria com populações afetadas pelo HIV de forma diferente ou desproporcional. Os participantes do estudo vinham do Peru, Brasil, Argentina, México, África do Sul, Tailândia e Estados Unidos.
Nos EUA, por exemplo, mais da metade das novas infecções de 2022 eram entre homens gays cisgênero. E 70% delas entre negros e hispânicos — o que evidencia a necessidade de mais opções de prevenções, como esta que a nova injeção pode oferecer.
Ver estes altos níveis de eficácia — de quase 100% — em um medicamento injetável que as pessoas só têm que tomar a cada seis meses é incrível. O que vemos ao longo do tempo é que metade das pessoas que começam a tomar a PrEP diariamente param dentro de um ano por causa de diversos fatores. Ter uma injeção eficaz que só é necessária duas vezes ao ano é muito significativo para pessoas que têm dificuldades de acesso a cuidados de saúde ou de seguir tomando pílulas diariamente. Colleen Kelley, autora principal do estudo e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Emory, em comunicado à imprensa
Os primeiros testes com mulheres
Cinco mil adolescentes e mulheres cisgênero participaram dos testes. O estudo clínico foi realizado em Uganda e África do Sul e contou com a participação de mais de 5.000 adolescentes e mulheres, com idades entre 16 e 25 anos. O teste dividiu as voluntárias em três grupos, que receberam três diferentes medicamentos.
Nenhuma das 2.134 mulheres que tomou a injeção foi infectada. Entre as 1.068 que tomaram diariamente a pílula Truvada — disponível há mais de uma década —, 16 foram infectadas com o HIV (1,5%). Já entre o grupo das 2.136 mulheres que receberam a Descovy, uma nova pílula diária, 39 contraíram o vírus (1,8%).
Estudo foi interrompido por bons resultados. Em junho, devido à eficácia demonstrada, um comitê independente de revisão de dados recomendou que o estudo clínico fosse interrompido precocemente e que o lenacapavir fosse oferecido a todas as participantes por proporcionar claramente uma proteção superior contra o vírus, afirmou a farmacêutica.
PrEP é um método para prevenir o contágio pelo HIV. Essa terapia é recomendada para quem tem alto risco de contrair o vírus e consiste na ingestão diária de comprimidos antirretrovirais. No Brasil, ela é aprovada desde 2017, com a combinação dos medicamentos tenofovir e entricitabina. No entanto, ele não mostrou ser uma ferramenta de prevenção potente na África, onde a adesão à terapia é baixa principalmente entre mulheres — o grupo mais vulnerável à doença na região.
Quando chega ao mercado e quanto deve custar?
Uso comercial pode ser iniciado em 2025 nos EUA. Esta é a expectativa dos cientistas após a conclusão da última fase de testes. Os resultados foram enviados ao FDA (Food Drug Administration, a Anvisa americana) e a farmacêutica aguarda a liberação. A aprovação no país pode abrir as portas para a avaliação do uso em outros países.
Custos preocupam atualmente. Especialistas acreditam que o lenacapavir pode ampliar o acesso à prevenção na África e reduzir significativamente as novas infecções da doença. Um problema, porém, é o valor do antirretroviral: nos EUA, onde ele já foi aprovado para o tratamento de infectados com o HIV, a Gilead cobra US$ 42.250 (cerca de R$ 253 mil) por paciente ao ano.
Valor de mercado poderá ser mil vezes menor. Em outro estudo apresentado na Conferência Internacional sobre AIDS, especialistas calcularam que o preço mínimo para a produção em massa de uma versão genérica, com base nos ingredientes e custos da fabricação do lenacapavir — e permitindo um lucro de 30% para a Gilead —, seria de US$ 40 por ano se 10 milhões de pessoas o utilizassem anualmente. A longo prazo, 60 milhões de pessoas provavelmente precisariam tomar a droga preventivamente para reduzir significativamente os níveis de HIV, estima-se.
Farmacêutica se comprometeu a levar injeção à África. Ao jornal americano The New York Times, a Gilead prometeu disponibilizar o medicamento a um preço acessível em países de baixa renda com altas taxas de incidência de HIV, por meio de parcerias com fabricantes de genéricos em diversas regiões do mundo.
Mortes por HIV
Das 39,9 milhões de pessoas vivendo com HIV em todo o mundo, 9,3 milhões não estão recebendo o tratamento adequado. Como consequência, uma pessoa morre por minuto por causas relacionadas à Aids. Os dados estão em um relatório divulgadoem julho pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids).
Lideranças mundiais se comprometeram a reduzir as novas infecções anuais para menos de 370 mil até 2025. Em 2023, houve 1,3 milhão de novas infecções, número mais de três vezes superior ao estabelecido. "E agora, com cortes nos recursos e um aumento na oposição aos direitos humanos, coloca-se em risco o progresso já alcançado", diz o estudo.
*Com informações de matéria publicada em 24/07/2024.