De olho no futuro

Covid talvez não seja a pior pandemia: veja doenças "novas" e "antigas" com risco de se espalhar pelo globo

Cristina Almeida Colaboração para VivaBem

No apagar das luzes de 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) realizou uma reunião para marcar um ano da notícia do aparecimento do Sars-CoV-2. O evento fez um apanhado dos fatos, do conhecimento adquirido, destacou a notável colaboração mundial e também contemplou o futuro.

Na ocasião, a fala do presidente da comissão para emergências sanitárias, Michael Ryan, chamou atenção: "A covid foi um alerta. Ela é grave, difundiu-se pelo mundo rapidamente, mas não é, necessariamente, a ameaça mais perigosa".

Ryan se referia ao fato de que essa enfermidade é facilmente transmissível e fatal, mas sua taxa de mortalidade é baixa quando comparada a outras doenças. "Daqui em diante, temos de nos preparar para algo ainda mais grave", disse.

Os cientistas de todo o planeta não estão alheios aos possíveis agentes causadores de doenças. Essa é a razão pela qual a própria OMS listou quais seriam as possíveis doenças infecciosas com potencial epidêmico. Muitas delas já são conhecidas de nós, como a dengue, tuberculose, zika, ebola. Mas também podem surgir novos problemas, como aconteceu com a covid-19.

Por isso, a ideia é reforçar a vigilância e investir em ações para conter o avanço de patologias novas ou "antigas" que estão controladas. Embora achados científicos indiquem possibilidades, ainda é difícil saber qual será o agente infeccioso causador da próxima emergência de saúde global. O certo é que as epidemias não acontecem de um dia para o outro, se relacionam a fatores sociais e ambientais e suas prevenções e enfrentamentos devem envolver toda a comunidade.

Patógenos contagiosos e virulentos

Chamamos de infecciosas as doenças causadas por agentes (patógenos) que invadem determinado hospedeiro e ainda são capazes de causar enfermidades que podem ser transmitidas para outros. Os micro-organismos potencialmente envolvidos nesse processo são bactérias, vírus, fungos, protozoários e helmintos, mas há outros agentes com igual poder, como os príons (partículas proteicas infecciosas sem carga genética).

Parte desses agentes são facilmente transmissíveis, portanto, mais contagiosos. Porém, muitos deles têm maior dificuldade para causar doenças. Já outros, definidos como virulentos, causam infecções mais graves. No entanto, nem sempre são tão contagiosos. Os patógenos mais preocupantes são aqueles que combinam a fácil transmissão e a virulência.

As portas de entrada desses agentes infecciosos, em geral, são os orifícios e as mucosas do corpo humano. E a primeira providência deles é procurar células ou tecidos hospedeiros, que serão invadidos, colonizados e lesionados por meio de toxinas ou do comprometimento do funcionamento celular. Alguns desses agentes se multiplicam entre as células; outros, como os vírus e alguns tipos de bactérias, nelas se instalam e crescem.

Perigo mora no desequilíbrio ambiental

Na última década, muitos países implantaram medidas para conter as mudanças climáticas. O objetivo é reduzir a emissão e concentração de gases de efeito estufa, cuja origem principal são a queima de combustíveis fósseis (como o petróleo) e o desmatamento. O que isso tem a ver com doenças infecciosas? Muito. Desequilíbrios ambientais e condições socioeconômicas são um prato cheio para muitos micro-organismos darem as caras.

Joel Henrique Ellwanger, biólogo e pesquisador do departamento de genética da UFRGS, explica que muitos vírus do nosso tempo, como ebola, HIV e zika, são fruto da ocupação e da devastação desordenadas de florestas, da exploração da vida selvagem, assim como das condições precárias de vida nas cidades.

Tais situações são tidas como propícias para o chamado spillover, ou seja, o salto de um agente infeccioso de um hospedeiro para o outro (do animal para o homem). O especialista acrescenta que a biodiversidade do Brasil é vasta e, por isso, pode esconder patógenos desconhecidos.

Basta que as condições ecológicas sejam favoráveis e uma nova doença pode emergir. O problema não é a biodiversidade e, sim, as formas agressivas e desequilibradas pelas quais os humanos interagem com ela.

Joel Henrique Ellwanger, biólogo e pesquisador da UFRGS

Existem, então, reservatórios de doenças?

O médico veterinário João Carlos Minozzo, professor do curso de biotecnologia da PUC-PR, explica que esses micro-organismos sempre existiram na natureza e se perpetuam por meio de seus reservatórios.

"Os reservatórios são animais que convivem com esses vírus, bactérias e outros parasitas, sem adoecerem. Mas esses micróbios podem evoluir e se tornar capazes de infectar humanos". Nesse caso, a infecção pode se dar por meio das seguintes situações:

  • Vetores - mosquitos e carrapatos
  • Contato indireto - beber água contaminada ou por via aérea
  • Contato direto - com animais ou outros humanos ou consumo de carne contaminada

São exemplos dessas infecções os vírus das gripes aviária e suína, além da doença Creutzfeldt-Jakob (popularmente conhecida como "vaca louca"), que apareceram por meio do contato ou do consumo de carne contaminada, respectivamente.

A nutricionista Wanessa Natividade, chefe do Núcleo de Alimentação, Saúde e Ambiente da Fiocruz, diz que isso também explica as conhecidas orientações sobre a importância de estar atento à procedência e qualidade dos itens que consumimos, sejam eles de origem animal, sejam de origem vegetal.

