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Edmo Atique Gabriel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'A morte é a única verdade': reflexões de Rita Lee sobre a saúde e a vida

Capa do livro "Outra Autobiografia", de Rita Lee, sobre a vida com o câncer - Reprodução
Capa do livro 'Outra Autobiografia', de Rita Lee, sobre a vida com o câncer Imagem: Reprodução
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Colunista do UOL

13/05/2023 04h00

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Quando observamos um bebê se desenvolvendo, com toda aquela inocência, naturalidade e espontaneidade, percebemos que a falta de maturidade, em algumas situações, pode ser saudável. O bebê não imagina e nem passa pela cabeça dele que um dia ele irá morrer. O interessante é que os adultos, apesar de muito conscientes, também não costumam aceitar e admitir essa realidade. Os adultos praticamente vão tocando a vida, com uma falsa inocência (na verdade, é uma fuga ou negacionismo), que difere bastante da autenticidade de uma criança imatura.

O Brasil perdeu Rita Lee nesta semana, deixando um legado de reflexões sobre a vida e a saúde. Talvez sejam reflexões irreverentes, mas que não deixam de demonstrar fatos reais que todos nós hesitamos em enfrentar. Não queremos aceitar na mesma intensidade que não temos um controle suficiente sobre tantos aspectos relativos a nossa saúde e nossa vida.

Algumas frases célebres de Rita Lee nos ajudam a compreender um pouco mais sobre esse conflito existencial que todo ser humano enfrenta ao longo de sua vida.

1. "Algo me diz que tenho escrito muito sobre a morte. Aliás, por que há tanta gente que até se benze quando tocamos no assunto?"

Uma possível reposta para essa polêmica levantada por Rita Lee é que simplesmente temos medo da morte e medo de morrer. A vida vai se apresentando a nós com tantas coisas boas, tantas oportunidades, sonhos realizados, que não queremos que o espetáculo acabe. Charlie Chaplin já dizia que no momento que as cortinas se fecharem, acaba tudo. O icônico cantor Freddie Mercury, em uma de suas canções exatamente antes de morrer, já pregava que "show must go on" (show deve continuar).

2. "A morte é a única verdade, e cada dia a mais vivido é um dia a menos que se vive"

Alguém já parou para fazer essa conta? Um dia a mais que vivemos é um dia a menos em nossa vida, pura e simplesmente isso. Alguém consegue contestar essa realidade? Mesmo não conseguindo contestar, a gente ainda ouve por aí: "A minha saúde está ótima, eu nunca tive nada". Mas você tem feito exames periódicos? Você conhece em detalhes a sua história familiar de doenças? Que tipo de medidas preventivas você tem adotado para efetivamente garantir sua longevidade?

3. "A verdade é que eu queria mesmo é ser abduzida por um disco voador e sumir sem maiores explicações"

Algumas circunstâncias em nossas vidas realmente podem nos fazer chutar o balde, entregar os pontos. O medo excessivo, a depressão, a desilusão, o fato de criar expectativas e depois se decepcionar são exemplos disso. Não sei se queremos pegar um disco voador e sumir, mas garanto que, dependendo da circunstância, abandonamos nossa autoestima, deixamos de cuidar de nossa saúde, paramos de investir em nosso bem-estar. Sem percebermos, aceleramos o processo da morte, da qual temos tanto medo e rejeição.

4. "Quando digo que me dei conta de estar velha, falo não apenas da aparência, mas principalmente da existência em si"

Tememos a morte e, ao longo da vida, começamos a fazer algumas perguntas para nós mesmos. Fazemos um exercício exaustivo de querer explicar coisas do passado, possivelmente alguns erros, deslizes e arrependimentos. A sabedoria, própria do avanço da idade, faz com que as pessoas queiram fazer reparos em coisas já irreparáveis e irreversíveis. Quando uma doença começa a ganhar a batalha contra nossas forças e contra os remédios, muito comumente buscamos perdoar mais. Já notaram isso em nossos entes queridos que se aproximam de seus dias finais? O fim da vida nos distancia de qualquer aspecto de aparência, para a qual muitas vezes empenhamos recursos materiais e disposição física.

5. "Vencer um câncer exige foco, coragem e fé e, se conseguir ter bom humor, melhor ainda"

O ser humano, por mais esclarecido e intelectualizado, é muito frágil em conciliar dor e bom humor. O ser humano tem uma tendência muito grande de reclamar de tudo, de blasfemar, de revolta. Quando observamos os animais, muito menos evoluídos em escala de inteligência, eles mantêm o bom humor em muitas condições desfavoráveis. Conviver com uma doença, especialmente uma doença crônica e debilitante, como um câncer e uma insuficiência cardíaca, exige muita força de vontade, senso de superação e resiliência.

Pergunto a vocês: o ser humano costuma aguentar emocionalmente muito tempo a dureza dessa batalha? Por que é tão difícil manter o bom humor diante dos altos e baixos dessa luta? Talvez uma possível resposta é que, nessas longas batalhas, nunca sabemos quem será o vencedor e qual seria o dia final da vitória ou da derrota.

6. "De repente, então, bate um segundo de felicidade de estar viva e esqueço que estou doente; é um jorro de luz que me envolve por segundo"

O resgate da esperança em meio às turbulências da vida não é missão elementar. No entanto, quando nós conseguimos descansar em meio ao caos, principalmente o descanso da mente, conseguimos aproveitar melhor tudo aquilo que nos cerca, tudo aquilo que a loucura do dia a dia nos impede de enxergar de forma tão cristalina. Conseguimos sorrir mais, curtir mais a família e os amigos. Assimilamos com mais naturalidade nossos limites e nos aproximamos mais do "criador do universo" ou das forças que cada um entende ser a fonte da vida. Esse jorrar de luz, como salientado pela Rita Lee, não deveria ser tão curto, tão fugaz.

7. "Sinto não estar só, e com rabo de olho dá para perceber a presença, mesmo que invisível, da turma da Luz. Quando isto acontece, me sinto a pessoa mais feliz do mundo"

Nunca estamos sós. De acordo com as concepções culturais, filosóficas e religiosas, próprias de cada pessoa e que deveriam ser respeitadas mutuamente, sempre conseguimos algum tipo de amparo quando as doenças nos atingirem e nossa energia sinalizar que está no fim. Nosso combustível biológico pode estar acabando, mas o nosso pensamento tem de se manter na "turma da luz", para aliviar nossas tensões.

Temos um ciclo de vida a ser cumprido. Não há como fugir desse mandamento da natureza. Podemos, por influência de nossas escolhas e decisões, tornar esse ciclo mais leve e duradouro, ou eventualmente mais duro e desgastante. Seja como for, seria importante conservar nossa fé, a esperança, assimilar nossos limites e dividir um pouco mais nosso fardo com a "turma da luz".

Dessa forma, os momentos de sofrimento e nossa condição de saúde ganhariam um pouco mais de fluidez e suavidade, sem negar a verdade, mas, é claro, tornando essa verdade um processo normal para todos nós que um dia nascemos para esta vida.