O tempo está mesmo voando?

Já estamos em 2020, e parece que os anos 2000 foram ontem, mas muitos acham que quem está apressado somos nós

Sibele Oliveira Colaboração para o UOL Adriana Fukunari/UOL

"O tempo tem passado tão rápido que eu já deixo a minha árvore de Natal montada no armário. É como se ele tivesse encurtado, ficado mais rápido. Tudo sugere velocidade, urgência. E eu, por mais que me divida, me multiplique em várias, não tenho tempo. Não tenho tempo para a demanda do meu trabalho, não tenho tempo de ler todos os livros e ver todos os filmes que me interessam. Não tenho tempo para atender todas as ligações, responder tantos e-mails e curtir as milhares de fotos. Não tenho tempo para dormir as horas que desejo e muito menos de estar ao lado daqueles que amo".

É com o depoimento acima que o documentário brasileiro "Quanto tempo o tempo tem" começa. Ele mostra que nós conduzimos a vida de forma cada vez mais acelerada. De fato. Estamos sempre correndo, tendo ou não motivos para isso. Mesmo assim, parece que não somos rápidos o suficiente para acompanhar o ritmo do tempo. Quem não reclama de não dar conta do que quer ou precisa? Quem não gostaria de esticar o dia para fazer tudo com mais calma?

Temos a sensação de que mal um ano começa, já está terminando. Isso acontece porque não conseguimos fazer nossas tarefas e desejos caberem dentro do tempo. Nós o gastamos sem perceber, na tentativa de diminuir a montanha de compromissos não cumpridos à nossa espera. Mas ela só faz crescer, porque não paramos de receber informações, ofertas de cursos novos, convites irrecusáveis e infinitas possibilidades de entretenimento. Seduzidos por tudo isso, tratamos de encaixar um volume enorme de afazeres nas nossas agendas. É assim que o tempo passa sem que a gente veja.

Mesmo que no começo da pandemia os relógios tenham aparentado uma redução em seu ritmo, com a vida dentro de casa se tornando mais arrastada, é surpreendente como o ano já passou da metade. Afinal, como explicar essa contradição?

O relógio não mudou

Pode não parecer para alguns de nós, mas as horas, os minutos e os segundos se moviam no passado na mesma velocidade que no presente. "O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria natureza, flui igualmente sem relação com nada de externo, e com outro nome, é chamado de duração", disse Isaac Newton séculos atrás. Então por que tantas pessoas sentem que ele tem andado mais rápido? E porque, em alguns momentos, ele parece estar parado?

Não é o tempo que fica mais curto. Ao contrário. A cada século, nossos dias se tornam 1,8 milissegundos mais longos. O que acontece é que a sensação de passagem do tempo reflete o que ocorre no nosso mundo interno. É o que explica a psicóloga Raquel Cocenas, pós-doutora em ciências na área de percepção do tempo e emoções pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo).

Ou seja, é o que sentimos que nos faz ver o tempo voar ou se arrastar. E essa nossa visão particular envolve diferentes áreas cerebrais —como as relacionadas à emoção e à memória — além de vários neurotransmissores. "Não há uma área específica responsável pela passagem do tempo, mas uma combinação de várias áreas distintas que contribuem para a nossa noção de tempo", explica Marcelo Salvador Caetano, professor de neurociência da UFABC (Universidade Federal do ABC) e pesquisador do INCT/ECCE (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino).

Para quê tanta pressa?

A verdade é que, na nossa rotina antes da pandemia, nos acostumamos a correr contra o tempo. Mas o preço a pagar por essa corrida sem descanso é alto. "Precisamos tomar cuidado com a síndrome da pressa. As pessoas sentem que não dão conta. E realmente, muitas vezes não dão porque querem fazer coisas além do que poderiam", observa Mariângela Savoia, psicóloga do Programa de Transtornos de Ansiedade do Ipq HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Manter esse ritmo frenético até não aguentar mais abre a porta para problemas emocionais como a ansiedade e a depressão. "A pessoa se sente incapaz, incompetente, pouco produtiva. Com a sensação de estar sempre devendo para todo mundo", diz a especialista. Como não consegue atingir as metas impossíveis que impõe a si mesma, acaba reforçando essa mensagem e se cobra ainda mais. "Ela sente que precisa estar o tempo todo antenada porque senão alguém vai passar na frente dela e tomar o seu lugar", diz Savoia.

