Infecção de garganta mal curada pode atingir o coração?
É difícil encontrar alguém que nunca tenha tido ao menos um episódio de dor de garganta na vida. Bastante comum, sobretudo na infância, essa condição, apesar de na maioria das vezes se resolver sozinha em poucos dias —e justamente por isso ser considerada por muitos como inofensiva—, jamais deve ser negligenciada.
O fato é que, nos casos em que a sua causa é uma infecção bacteriana provocada pelo Streptococcus pyogenes do grupo A, o tratamento inadequado ou a falta dele em pessoas com alguma predisposição genética pode fazer o quadro evoluir e desencadear a doença autoimune febre reumática, com possíveis consequências ao coração (e também ao sistema nervoso central, articulações e pele).
Nessa situação, acontece o seguinte: a bactéria entra no organismo e, para combatê-la, o sistema imunológico, como normalmente faria, produz anticorpos, só que eles, ao invés de "lutarem" apenas contra o invasor, também passam a atacar outros órgãos. Até hoje não se sabe exatamente por que isso ocorre, uma das hipóteses é que seja através de mecanismos de hipersensibilidade ou similaridade entre as proteínas presentes no antígeno e as que compõem alguns tecidos do corpo.
Manifestações da febre reumática
Mais comum em países em desenvolvimento, como o Brasil e, em especial, nas populações mais carentes, pela dificuldade de acesso a tratamentos médicos, má nutrição e falta de higiene, a febre reumática afeta principalmente crianças e adolescentes na faixa de 5 e 15 anos.
Mas é preciso ficar claro que nem toda faringoamigdalite mal curada ou não tratada evolui para a doença. Como adiantamos, isso se dá apenas em pessoas predispostas e que tiveram contato com o Streptococcus pyogenes do grupo A —estima-se que a prevalência é de 3%.
No geral, seus sintomas surgem de duas a quatro semanas após a dor de garganta. A manifestação mais comum é a inflamação das articulações (artrite), principalmente de mãos, joelhos e tornozelos, que provoca dor, inchaço e vermelhidão.
A pele é outro local com risco de acometimento. Neste caso, surgem nódulos subcutâneos, normalmente indolores, duros e sem sinal de inflamação, e manchas avermelhadas (eritema marginato).
Além disso, a enfermidade pode atingir o sistema nervoso central, gerando um distúrbio neurológico chamado Coreia. Ele é caracterizado pela presença de movimentos involuntários e desordenados, mais evidentes em extremidades, como braços e pernas, e no rosto, e que pioram quando o paciente fica tenso ou nervoso. A boa notícia é que todas essas consequências tendem a desaparecer com o tratamento certo.
A implicação mais grave da febre reumática, no entanto, se dá no coração, sendo a número um a cardite, inflamação no pericárdio (membrana que o reveste o órgão) e/ou no músculo cardíaco (miocárdio) e nas válvulas cardíacas.
Ela pode ser leve, tendo sinais como dor, cansaço, taquicardia e sopro, ou grave, causando lesão em uma ou mais válvulas e, por conseguinte, insuficiência cardíaca e endocardite, com risco de morte.
Segundo os especialistas consultados por VivaBem, as sequelas cardíacas da patologia são, ainda hoje, uma das principais causas de cirurgia para troca de válvula, especialmente a mitral, no Brasil.
Tratamento
Como não é possível saber quem tem predisposição para desenvolver a febre reumática, a recomendação é preveni-la. Assim, o indicado é consultar um médico em qualquer infecção de garganta, sobretudo se ela vier acompanhada de febre alta, pus, dor intensa, gânglios aumentados e não tiver melhora dos sintomas em 48 horas.
Se o causador da faringoamigdalite for o Streptococcus pyogenes do grupo A, o tratamento será feito à base de antibiótico, e é fundamental que seja seguido a risca e até o fim. Vale destacar que até 14 dias após o início dos sinais ainda é possível evitar a evolução do problema.
Porém, se a patologia já tiver se instalado, aí será preciso tratar a sua manifestação com repouso, medicamentos adequados para cada uma delas de acordo com a gravidade e, o mais importante, eliminar totalmente a bactéria do organismo, também com a administração de antibióticos.
Além disso, a diretrizes médicas recomendam que seja feita a prevenção secundária, já que o risco de novos episódios é bem alto. A indicação é o uso prolongado de penicilina benzatina, com aplicações feitas a cada 21 dias até os 21 anos de idade —se a pessoa apresentou cardite, a duração aumenta para 25 anos e, se teve lesão valvar, até os 40 anos ou pela vida toda.
Caso o paciente tenha alergia à penicilina, existem opções de antibióticos no mercado que podem substituí-la, mas é o médico quem irá determinar qual a melhor, bem como a forma de utilização.
Dor de garganta
A dor de garganta é resultante de processo inflamatório infeccioso ou irritativo da mucosa da parte posterior da cavidade oral. Ela pode atingir a faringe, as amígdalas ou a laringe e seus principais agentes causadores são vírus e bactérias —mas fungos, refluxo gastroesofágico, neoplasias, poluição, ar seco, tabagismo, alergias, respiração pela boca, uso excessivo da voz, tumores e traumas locais também podem provocá-la.
Junto com a dor, é normal o paciente apresentar ardência, dificuldade para engolir, vermelhidão e inchaço locais, rouquidão, perda da voz, tosse, dores de cabeça, no corpo e reflexas no ouvido e no pescoço, febre, pus nas amígdalas, mal-estar, falta de apetite, pigarro e indisposição.
Na maioria dos casos, essa condição se resolve sozinha em poucos dias (de três a sete, mais ou menos), mas, para evitar que evolua para algo mais grave, como a febre reumática, a ajuda médica é indispensável.
O tratamento varia conforme a causa. Nos quadros virais, geralmente analgésico, antitérmico, anti-inflamatório e pastilha aliviam o incômodo. Já nos bacterianos, conforme relatamos, o uso de antibióticos é obrigatório.
Para evitar as infecções de garganta, a prevenção, mais uma vez, é o melhor caminho, e isso se faz com a adoção de um estilo de vida saudável, o que inclui alimentação equilibrada, prática regular de atividade física, controle de doenças de base e boa higienização.
Também é imperativo evitar ambientes não ventilados e cheios, sobretudo neste momento de pandemia, manter a casa arejada, cuidar do sono, não fumar, não consumir álcool, evitar o estresse e manter a vacinação em dia.
Fontes: Eduardo Bogaz, otorrinolaringologista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo; Fabrízio Ricci Romano, otorrinolaringologista do Hospital Moriah (SP); e Iran Gonçalves Jr., cardiologista do corpo clínico do Hospital Albert Einstein (SP), chefe do Pronto-Socorro de Cardiologia do Hospital São Paulo e coordenador da residência de cardiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
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