Da exclusão à potência: conheça a história do esporte paralímpico no Brasil
A delegação brasileira disputa as Paralimpíadas de Tóquio com um objetivo ousado: o de subir ao lugar mais alto pódio pela centésima vez na disputa. Em 12 participações nos Jogos, o país soma 87 ouros, figurou no top 10 nas últimas três edições e, por isso, é uma das potências mundiais do esporte adaptado. A história de sucesso, no entanto, começou bem diferente do que o esporte paralímpico representa, que é a inclusão e a luta contra o preconceito.
Por muito tempo, pessoas com deficiência ficaram afastadas da prática esportiva, em que a exclusão dessas atividades era uma realidade já a partir das aulas de educação física nas escolas brasileiras. Com a ampla difusão de um modelo mecanicista, é comum que a educação física seja, primordialmente, ensinada através da pura prática dos esportes mais populares no Brasil. Sem um pensamento inclusivo, os alunos com deficiência ficavam afastados dos demais colegas.
"Antigamente, ainda era muito incipiente o esporte para as pessoas com deficiência. Aliás, ao contrário. Se a gente pensar um pouco na história da educação física, vamos ver que as pessoas com deficiência eram dispensadas das aulas. Não podiam fazer educação física ou esporte", contou Alberto Martins da Costa, doutor em Educação Física e Esportes Adaptados, professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e diretor técnico do Comitê Paralímpico Brasileiro, em entrevista ao UOL Esporte.
Após a Segunda Guerra Mundial, em meados da década de 1940, a atividade física se tornou um importante ativo na reabilitação de veteranos e civis que passaram a conviver com algum tipo de deficiência como sequelas do conflito armado. Em 1944, o médico alemão Ludwig Guttmann criou um centro de reabilitação no hospital de Stoke Mandeville, na Inglaterra, especializado em lesões na coluna cervical. O neurologista utilizava o esporte como instrumento não só de reabilitação, mas também de recreação — e logo viu o potencial competitivo.
Com isso, o esporte adaptado ganhou força. Crescendo em todo o mundo, não apenas veteranos de guerra começaram a praticar o esporte, mas muitos que nasceram ou passaram a conviver com deficiências físicas e intelectuais se viram com a chance de entrar no mundo esportivo. O intercâmbio entre os países foi crucial para que a prática das modalidades chegasse ao Brasil.
Em 1958, os brasileiros Robson Sampaio de Almeida e Sérgio Seraphin Del Grande, ambos cadeirantes devido a lesões na coluna, viajaram até os Estados Unidos para fazer tratamento médico. Lá, conheceram o basquete em cadeira de rodas. Quando voltaram para o Brasil, criaram os clubes que iniciaram a história do esporte paralímpico no Brasil: o Clube do Otimismo, no Rio, e o Clube dos Paraplégicos, em São Paulo.
"O basquete com cadeira de rodas, não só aqui no Brasil, mas no mundo de forma geral, veio como um carro-chefe para mostrar a potencialidade das pessoas com deficiência através do esporte", ressalta Alberto Martins da Costa, que também está em Tóquio como chefe da missão brasileira.
A primeira partida oficial de basquete em cadeiras de rodas no Brasil aconteceu em 1959, no Maracanãzinho, onde os dois clubes precursores se enfrentaram. O jogo foi vencido vencido pela equipe de São Paulo pelo placar de 22 a 16. Esse é considerado como o início da prática sistematizada do esporte adaptado no país.
O esporte adaptado cresce e o Brasil estreia nas Paralimpíadas
A cidade de Londres recebeu os Jogos Olímpicos em 1948. Influenciado pelo clima olímpico, o médico Ludwig Guttmann resolveu, no dia da cerimônia de abertura, realizar uma competição de tiro com arco com seus pacientes, e batizou a atividade de Jogos de Stoke Mandeville. A competição passou a ser realizada periodicamente e, em 1952, competidores da Holanda se uniram aos atletas britânicos. Organizou-se, então, um movimento internacional dos esportes adaptados, que foi o embrião dos Jogos Paralímpicos.
A primeira Paralimpíada foi disputada em Roma, em 1960, com a participação de 400 atletas em oito modalidades. Quatro anos mais tarde, em Tóquio-1964, olímpicos e paralímpicos competiram na mesma sede. Depois, a periodicidade da Paralimpíada manteve-se em quatro anos, mas sendo realizada em locais diferentes do Jogos Olímpicos. Desde Seul-1988, as Olimpíadas e as Paralimpíadas são realizadas na mesma sede.
