É câncer ou depressão? Doenças físicas com sinais iguais aos das mentais
Resumo da notícia
- É comum as doenças físicas apresentarem sintomas psiquiátricos e serem confundidas com eles
- Medicamentos, drogas ilícitas e álcool também podem causar esses sintomas
- O primeiro passo é sempre investigar as causas orgânicas. Só depois de descartadas, o médico faz o diagnóstico de transtornos psiquiátricos
- Tentar tratar o problema em casa ou esperar que os sintomas desapareçam com o tempo é um erro que pode custar a vida
De repente começa a aparecer uma ansiedade aqui, uma depressão leve ali, um estresse que não vai embora de jeito nenhum. Mas você não se importa tanto, afinal, com a vida cheia de problemas e preocupações ninguém está imune a isso —e provavelmente não é nada grave. Esse pensamento é equivocado por dois motivos. Primeiro porque os transtornos mentais não são brincadeira e o tratamento não pode esperar indefinidamente, pois podem deixar sequelas. Depois, porque os sintomas que a gente pensa que são de problemas psíquicos podem, na verdade, ser de doenças físicas.
É natural que os sintomas se misturem porque corpo e mente não totalmente distintos. Essa divisão é feita apenas para organizar didaticamente as duas condições, segundo a psicossomática. "Pessoas com transtornos mentais podem ter sintomas físicos que se assemelham a doenças físicas. E pessoas com doenças físicas podem ter sintomas que se assemelham com os de transtornos mentais", afirma Jair Borges Barbosa Neto, professor de medicina da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
De acordo com ele, doenças clínicas podem causar diferentes tipos de humor: depressivo proeminente, persistente, perturbador, extremamente irritável e exaltado. Também podem causar problemas funcionais como a anedonia (incapacidade de sentir prazer em atividades normalmente agradáveis), além de depressão, ansiedade, estresse, tristeza, desânimo, ataques de pânico, obsessão, compulsões, fobias, apatia, perda do sono e de apetite, pensamento acelerado e alterações na personalidade.
Só é possível descobrir essas doenças fazendo uma investigação minuciosa, para entender o contexto em que os sintomas se desenvolveram. "Algumas delas são de difícil diagnóstico. Os sintomas mentais podem ser um indicativo de que uma outra doença está acontecendo. Então, como regra, precisamos descartar as doenças médicas ou os efeitos colaterais de substâncias prescritas, não prescritas ou até ilegais antes de se fazer um diagnóstico de transtorno mental", diz Neto.
Essa segunda etapa de investigação precisa ser conduzida de maneira cuidadosa pelo médico. "Uma coisa importante sobre as patologias psiquiátricas é que não temos nada que seja um marcador biológico, como uma radiografia para detectar uma tuberculose, ou um exame clínico laboratorial. Então temos que excluir pela história clínica e pedir exames para excluir a patologia orgânica, porque o diagnóstico psiquiátrico é de exclusão", explica Alfredo Maluf, psiquiatra da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.
Para entender melhor quais são esses sinais que causam essa confusão, confira a seguir algumas doenças físicas que têm sintomas semelhantes aos de transtornos mentais.
Tumores
Um quadro depressivo aparentemente inofensivo pode ser o sinal de um tumor cerebral, dependendo da região, principalmente quando ele está no início. "Se não tiver um diagnóstico de imagem, de exclusão, pode ser que ele só apareça quando estiver muito evoluído", alerta Maluf. O especialista diz que todos os quadros oncológicos podem ter sintomas psiquiátricos. Como os tumores de adrenal, cujo excesso de cortisol pode fazer a pessoa se sentir acelerada, ter insônia e emagrecer.
O feocromocitoma, por exemplo, que geralmente se desenvolve nas glândulas adrenais, localizadas acima dos rins, provoca um aumento na produção de adrenalina e noradrenalina, o que causa fortes crises de ansiedade e irritabilidade, além de elevar a pressão arterial. Mas até o câncer de estômago pode ser confundido com depressão no começo, por reduzir drasticamente o apetite, causar perda de energia e fadiga.