"Em qualquer fase da produção, armazenamento e distribuição de alimentos pode haver contaminação de agentes causadores de doenças. Por isso, é preciso estar sempre atento aos selos de inspeção sanitária", adverte a especialista.

O que são as doenças emergentes e reemergentes

"Há 50 anos, a comunidade científica acreditava que a batalha contra as doenças infecciosas estava virtualmente vencida", conta o médico epidemiologista Expedito Luna, professor do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP. "Mas então apareceram novas enfermidades como a Aids, além de outras que pareciam ter sido erradicadas", completa.

Doenças desconhecidas e que vez por outra surgem são chamadas de emergentes porque não tinham ocorrência conhecida em humanos, tiveram dificuldade de se estabelecerem ou eram raras. E elas até podem ter surgido no passado, mas afetaram pequeno grupo de pessoas em lugares isolados. São também emergentes as que foram recentemente reconhecidas como doença distinta, dada a presença de determinado agente só agora identificado.

Já as reemergentes são as enfermidades que, no passado, eram conhecidas em todo o mundo ou em determinada região e, depois, declinaram, mas agora reapareceram em uma proporção significante da população. A explicação é de José Eduardo Levi, biólogo, virologista e pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da USP.

É o caso da dengue e da tuberculose. De olho nesses quadros, a OMS elencou quais seriam as doenças que mereciam maiores vigilância e atenção, considerando seu potencial epidêmico, ausência de medidas de combate a elas ou a insuficiência destas.

As doenças emergentes listadas pela OMS

  • 1

    Febre Hemorrágica Crimeia-Congo

    Causada por um vírus da família Nairoviridae, é transmitida provavelmente por carrapatos, já que seu reservatório ainda tem sido objeto de debates.

  • 2

    Ebola e Marburg

    Causadas por agentes distintos, essas doenças são semelhantes. Geram febres hemorrágicas de transmissão direta que decorrem da infecção pelos vírus ebola ou de Marburg, da família dos filovírus, cujos hospedeiros potenciais são os morcegos.

  • 3

    Febre Lassa

    Febre hemorrágica cuja origem é um vírus da família Arenaviridae e tem transmissão direta por meio do contato com fezes de ratos.

  • 4

    Nipah

    A infecção por esse vírus pode causar encefalite; seu reservatório é o morcego-da-fruta, e pode infectar humanos e animais de criação.

  • 5

    Febre do Vale do Rift

    Esta zoonose acomete o gado prioritariamente, mas também humanos; sua via de transmissão são mosquitos infectados e contato com sangue ou tecidos contaminados.

  • 6

    Zika

    Até o momento não se sabe qual é o seu reservatório, mas é transmitido por mosquitos infectados. Pode provocar malformação fetal.

    Leia mais
  • 7

    Doença "X"

    Representa uma incógnita, uma doença ainda desconhecida, que pode emergir com potencial pandêmico.

E dá para prevenir?

A pandemia colocou os cientistas em evidência para o bem e para o mal. O filósofo João de Fernandes Teixeira, ex-professor da Unesp, acredita que as variáveis e complexidades científicas são difíceis de entender e, assim, algumas pessoas preferem negá-las. O fato é que, no passado, os patógenos só eram detectados quando já estavam instalados. Foi assim com a raiva, a peste negra e a gripe de 1918.

A ciência, porém, persevera. E desse modo deve ser, porque nela se ancoram medidas essenciais ao combate de epidemias. Já a partir dos anos 2000, entidades de vigilância epidemiológica e sanitária foram beneficiadas por uma nova técnica, a metagenômica. Fernando Spilki, coordenador da rede Corona-Ômica do MCTIC, diz que ela possibilitou uma nova forma de vigilância, a genômica.

"Ao isolar RNAs e DNAs de amostras ambientais, possíveis vetores, animais e humanos, ela permite conhecer e detectar, antecipadamente, a presença de patógenos. Isso fortaleceu nosso sistema de preparação", pontua Spilki.

Somam-se a essas medidas as vacinas. "Elas também dependem de pesquisas e célere detecção de mutações genômicas de vírus, para se adaptarem na mesma velocidade", observa a pediatra Flávia Bravo, membro da diretoria da SBIm.

No mundo ideal da prevenção contra pandemias só a ciência não basta, afirmam os especialistas. É preciso um conjunto de políticas públicas de proteção da saúde e do meio ambiente, justiça social, educação da população, boa comunicação, além do imprescindível envolvimento de toda a comunidade. O desafio está lançado.

Para prevenir epidemias, as ações mais importantes são a identificação molecular de micro-organismos e dos casos suspeitos, além da intervenção para controle de surtos. Tudo deve ser rápido e eficaz.

Fernando Bozza, chefe do Laboratório de Medicina Intensiva do INI-Fiocruz

Estratégias para prevenir novas epidemias

  • Conhecimento da ecologia dos micro-organismos (pesquisa básica)

  • Identificação rápida de agentes patogênicos

  • Vigilâncias (genômica, de saúde pública, entomológica e epidemiológica)

  • Desenvolvimento de vacinas e medicamentos

  • Água e esgoto tratados

  • Segurança dos alimentos

  • Programas de controle animal

  • Controle de mosquitos e ratos

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