Declaração de moda

Da camisa de R$ 3.000 até inovações conceituais dos uniformes, respondemos: pode usar camisa de time no date?

Sergio Pantolfi Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação e Vini Ferreira/Reprodução Instagram

Na quinta-feira, Muhammed Gumuskaya marcou um golaço na partida do Fernerbahce contra o HJK, pela Liga Europa. Para comemorar, fez o que muita gente sempre faz: levou a mão ao peito, puxou e... Cadê o escudo? Não tinha. Aquela era a primeira partida em que o Fener usava seu novo uniforme, desenhado pela Puma, que não tinha o escudo —ou melhor, até tinha, mas ele estava em relevo em toda a camiseta, escondido.

No mesmo dia, o Napoli, da Itália, apresentou seus novos uniformes. Dessa vez, não foi a ausência, mas a presença que causou polêmica. As camisetas são o primeiro fruto da parceria do clube com Giorgio Armani. E a marca que estampava o lado direito do peito era a EA7, o braço esportivo do grupo de moda. O problema é que o 7 em questão era uma alusão ao ucraniano Andriy Shevchenko, craque do... Milan.

São apenas dois exemplos de como nesta temporada, mais do que em qualquer outra antes, moda e futebol estão mais próximos do que nunca. Nos próximos parágrafos, o UOL discute o que existe de novo nessa relação, incluindo as camisas de futebol da grife Balenciaga de mais de R$ 3.000, e responde à pergunta que ninguém consegue ignorar: pode usar camisa de time no date?

Divulgação e Vini Ferreira/Reprodução Instagram

Hoje, assistimos a consumidores que montam seu look a partir de uma camisa de futebol estilosa. Nesse ponto, temos uma grande contribuição das mulheres: hoje elas são fundamentais para elevar esse conceito da Jersey Culture, transitando por vários espaços diferentes."

Gustavo Viana, diretor de marketing da FISIA, distribuidora oficial da Nike do Brasil

Estrop/Getty Images
As camisas de R$ 3.800 da Balenciaga

O fenômeno

Entre os fashionistas, não existe nenhuma dúvida de que camisas de futebol são itens de moda. Há anos elas são tratadas como peças-chave e aparecem em videoclipes, campanhas de moda de rua e em qualquer lugar em que um figurino mais contemporâneo é pedido. Isso fez com que as marcas mais tradicionais do futebol, como Adidas, Nike e Puma, começassem a olhar para suas peças com outros olhos.

E atraiu players diferentes. A entrada da Armani no Napoli é um exemplo, mas talvez a iniciativa mais icônica seja da grife Balenciaga. No ano passado, em seu tradicional desfile de inverno 2020, um dos conceitos apresentados era o de uma camisa de futebol. O modelo, que lembrava o uniforme 2 do Real Madrid da temporada 2001/02, custava a bagatela de 780 dólares (em torno de R$3.800 em números atuais). Seria a camisa de time mais cara do mundo —a Armani ainda não anunciou o preço para as do Napoli.

Não é a primeira vez que grifes luxuosas entram no mercado esportivo. A Louis Vuitton, por exemplo, aposta na NBA como seu carro chefe para coleções esportivas. Seu principal garoto propaganda é o case de viagem para do troféu Larry O'Brien, dado ao time vencedor da NBA. A grife também montou coleções com casacos e camisetas casuais com brasões que remetem aos clubes e até mesmo chuteiras —sapatos com um visual de chuteira old school que custam "apenas" US$ 725 (cerca de R$3.600).

Designer global da Adidas, Sergio Afonso Mareco Jr. explica que a inspiração dessas grifes não vem do futebol atual, mas daquele dos anos 1980 e 1990, em que era mais comum desenhos e customizações nos uniformes. "Hoje em dia existem muitas regras da FIFA e da UEFA que limitam o processo de personalização dos uniformes. Isso vai desde cores, gráficos e estampas até no formato das camisas. Não podemos nem mesmo usar o apelido dos clubes. Precisamos sempre estar em ordem para não termos problemas com as entidades". comenta JR, responsável pelo desenho das camisas de todos os times brasileiros patrocinados pela marca (Cruzeiro, Flamengo, Internacional e São Paulo) e que também cuida de alguns times da Major League Soccer e, esporadicamente, faz trabalhos para seleções.

Stu Forster/Getty Images

As regatas de Camarões

A referência que JR fez a formatos tem origem na Copa de 2002. No início daquele ano, a Puma usou a seleção africana para sua maior inovação: uma camiseta regata para o futebol. A primeira versão foi usada na Copa Africana das Nações. A Fifa não aprovou e reforçou a regra de camisas com mangas para o esporte. Por isso, na Copa do Mundo da Coreia e do Japão, meses mais tarde, os camaroneses jogaram com uma manga preta, em protesto contra as restrições. Nunca mais a regata voltou a ser discutida.

Divulgação

Jimi Hendrix e futebol

Um dos casos de sucesso que driblou essas restrições foi a camisa do Seattle Sounders, da MLS, em homenagem a Jimi Hendrix, que nasceu na cidade. Nas cores roxa e laranja, foi inspirada no amor do músico por cores e padrões psicodélicos. O uniforme tem ainda estampado um autógrafo do músico e a frase ?We got to stand, side by side? (?Nós temos que ficar de pé, lado a lado?, em português), trecho da música ?Straight Ahead?, lançada em um disco póstumo de Hendrix em 1997 -- ele morreu com 27 anos em 1970.