Hipotireoidismo e hipertireoidismo
Alterações na tireoide também têm impacto na saúde mental. No caso do hipotireoidismo —que surge quando os hormônios dessa glândula são produzidos em menor quantidade — ele pode vir acompanhado de sintomas depressivos. E muitas vezes deixa a pessoa desanimada, triste, apática, sonolenta e sem vontade de se alimentar. Por isso, quem tem depressão deve fazer um exame de sangue para checar se o nível dos hormônios tireoidianos não está baixo.
Já o hipertireoidismo —caracterizado pelo aumento das taxas do hormônio tireoidiano — pode causar ansiedade, insônia, perda de apetite e, consequentemente, de peso. "Um hipertireoidismo muito intenso pode deixar a pessoa mais acelerada, com pensamentos acelerados e muito inquieta", informa Maluf. Se não for tratado, ele pode originar outros problemas de saúde, como batimentos cardíacos muito rápidos e irregulares, insuficiência cardíaca congestiva e osteoporose.
Infecções
No início, enfermidades infecciosas como a toxoplasmose, doenças virais e infecções cerebrais ou sistêmicas também geram sintomas psiquiátricos. A hepatite C, por exemplo, se manifesta acompanhada de mal-estar e desânimo. As infecções causadas por bactérias estreptococos às vezes apresentam alterações comportamentais que costumam ser confundidas com o transtorno obsessivo compulsivo. Crianças que tiveram uma infecção como a febre reumática também podem ter tiques.
Enfermidades neurodegenerativas
Além de tremores, a doença de Parkinson apresenta sintomas depressivos, altera a memória, a atenção e a concentração, causa insônia de manutenção (sono fragmentado), prejudica o apetite e reduz a autoestima. Como as expressões faciais ficam limitadas e com uma movimentação mais lenta, a condição também pode ser confundida com a depressão catatônica, caracterizada pela dificuldade de se mover, entre outras coisas.
Outra patologia neurodegenerativa que pode causar sintomas psiquiátricos é a doença de Alzheimer, quando está no começo. "Às vezes o início de um quadro demencial, tipo Alzheimer, pode provocar um surto psicótico. A pessoa pode ter ideias paranoides e alucinações", diz Maluf. E a demência também faz o sono ficar fragmentado. Já quem sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) costuma ter ansiedade, depressão, fadiga mental e problemas com habilidades cognitivas.
A depressão ainda é comum em quem tem doença de Huntington, uma anomalia do sistema nervoso central progressiva que é herdada geneticamente. Os sintomas, causados pela perda expressiva de células em uma parte do cérebro chamada gânglios da base, também incluem alteração do humor e perda do equilíbrio emocional. Da mesma maneira, a esclerose múltipla causa sintomas depressivos, ansiosos e mudanças no humor.
Deficiências nutricionais
Não é raro alguns tipos de anemia serem confundidos com transtornos mentais. Isso porque a pessoa começa a ter sintomas como perda de energia, da capacidade mental e da motivação e uma incômoda sensação de desgaste. A saúde mental de quem tem carência de vitaminas também é abalada. "A hipovitaminose B pode levar a um fenótipo, que é a expressão de uma depressão", salienta Maluf. Além de fadiga, há ainda redução da memória e confusão mental.
Distúrbios fisiológicos e metabólicos
Há vários desses distúrbios, cujos sintomas se assemelham aos de transtornos mentais. A hipoxemia é um deles, uma condição causada pelo nível baixo de oxigênio no sangue que pode gerar sintomas como confusão mental e agitação. Outro é a hipoglicemia, originada pela baixa concentração de glicose no sangue. Ela pode provocar confusão mental, coordenação motora reduzida e dificuldade de concentração.
Doenças como a insuficiência renal crônica, na qual os rins perdem a capacidade de remover e equilibrar fluidos no organismo, e a insuficiência hepática, que consiste no comprometimento das funções do fígado, seguem o mesmo caminho. Na primeira há uma diminuição do apetite, sonolência ou insônia, confusão e dificuldade de concentração e de raciocínio. Enquanto a segunda leva a pessoa a ter confusão, sonolência, fadiga e perda de apetite.