Em tempos normais, a tecnologia é apontada como uma das responsáveis por engolir o nosso tempo é a forma como usamos a tecnologia, que preenche um espaço cada vez maior nas nossas agendas. "O constante bombardeio de estímulos visuais e auditivos captam a nossa atenção e a desfocam do tempo. Esse aumento do uso da tecnologia prejudica a nossa relação com o tempo e interfere em diversos aspectos de nossas vidas", analisa Cocenas. E contribui para nos perdermos na administração diária do nosso tempo, já que mensagens e solicitações chegam aos nossos celulares, tablets e computadores sem parar.

Mas o inimigo não é a tecnologia. Somos nós mesmos, quando não conseguimos ter um equilíbrio entre o tempo que ficamos conectados e o que passamos longe das telas. Para compensar as horas perdidas no ambiente virtual, nos forçamos a ser mais ágeis nas outras tarefas. E assim nos tornamos uma geração de pessoas rápidas, mas nunca o suficiente. "Acabar com a tecnologia não é possível nem necessário. Mas tomar consciência de que podemos viver o momento presente com mais sossego é fundamental para a saúde mental", alerta Lidia Weber, professora de psicologia da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Agora na pandemia, quem pode cumprir o isolamento social sentiu essa relação mudar um pouco. Algumas pessoas que trabalham em home office, por exemplo, se queixam de não estar dando conta do trabalho. E o problema não é falta de tempo. "É que ele ficou embaralhado com outras questões psicológicas. E essa relação [com o tempo] está intimamente ligada com todas as dúvidas da pandemia, medo, insegurança e vulnerabilidade. É como um simulacro de um estado de depressão", destaca Weber. Muitos de nós estamos vivendo uma contradição. Por um lado, estamos quase na metade do ano e talvez não tenhamos produzido tanto quanto gostaríamos. Por outro, os dias demoram a passar. Ficamos horas seguidas vendo séries de televisão ou ocupados com outras distrações.

Essa mudança abrupta da rotina atinge em cheio a saúde psíquica. A nossa atenção já não é a mesma. Experimentamos emoções negativas e obsessivas. Pensamos sem parar nos acontecimentos ruins. As consequências disso? "Aumenta o estresse, a ansiedade, os pensamentos ruminantes e a predisposição para episódios depressivos", enumera a psicóloga. O importante nesse momento, segundo ela, é não nos cobrarmos tanto.

O ponteiro das emoções

A nossa percepção do tempo pode ser alterada por bebidas estimulantes como o café, pelo cigarro e por drogas ilícitas como a cocaína. Elas nos fazem ter a ilusão de que as horas estão correndo. Por outro lado, substâncias calmantes como a maconha desaceleram o nosso relógio interno. "O que acontece é que essas substâncias agem no cérebro modificando a quantidade de neurotransmissores como a dopamina, ou imitando seus efeitos. Há uma correlação direta entre a ação desses neurotransmissores e nossa percepção da passagem do tempo", ensina Caetano.

Mas nada interfere tanto na percepção do tempo como as nossas emoções. Quando o relógio não anda em sintonia com o que estamos sentindo no momento, ele pode parecer apressado ou lento. "O tempo do relógio é o tempo cronológico, do social, do coletivo, que segue uma linearidade temporal marcada pelos segundos, minutos e horas. Já a experiência pessoal do tempo é elástica e diversos fatores podem influenciar e interagir nela", esclarece Cocenas. Além de emoções, as nossas expectativas, a complexidade da tarefa a ser executada, a atenção ou distração também interferem na maneira como sentimos o tempo.

É por isso que quando nos acontecem coisas boas, temos a impressão de que o tempo passa rápido demais. Mas se vivemos um momento ruim —como a pandemia do novo coronavírus e o repentino isolamento social—, ele parece durar uma eternidade. Ambos despertam em nós reações diferentes. "Quando estamos nos divertindo, nos envolvemos nessas atividades e não prestamos atenção no horário em si. Isso faz com que o tempo voe. Já quando estamos em uma situação aversiva, desconfortável, não vemos a hora dela terminar e acabamos voltando nossa atenção ao relógio", diferencia Caetano.

Sentir o tempo voar é uma sensação mais forte para algumas pessoas do que para outras. Antigamente, a ciência acreditava que o envelhecimento acentuava essa percepção. Mas essa certeza vem sendo contestada. Em um artigo publicado recentemente, os pesquisadores Sylvie Droit-Volet e John Wearden afirmam que experiência da passagem do tempo na vida cotidiana não tem a ver com a idade, mas com o estado emocional de cada um.

Não se pode negar que é comum pessoas mais velhas terem um dia a dia sem muitos acontecimentos, sem as novidades e experiências marcantes que costumam fazer parte do início da vida. Por não terem memórias novas, elas veem os anos passarem num piscar de olhos. Mas isso não é uma regra. Há idosos que têm uma vida dinâmica e jovens presos a uma rotina monótona. Independentemente da idade, uma boa dica para "alongar" os dias é apreciar as coisas simples, como prestar mais atenção nas pessoas, nas ruas, nas cores, nos cheiros, nos sabores em outros encantos do cotidiano que geralmente passam despercebidos.

