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O que pode ser?

A partir do sintoma, as possíveis doenças


Refluxo gastroesofágico pode ser crônico; tratá-lo previne complicações

Imagem: iStock

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

12/01/2021 04h00

Depois de uma refeição farta, é fácil identificar os sinais que o sistema digestivo manda para nos dizer que exageramos. Por isso, todo mundo já sentiu aquele gosto amargo ou ácido na parte baixa da garganta, ou até mesmo uma queimação na região inferior ao osso do peito, causado pelo retorno do conteúdo estomacal.

Quando ocasionais, esses sintomas são considerados normais. Mas se aparecem com frequência, são intensos e ainda causam lesões nos tecidos, podem caracterizar a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).

Essa enfermidade é a mais comum entre os distúrbios gástricos e acomete 20% da população em geral, especialmente os homens, embora mulheres e até crianças também apresentem o quadro com algumas variações.

No Brasil, o percentual é de 12%. Até o momento não se conhece uma causa que explique o aparecimento da doença, mas já se sabe que ela decorre de múltiplos fatores biológicos, fisiológicos e/ou estruturais que levam ao mau funcionamento da barreira que controla a passagem do conteúdo ácido do estômago para o esôfago.

A DRGE é considerada um problema da vida moderna que pode estar relacionado ao tabagismo, dietas e hábitos alimentares inadequados, obesidade, abuso do álcool e estresse. Essa é a razão pela qual a primeira indicação médica para o seu tratamento é mudar o estilo de vida. Somadas a outras estratégias medicamentosas e até cirúrgicas, é possível controlá-la e ainda prevenir complicações.

Entenda o que é refluxo

Quando você come alguma coisa, o bolo alimentar chega até o estômago por meio de um canal --o esôfago.
No final dele, existe um músculo chamado esfíncter esofágico inferior. Ele funciona como uma porta que está sempre fechada para evitar que o ácido estomacal não volte para o esôfago.

Contudo, esse músculo pode ficar flácido por vários motivos. Aí, os movimentos estomacais podem facilitar a sua abertura, promovendo a passagem do ácido produzido pelo órgão em direção ao esôfago. A esse processo se dá o nome de refluxo. A explicação é de Flávio Antonio Quilici, professor titular de gastroenterologia e cirurgia digestiva da Faculdade de Medicina da PUC-Campinas (SP).

Quando isso acontece após uma refeição exagerada, ou mesmo depois de uma intervenção cirúrgica estomacal, essa manifestação é considerada normal. Já a DRGE corresponde àquelas situações nas quais os episódios de refluxo são exagerados, patológicos e ainda causam danos físicos no esôfago —como a esofagite observada em uma endoscopia digestiva.

Por que isso acontece?

Até o momento não se conhece uma causa que explique o desenvolvimento da DRGE. Mas a literatura médica sobre o assunto registra que, ao longo dos anos, foram identificados alguns fatores de risco como anormalidades motoras, relaxamento transitório do esfíncter esofagiano inferior —a origem mais comum da enfermidade—, problemas anatômicos, além de hábitos de vida.

Os fatores que podem colocá-lo no grupo de pessoas com maior risco para a manifestação da DRGE são os seguintes:

  • Esfíncter esofagiano inferior com pressão reduzida (hipotensivo)
  • Hérnia de hiato (presente em apenas 1/4 dos casos)
  • Condições que reduzam a secreção de saliva e/ou a contrações (peristalse) do esôfago
  • Obesidade
  • Dieta rica em gorduras ou alimentos que relaxem o esfíncter esofágico inferior
  • Idade maior ou igual a 50 anos
  • Uso de tabaco
  • Consumo excessivo de álcool
  • Gravidez
  • Alguns tipos de medicamentos (como anti-inflamatórios, etc.)
  • Estresse e cansaço

Saiba reconhecer os sintomas

Sergio Alexandre Liblik, gastroenterologista e professor da PUC-PR diz que as manifestações da DRGE são classificadas pelos médicos em dois grandes grupos: as esofágicas e as extraesofágicas.

Entre as primeiras estão as típicas queimação (ou dor) na região retroesternal (na parte inferior do osso do peito), também chamada de pirose, e a regurgitação de conteúdo ácido ou azedo, por vezes acompanhado de alimento.

Já os sintomas extraesofágicos, difíceis de serem relacionados à DRGE, são mais comuns entre adultos e requerem sempre avaliação médica. Veja quais são eles:

"A dor torácica também pode aparecer, mas, nesse caso, é preciso diferenciar se ela tem origem cardíaca ou osteomuscular", acrescenta o especialista. Apesar disso, algumas pessoas podem apresentar poucos sintomas, e até a ausência deles.

Nesses casos, serão outras informações a revelar a possível presença da doença, como hábitos de vida, idade e uso de medicamentos que agridem o aparelho digestivo.

Saiba como diferenciar refluxo de sintoma cardíaco

A queimação no peito (pirose) e a dor torácica, típica de quadros cardíacos, podem gerar confusão de sua origem. Na dúvida, os especialistas sugerem a procura imediata de ajuda médica para avaliar o quadro, já que o diagnóstico dependerá de exames complementares.