Problemas neurológicos
Sintomas psiquiátricos são claramente percebidos em quem tem concussão cerebral, um tipo de traumatismo craniano. A lesão, geralmente causada por uma pancada forte, faz com que a pessoa perca a memória recente, seja incapaz de manter um fluxo de pensamento coerente, apresente confusão mental, dificuldade de concentração, mau humor, irritação, falta de coordenação, fadiga excessiva e sonolência.
Os sintomas da epilepsia —condição caracterizada pela perturbação da atividade das células nervosas, conhecida por causar convulsões — também podem ser confundidos com os de transtornos psiquiátricos. Ela causa insônia e sono fragmentado, parassonias (transtornos comportamentais que ocorrem no início do sono, durante o adormecimento ou o despertar), depressão, ansiedade, confusão temporária e perturbações do humor.
Medicamentos e substâncias
É preciso ficar atento a substâncias como a nicotina, cafeína, álcool, benzodiazepínicos, cocaína e anfetamina, pois elas provocam sintomas psíquicos. No caso dos medicamentos, eles têm influência no sistema nervoso central e podem levar a quadros psiquiátricos. "Uma medicação que é muito usada nos transplantes tanto de fígado quanto de rim é o tacrolimus, que induz à depressão, à ansiedade e também pode levar a quadros psicóticos", exemplifica Maluf.
O mesmo ocorre com os corticoides, conhecidos por causar desde depressão até mania (no transtorno bipolar). Sintomas depressivos também podem ser desencadeados por anti-hipertensivos, enquanto os estimulantes como anfetaminas costumam provocar irritabilidade, e quem usa hormônios esteroides anabolizantes está sujeito a ter alterações de humor e irritabilidade.
Há pessoas que ficam mais agitadas e irritadas com o uso de benzodiazepínicos e anti-histamínicos (remédios para alergia que geralmente dão sono). Outras podem ficar inquietas com o uso de antipsicóticos e de medicações para náuseas, como a metoclopramida. Antidepressivos, hipnóticos, levodopa (para doença de Parkinson) e bromocriptina (para doenças como tumores da hipófise e diabetes tipo 2) também podem causar essa confusão de sintomas.
Não tente resolver sozinho
Um dos maiores erros que podemos cometer é buscar uma solução caseira ou alternativa para os sintomas mentais. Isso nunca é uma boa ideia, pois para evitar uma ida ao médico, você pode estar encobrindo uma doença física. Mais do que isso. Pode estar perdendo a oportunidade tratá-la de forma mais simples e efetiva, por ainda estar no começo. Além do mais, ao cuidar da parte clínica, muitas vezes os sintomas mentais melhoram. Inclusive os de difícil tratamento, como os crônicos.
Outro erro grave é esperar que os sintomas desapareçam com o tempo. Mesmo porque pode ser uma questão de vida ou morte, como acontece com quem está tendo um infarto. O ataque cardíaco corre o risco de ser confundido com a síndrome do pânico, por exemplo, ou uma ansiedade intensa. Isso porque no meio dos sintomas clássicos, que são dor no peito, no braço e no pescoço, suor intenso, náusea, tontura, falta de ar e perda da consciência, essas manifestações psíquicas podem estar incluídas.
Neto cita outras condições que podem ser fatais se não forem tratadas de imediato, como o diabetes descompensado, doenças da tireoide, intoxicações agudas, estados de abstinência, HIV e traumatismos cranianos. A lista é longa. Por isso, busque ajuda sempre que notar que algo não vai bem, mesmo que não pareça ser grave. "Qualquer coisa que rompa com o equilíbrio que a pessoa tinha, ela precisa procurar um médico ou um hospital imediatamente", orienta Maluf.
O professor de medicina da UFSCar reforça que não devemos esperar para buscar ajuda principalmente se os sintomas ficarem intensos rapidamente, se tiverem aparecido pela primeira vez, se houver uma doença ou lesão médica junto com os sintomas, se eles surgirem após o consumo exagerado de álcool e/ou drogas ou se quem estiver passando mal for uma pessoa idosa. Outros sinais de alerta são alucinações visuais ou táteis, desmaios, convulsões, uma dor de cabeça diferente ou um machucado na cabeça, sonolência exagerada, desorientação, problemas de concentração e atenção, prejuízo na memória e dificuldade de abstrair.
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