Como nos relacionamos com o tempo

Mas afinal, o que é o tempo? Essa é uma pergunta para a qual o ser humano sempre buscou reposta. De acordo com Dulce Critelli, professora de filosofia da PUC-SP (Pontifícia Universidade de São Paulo), a concepção de tempo no passado era cíclica, baseada na natureza, onde há um recomeço depois do fim. Como uma árvore que antes de morrer produz frutos e sementes que permitem que ela tenha continuidade em outras árvores iguais a ela, entrando num ciclo infinito. Ou como as estações do ano que terminam, mas sempre voltam.

Segundo ela, isso não acontecia com o ser humano. Porque mesmo que ele tivesse filhos, seriam pessoas diferentes e não perpetuariam a sua memória. Essa era a busca dos gregos: descobrir uma forma de fazer o homem entrar no tempo cíclico. Porém, com o cristianismo essa noção foi interrompida. "O nascimento do Cristo acabou com essa ideia de renovação. O homem passa pela terra, vive o passado, está no presente e caminha para o futuro. E quando ele termina, vai para a dimensão do encontro com o Pai. Mas não é mais um tempo que se renova". Então se consolidou a visão de um tempo linear, como se fosse uma linha reta. Ou seja, com início, meio e fim. E é assim que muitos de nós o enxergamos hoje.

Antes o tempo era considerado uma propriedade do mundo, assim como o espaço. Hoje não mais. "A partir do pensamento existencial, a questão do tempo começou a ser vista como uma condição do homem. Não é o mundo que tem o tempo. É o homem que é temporal, porque tem um começo e um fim. Ele dura no intervalo de tempo entre o nascimento e a morte", sintetiza a filósofa. É exatamente pelo tempo ser finito que nos cobramos como fazer o melhor uso possível dele. Pois sabemos que mais cedo ou mais tarde vai acabar.

Na ânsia de aproveitar cada segundo do nosso tempo, o entupimos de ocupações. Para Critelli, isso explica a percepção de que, em condições de vida normal, os dias parecem mais corridos. "O problema não é o tempo que encurtou, mas o modo como nos relacionamos com as nossas ocupações que dá para nós a sensação de um tempo estendido ou extremamente curto e rápido". Outro motivo que também faz com que as horas pareçam voar é a avalanche de barulhos que ouvimos nas grandes cidades. É por isso que quando estamos num lugar silencioso como uma fazenda, temos a impressão de que o tempo desacelera.

Use o tempo com inteligência

  • Faça um bom planejamento

    Ao preparar uma lista com o que você precisa ou quer fazer, avalie se é possível dar conta de todas as tarefas e crie estratégias para cumpri-las. Não marque muitas no mesmo dia para que nenhuma fique mal feita ou inacabada. Se o planejamento não estiver funcionando, revise seus objetivos

  • Avalie o que é realmente necessário

    Antes de encher a agenda, reflita se tudo o que você está programando é essencial e faz sentido. Não vale a pena se sobrecarregar de coisas ou insistir no que não te faz bem. E lembre-se. Todos nós passamos por fases tumultuadas. Nesses momentos, abra mão de atividades que não são estritamente necessárias

  • Reserve tempo para os imprevistos

    Marcar compromissos seguidos gera pressão, estresse e ansiedade. Calcule um intervalo de tempo razoável entre eles, pois podem ocorrer atrasos no trânsito ou na execução de tarefas complexas. Se for preciso, negocie prazos

  • Estabeleça um limite de tempo para cada tarefa

    Isso vale tanto para as tarefas importantes quanto para as atividades de lazer. Assim, uma não invade o tempo da outra. Quando o assunto é internet e redes sociais, essa disciplina deve ser levada ainda mais a sério

  • Delegue funções

    Ninguém consegue abraçar o mundo sozinho. É importante lembrarmos que não somos os únicos capazes de fazer as coisas bem feitas. Ao dividir responsabilidades e obrigações com os outros, você tira um peso enorme das costas e seu tempo sobra para pausas e momentos de relaxamento

  • Cuide bem de você

    Quem atravessa madrugadas tentando dar conta dos compromissos não só sacrifica o corpo e a mente, mas também não consegue fazer o que se propõe com a qualidade que gostaria. Não abra mão de uma boa noite de sono e sempre reserve tempo para a família, os amigos e o lazer. Se você estiver bem, sua produtividade aumentará