Apesar disso, tenha em mente que na DRGE, os sintomas geralmente são mais leves e duram no tempo (crônico). Já nas doenças coronarianas, a dor no peito está frequentemente associada à falta de ar e à taquicardia, e é desproporcional aos sintomas antes experimentados.

Quando é a hora de procurar ajuda?

"A DRGE é uma das doenças que mais afeta a qualidade de vida das pessoas e, por isso, todo sintoma a ela relacionado que dura no tempo, e ainda causa desconforto, deve ser investigado", fala Jean Rodrigo Tafarel, gastroenterologista do Hospital Universitário Cajuru e do Hospital Marcelino Champagnat (PR).

Embora esta seja a medida a ser tomada, a maioria das pessoas acaba se automedicando, o que poderia mascarar quadros mais graves, até que eles apresentem sinais de alerta: dificuldade para engolir (disfagia), dor para engolir (odinofagia), emagrecimento, anemia (por deficiência de ferro) ou sangramento gastrointestinal.

"Para esses pacientes, o atendimento médico é prioritário e exige exames complementares", acrescenta Tafarel. O médico treinado para tratar a DRGE é o gastroenterologista.

Como é feito o diagnóstico?

Na maioria das vezes, ele é clínico. Isso significa que o diagnóstico se baseará no levantamento do seu histórico familiar e de saúde, seus sintomas, bem como no exame físico.

Mas o especialista poderá solicitar um exame complementar específico —a endoscopia digestiva alta, que auxilia a confirmar muitos casos, principalmente os atípicos. Os médicos consultados informam que este teste é importante porque permite a avaliação de fatores de risco, assim como revela a provável resposta ao tratamento (prognóstico), e ainda traz informações importantes como a presença (ou não) de hérnia de hiato —que também favorece o refluxo.

Outras possíveis solicitações são a laringoscopia —que avalia sintomas extraesofágicos, estudos de acidez (pHmetria), da atividade motora esofágica (manometria) ou do próprio refluxo (impedanciometria).

Como é feito o tratamento?

"O objetivo do tratamento é aliviar os sintomas, tratar lesões da mucosa [do esôfago], quando presentes, e prevenir complicações", explica Ricardo Barbuti, médico-assistente do Departamento de Gastroenterologia do HC-FMUSP.

A estratégia terapêutica se baseia em modificações comportamentais (mudanças no estilo de vida), bem como no uso de medicamentos específicos. Nos casos mais graves, pode ser indicada cirurgia. É importante saber que a DRGE é uma doença que pode ser crônica e, em certos casos, requererá monitoramento contínuo.

Assim, todo tratamento se inicia com orientações médicas para mudar a forma de se alimentar, perder peso, cessar o tabagismo, além da adoção de medidas práticas como evitar deitar-se por até 2 horas após as refeições, especialmente entre os pacientes que apresentam sintomas noturnos. Ademais disso, o médico pode sugerir erguer a cabeceira da cama em cerca de 15 cm.

Mudanças na dieta

Alguns alimentos são considerados desencadeadores do refluxo e devem ser evitados. A ASGE (sigla em inglês para Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal) sugere manter um diário alimentar para identificar quais são os itens especialmente desconfortáveis para você e, assim, será mais fácil adaptar a dieta para evitá-los no dia a dia.

De modo geral, os itens abaixo listados devem ser evitados porque são, reconhecidamente, prejudiciais para quem tem DRGE. Confira:

  • Café, inclusive o descafeinado - ele relaxa o baixo esfíncter esofágico;
  • Frutas e sucos cítricos - como laranja e abacaxi que são mais ácidas;
  • Tomate - inclusive os processados, suco de tomate, massas e pizzas com molho de tomate são considerados ácidos;
  • Bebidas gaseificadas - causam inchaço do estômago, o que aumenta pressão na parte inferior do esôfago, o que leva ao refluxo;
  • Chocolate - ele possui um elemento químico chamado metilxantina, que é semelhante à cafeína, tendo o seu mesmo efeito sobre o esfíncter;
  • Menta, alho e cebola - os três provocam o relaxamento do esfíncter, o que leva ao refluxo;
  • Gorduras, pimentas, frituras - além de ter o mesmo efeito relaxante, ele ainda atrasa o esvaziamento estomacal, o que facilita o refluxo.

Terapia medicamentosa

Nos casos mais intensos, os médicos têm à disposição alguns medicamentos específicos para controle dos sintomas. Saiba quais são eles:

  • Inibidores de bomba de prótons (como o omeprazol)
  • Antagonistas H2 (famotidina)
  • Medicamentos de barreira (hidróxido de alumínio)
  • Fármacos pró-cinéticos (domperidona)

Quando a cirurgia é necessária?

Ela pode ter indicação nos casos em que as mudanças no estilo de vida e o uso de medicamentos não tiveram o resultado esperado, ou nos quadros graves que já apresentam complicações.

