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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Não fica triste, não': invisibilizar um sentimento é acolhe-lo?

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Imagem: iStock
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Colunista do UOL

09/06/2023 10h02

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Recentemente, fui convidada para participar de uma roda de conversa com crianças de 7 a 10 anos. O tema do encontro era "saúde mental na infância". A ideia era que eu dialogasse com a turma sobre os sentimentos e formas de lidar com eles.

Em meu planejamento, organizei a seguinte atividade:

Faríamos uma roda inicial e a educadora da escola me apresentaria para a turma, explicando que eu sou psicóloga. Em seguida, eu perguntaria se o grupo sabe o que faz uma profissional de minha área. Depois de escutar a todas as crianças, eu pediria que levantassem os nomes de sentimentos e emoções que conhecem e fossem dando cores para cada palavra. Por exemplo: o medo pode ser roxo, a raiva pode ser vermelha. Por fim, eu apresentaria situações e pediria que indicassem, por meio da cor, o sentimento que elas teriam na situação.

— Como me sinto quando o lanche demora para chegar?

— Vermelho —indicando raiva.

— E o que posso fazer para lidar com a raiva?

Na minha cabeça de educadora e psicóloga, a atividade seria essa. Mas nós sabemos que nem tudo sai conforme o planejado.

A atividade começou da forma que planejei. A educadora me apresentou às crianças e eu pedi que se apresentassem, dizendo o nome, a idade e o que achavam que uma psicóloga faz.

Algumas respostas foram mais ou menos assim:

— Eu acho que psicóloga é médica de gente que bebe muito.

— Eu acho que psicóloga é uma pessoa que recebe dinheiro para te escutar um pouquinho.

— Psicóloga é alguém que te ajuda a cuidar dos sentimentos mais bravos.

Depois de uma rodada de apresentação, perguntei quais sentimentos aquelas crianças conheciam. Imediatamente uma menina respondeu:

— Luto é sentimento?

Um menino disse que acreditava que o luto era uma fase da vida e que a tristeza era o sentimento quando estávamos em luto.

Nesse momento a turma voltou a atenção para reflexões sobre a morte e o luto. Cada criança contou sobre momentos da vida em que precisaram lidar com os sentimentos em decorrência do luto.

Muitas se emocionaram ao lembrar dos animais de estimação e familiares que morreram. Até que a educadora que me acompanhava disse:

— Ah, não fiquem tristes, não. Vamos fazer um lanchinho?

Sabemos que a tristeza, sobretudo aquela gerada pela morte de alguém, por vezes, é um sentimento desconfortável, mas que precisa de acolhimento também. Pedir a uma criança que não fique triste é, de alguma maneira, dizer a ela que aquele sentimento é inadequado ou não deveria ser sentido.

Dessa forma, ao pedir que a criança não fique triste, estamos dizendo que, ao sentir aquilo, ela deve reprimir ou esconder o sentimento.

Devemos pensar na tristeza como um sentimento importante e que, por ser dolorida e fragilizante, pode ser partilhada com outras pessoas.

Conversar sobre a tristeza é necessário, fugir do diálogo sobre ela é negligenciar parte importante da vida.

Invisibilizar esse e outros sentimentos não nos ajuda a lidar com eles.