A primeira participação brasileira nos Jogos Paralímpicos ocorreu na edição de Heidelberg, na antiga Alemanha Ocidental, em 1972, com 20 atletas (todos homens) em quatro modalidades (atletismo, natação, tiro com arco e basquete em cadeira de rodas). As primeiras mulheres participaram dos Jogos na edição de 1976, em Toronto (Canadá). As pioneiras foram Maria Alvares (tênis de mesa e atletismo) e Beatriz Siqueira (natação e lawn bowls).
Foi também em 1976, nos Jogos de Toronto, que o Brasil conquistou sua primeira paralímpica, com Robson Sampaio de Almeida e Luiz Carlos da Costa — a dupla ganhou a prata no lawn bowls, uma modalidade parecida com a bocha, disputada na grama e mais conhecida em países da Comunidade Britânica. As primeiras medalhas conquistadas por uma mulher vieram em 1984, na edição que foi disputada em duas sedes: Nova York, nos EUA, e Stoke Mandeville, na Inglaterra. No atletismo, Marcia Malsar conquistou ouro nos 200m C6, prata nos 1.000m cross country C6 e bronze nos 60m C6.
Criação do CPB e o surgimento de uma potência
O Comitê Paralímpico Brasileiro foi criado em fevereiro de 1995 e foi um passo importante para o desenvolvimento do esporte paralímpico. Antes dele, o Brasil participou de seis edições dos Jogos e a organização das modalidades se dava por meio de associações, federações e confederações por tipo de deficiência.
Com o crescimento das modalidades, confederações foram surgindo e administrando de forma separada alguns dos esportes vistos nos Jogos Paralímpicos. O surgimento do CPB, então, veio como uma forma de centralizar a organização e planejar de forma concreta o esporte.
Em 2001, a Lei Agnelo/Piva foi sancionada, determinando que 2% da arrecadação bruta de todas as loterias federais do país fossem repassados ao Comitê Olímpico Brasileiro e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro. Com mais recursos, o caminho vencedor do esporte paralímpico brasileiro começou. Em Atenas-2004, o CPB decidiu adquirir os direitos de transmissão dos Jogos Paralímpicos e repassar para o Grupo Globo. O Brasil, então, pôde ver na televisão os grandes feitos dos atletas do país, o que incentivou ainda mais o esporte adaptado e trouxe novos praticantes que, posteriormente, se tornaram ídolos.
"A partir de Atenas, a gente via Ádria Santos e Clodoaldo Silva dando entrevistas, autógrafos nos shoppings, sendo reconhecidos na rua. Isso trouxe uma nova dimensão para o esporte paralímpico", ressalta Alberto Martins da Costa. "Se você pegar uma entrevista do Daniel Dias, ele vai dizer que veio (para o esporte) por ter visto o Clodoaldo. E assim vários outros atletas se espelham nesses ídolos e hoje são ídolos de outras pessoas." Daniel Dias, da natação, é o atleta mais vitorioso da história do esporte adaptado do Brasil. Em três participações nos Jogos, conquistou 24 medalhas (14 de ouro, 7 de prata e 3 de bronze) — e a conta pode aumentar, já que em Tóquio ele disputará sua última Paralimpíada.
Desde Pequim-2008, o Brasil se posicionou no top 10 das Paralimpíadas. Então, veio a grande oportunidade para o CPB: os Jogos do Rio, em 2016. Com o torneio disputado em casa, o Brasil teve a chance de mostrar para a população as modalidades e a força do país no esporte adaptado. Foi a melhor participação do país nos Jogos Paralímpicos em toda a história, conquistando 72 medalhas, sendo 14 ouros, 29 pratas e 29 bronzes.
Além disso, o Rio-2016 também trouxe o maior legado estrutural até hoje: o Centro de Treinamento Paralímpico, localizado em São Paulo. Lá, atletas desde bem jovens têm um lugar para treinar, se desenvolver e estar em contato com os melhores profissionais. A tendência, no entanto, é que frutos do Centro atinjam seu auge em 2028, o que dá a expectativa de que o futuro do esporte paralímpico do Brasil seja ainda mais dourado.