No entanto, esta não é uma conduta comum, especialmente porque de 10% a 20% dos pacientes podem apresentar dificuldade para engolir (disfagia) ou eructar (arrotar) após a intervenção, o que pode ser muito pior, e até de mais difícil manejo, quando comparado aos próprios sintomas de refluxo.

Nos quadros nos quais a cirurgia é essencial, a prática mais comum é a fundoplicatura, que pode feita por videolaparoscopia. A técnica visa estreitar o esfíncter esofágico inferior para controle do refluxo.

Casos refratários

Algumas pessoas não respondem satisfatoriamente ao tratamento, inclusive o farmacológico. Um estudo publicado na revista médica Arquivos de Gastroenterologia mostrou que as causas para isso decorrem de fatores como baixos níveis de aderência ao tratamento, dosagens inadequadas de medicamentos, erro diagnóstico, presença de outras doenças, entre outros.

Os médicos consultados afirmam que essa circunstância não significa que a solução do problema deva ser cirúrgica. Ao contrário, ela revela a necessidade de reavaliação do quadro que poderá resultar em achados como sintomas associados à ingestão de alimentos muito fermentativos como determinados carboidratos, e até mesmo intolerância à lactose.

Nesses últimos casos, a acidez, por vezes, está ausente, e isso explicaria a falta de resposta aos medicamentos que a bloqueiam. A resolução do problema, em geral, é nova adaptação alimentar.

Conheça as possíveis complicações

Quadros crônicos, sem o devido tratamento, podem evoluir. A esofagite, uma irritação crônica da mucosa do esôfago, é a complicação mais comum da DRGE que pode até não apresentar sintomas.

Outras situações possíveis são a úlcera e obstrução (estreitamento) da passagem do esôfago, conhecida como estenose.

Quando a inflamação é crônica, os danos causados pelo ácido gástrico podem levar ao aparecimento de uma enfermidade chamada Esôfago de Barrett. Trata-se de uma alteração celular que está associada ao câncer esofágico, cuja incidência tem aumentado nos países ocidentais. Este quadro pode ser observado em 5% a 15% dos pacientes que se submetem a uma endoscopia digestiva alta, especialmente entre pessoas com obesidade.

Saiba como colaborar com o tratamento

Além de atender às recomendações médicas e fazer visitas regulares ao especialista, as medidas abaixo descritas podem aliviar sintomas e potencializar os resultados do tratamento. Confira:

  • Informe seu médico sobre o uso contínuo de outros medicamentos. Eles podem agravar seus sintomas;
  • Prefira fazer refeições mais frequentes, com menores quantidades de alimentos, em vez dos clássicos café da manhã, almoço e jantar;
  • Evite comer ou beber 3 ou 4 horas antes de ir para a cama;
  • Organize-se para que a maior refeição do dia não seja o jantar;
  • Aprenda a reconhecer os alimentos que desencadeiam seus sintomas. Os mais comuns deles são café, chocolate, tomate, álcool, gorduras, comidas condimentadas;
  • Evite roupas muito apertadas na região da barriga;
  • Levante a cabeceira da cama utilizando um pedaço de madeira ou tijolo. Coloque-o abaixo dos pés da cama. Não adianta usar mais travesseiros. Esta medida aumentaria a tensão abdominal;
  • Experimente várias técnicas de relaxamento, até encontrar a mais eficaz para você. Pratique-a com regularidade e toda vez que se sentir muito estressado;
  • Mantenha um peso saudável. Caso seja necessário, converse com seu médico sobre as melhores formas de perder peso para reduzir seus sintomas;
  • Evite fumar.

Fontes: Flávio Antonio Quilici, professor titular de gastroenterologia e cirurgia digestiva da Faculdade de Medicina da PUC-Campinas (SP), ex-presidente da FBG (Federação Brasileira de Gastroenterologia) (2017-2018); Ricardo Barbuti, médico-assistente do Departamento de Gastroenterologia do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); Jean Rodrigo Tafarel, médico gastroenterologista do Hospital Universitário Cajuru e do Hospital Marcelino Champagnat, professor de gastroenterologia da Escola de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) e membro da FBG (Federação Brasileira de Gastroenterologia); Sergio Alexandre Liblik, gastroenterologista e professor da Escola de Medicina da PUC-PR. Revisão técnica: Sergio Alexandre Liblik.

Referências: Antunes C, Aleem A, Curtis SA. Gastroesophageal Reflux Disease. [Updated 2020 Nov 19]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2020 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK441938/; Moraes-Filho Joaquim Prado P., Navarro-Rodriguez Tomas, Barbuti Ricardo, Eisig Jaime, Chinzon Decio, Bernardo Wanderley. Guidelines for the diagnosis and management of gastroesophageal reflux disease: an evidence-based consensus. Arq. Gastroenterol. [Internet]. 2010 Mar [cited 2021 Jan 07]; 47( 1 ): 99-115. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-28032010000100017&lng=en. https://doi.org/10.1590/S0004-28032010000100017.

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