Alexandre Vidal / Flamengo
Gabigol e a camisa 2 do Flamengo, com detalhes inspirados em origamis

Mercado Brasileiro

Inovações até fazem sucesso fora dos campos, mas com as torcidas a história nem sempre é essa. Modelos mais alternativos não costumam ser bem recebidos pelos torcedores brasileiro, que costumam sempre criticar uniformes que fogem às tradições. A visão é que uma camisa de futebol carrega muito mais do que o brasão do clube —a Puma, por exemplo, não confirma que esse é o motivo, mas não incluiu o Palmeiras no projeto de terceiras camisas sem o escudo, lançado nesta semana e que rendeu a confusão com o jogador do Fenerbahce do início dessa reportagem.

Camisa de time carrega simbolismo identitário que se expande em variações de estilo, linguagem e cultura. Por aqui, o esporte é o senso de igualdade de todos. Do patrão ao empregado, muita gente respira futebol e isso impacta diretamente as vendas no Brasil. "A tradição mata o marketing", explica JR, da Adidas, porque o espaço para inovação é limitado.

Mesmo assim, existe espaço para conceitos. E Flamengo e Corinthians são exemplos disso com seus uniformes nesta temporada.

''Uma das camisas que eu gostei mais do resultado é a camisa away do Flamengo dessa temporada 2021. Eu tinha uma direção de arte em que precisava desenhar uma camisa inspirada em 1981, mas sem ficar igual. Eu tirei alguns detalhes importantes. O Flamengo usou a camisa away no Mundial no Japão e ela tinha faixas nas mangas. Meu brainstorming foi baseado nessas duas informações e, com isso, veio a ideia de fazer um gráfico usando algum elemento da cultura japonesa. Comecei a procurar traços geométricos e me deparei com origamis, algo muito popular no Japão. Assisti alguns tutoriais para fazer um origami de urubu, o mascote do clube. Depois, foi pensar em como usar o origami pra fazer a estampa. Foi uma das camisas mais legais que eu desenhei'', diz JR, da Adidas.

Rodrigo Coca/Ag. Corinthians
Camisa principal do Corinthians com as rachaduras

Já as camisas do Corinthians para a temporada 2021/22, criadas pela Nike, trazem duas ideias. No primeiro uniforme, é presentada a "Alma Corinthiana". O intuito era mostrar um clube de vanguarda na luta para a quebra de barreiras, para inspirar os torcedores a ajudar a construir uma sociedade mais justa e igualitária. Daí a camisa branca com rachaduras, criadas pela quebra de paradigmas.

A segunda camisa é inspirada na arte de rua e as listras ganharam a estética de tinta spray, estilizada pelo artista visual e grafiteiro Thiago Icone K. Ambas as camisas conversam com a história do clube, com seus torcedores e com o estilo de vida do corinthiano.

"A Nike quer que quem estiver usando a camisa se sinta bem, independentemente do ambiente em que estiver. Hoje, queremos trazer cada vez mais inovações para os nossos produtos — tanto em termos de tecnologia, quanto em termos de estética. Para isso, estamos sempre trocando com especialistas, consumidores e diversos parceiros para que nossos uniformes possam oferecer novas tendências e novas possibilidades de estilo para todos'', diz Gustavo Viana.

Reprodução Reprodução

Estilo ao lado das grandes marcas

Outra tendência é usar camisas de futebol para compor looks que fogem do padrão tradicional. O conceito gira em torno de um futebol globalizado que pode ser usado e interpretado das mais diferentes formas. O exemplo disso é a influencer Karem Keiko, que introduz no streetwear o uniforme do Corinthians. Ela foi modelo nas campanhas publicitárias do clube e é quem está nas fotos que abrem essa reportagem.

Em seu perfil no Instagram, a jovem sempre está postando diferentes formas de usar um look com camisa de time. Além disso, traz outras composições e estilos de roupas que sempre estão de acordo com o público-alvo que a segue.

Outro exemplo é o diretor de arte Raphael Pereira —com a camisa do Flamengo acima. Dono de marcas próprias, ele vestiu alguns nomes importantes do rap brasileiro como BK, Felipe Ret, Matuê e Dfideliz. Nas redes sociais, ele posta looks para a apresentação para os fãs, e aqueles com camisa de futebol sempre estão em alta entre os seus seguidores.

"Minhas preferências e inspirações são mais dos anos 80 e 90. Gosto de usar camisas de time vintage, com algum tênis de CW similar à da camiseta e que faça referência pra época. Isso também costuma valer pra calça, mas cada um usa o que quer."

Além disso, outra vertente que está em alta é o upcycling, que prega o reaproveitamento de peças antigas para a criação de novas. O futebol entra aqui porque uma camisa básica pode ser usada com uma camisa mais antiga, com recortes, sobreposições ou criação de novas estampas e padrões. Inclusive, esse vai ser o próximo trabalho de Pereira em conjunto com a estilista de moda Isadora Guimarães.

Depois de tudo isso, fizemos a pergunta para o Raphael: pode camisa de time no date? "Pode, sim! Cada um usa o que quer, a gente não pode decidir o que o outro está usando, cada um tem sua identidade."

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