  • Aprenda a falar "não"

    Pessoas que encontram dificuldade para recusar trabalhos, convites ou negar favores ficam sobrecarregadas e não têm tempo para si mesmas. Identifique as situações em que é preciso falar "não" e faça isso sem culpa

  • Perdoe suas falhas

    Quando fazemos tudo correndo, aumentam as nossas chances de erro. Aprender a se perdoar pelo que não dá certo e aceitar que ninguém é perfeito são dicas importantes para quem não consegue ter um ritmo de vida mais tranquilo

Ancorados no presente

No livro Ser e tempo (editora Vozes), o filósofo alemão Martin Heidegger revela uma fotografia do presente. "De início, o tempo se oferece como a sequência ininterrupta de agoras. Cada agora também já é um há pouco e um logo mais. Se a caracterização do tempo se atém, primária e exclusivamente, a essa sequência, então, nela, como tal, não se pode encontrar, fundamentalmente, nem um princípio e nem um fim. Enquanto agora, todo último agora já é sempre um logo não mais. É, portanto, tempo no sentido de agora-não-mais, de passado; todo primeiro agora é sempre há um pouco, ainda-não e, com isso, tempo no sentido de agora-ainda-não, de futuro. Para ambos os lados, o tempo é o sem fim".

Fazemos uma salada do tempo, transitando entre o passado, o presente e o futuro. Mas precisamos dar a cada um o lugar certo nas nossas vidas. "A percepção do passado nos revela a nossa história. A do futuro nos mostra as nossas possibilidades, ainda não convertidas em história. E a experiência do presente é uma tentativa de segurar o passado e fazer com que aquilo que é projetado no futuro se torne o que a gente chama de realidade", detalha Critelli.

É como olhar uma estante. Tanto ela quanto os livros que repousam em suas prateleiras são vestígios de ações passadas. As obras não lidas pertencem ao futuro, já que são uma hipótese, uma promessa que pode ou não se concretizar. "O real é essa experiência intermediária entre um antes, um agora e um depois. Entre o ontem, o hoje e o amanhã. Antes, a gente entendia que era o passado que nos empurrava. Hoje, com essa visão mais existencial, vemos que o futuro é aquilo que nos convoca e nos faz nos movimentar", completa a filósofa.

O que nos faz pensar mais no passado ou no futuro é o descontentamento com o presente. O filme Meia-noite em Paris (2011), de Woody Allen, traz uma reflexão sobre esse sentimento. Mostra um homem que tem nostalgia de um tempo que não viveu e que fantasia ser melhor, sem as imperfeições da realidade. "Um toque de passado é bom, pensar um pouco no futuro também, mas o mais importante é aprender a viver melhor, a encontrar coisas boas no momento presente. Por isso hoje se fala tanto em 'atenção plena', ou mindfulness. Entender que nossa maior satisfação é aqui e agora", salienta Weber.

Como aceitar a passagem dos anos

Algumas pessoas se recusam a aceitar que a juventude, os momentos felizes e mesmo a vida lhe escapem das mãos. Por isso fazem de tudo para parar o tempo, como se submeter a uma infinidade de procedimentos estéticos. As pessoas que sofrem com o envelhecimento são as insatisfeitas com a própria biografia. "O tempo não é um problema nele mesmo. Só começa a se tornar problemático se não temos uma vida de realizações e ela não faz sentido. Quando nos envolvemos com coisas que fazem sentido para nós, mudamos a nossa sensação de tempo", reflete a professora de filosofia da PUC-SP.

Só vemos o tempo com olhos mais gratos quando sentimos que a nossa presença no mundo não é em vão, que somos importantes e positivos para a nossa família, nosso grupo de amigos, nosso trabalho e sociedade como um todo. Então, em vez de tentar segurar inutilmente o tempo, fazemos as pazes com ele. Critelli lembra que o filósofo Martin Heidegger dizia que somos um tempo que se gasta. Ter consciência disso é útil para não desperdiçar as oportunidades, parar de se ocupar com o que não tem tanto valor, festejar as coisas boas que nos acontecem e organizar melhor o nosso dia a dia.

Aceitar o curso natural da vida e não se preocupar com o calendário ou com a finitude é uma das receitas para quem quer ter uma vida saudável. Quem não consegue se entender com o tempo precisa de apoio para se sentir bem novamente. "O sinal vermelho é quando a pessoa fica irritada, triste, estressada e impaciente. Às vezes é necessário um auxílio emocional para ela voltar para o amarelo e depois para o verde", alerta Savoia. Compreender isso ajuda a poupar um tempo precioso que seria gasto com sofrimento.

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