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Mariana Varella

OPINIÃO

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Ozempic: uso sem acompanhamento médico pode causar problemas sérios

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Colunista de VivaBem

22/03/2023 04h00

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Como jornalista de saúde, sempre evito usar o nome comercial de medicamentos, exatamente para evitar a propaganda não intencional. No entanto, decidi abrir uma exceção por conta das dezenas de mensagens e pedidos para falar sobre o remédio que vem sendo vendido como a cura para a obesidade.

Em uma rápida pesquisa, constatei que as vendas do medicamento movimentaram mais de 6 bilhões de dólares no mundo todo até agosto de 2022. No Brasil, de acordo com a Associação de Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o Ozempic foi o remédio mais vendido em 2021, quando a semaglutida ainda nem havia sido aprovada para tratar a obesidade pela Anvisa. As hashtags envolvendo o nome do produto movimentam todas as redes sociais, que acumulam milhões de postagens acerca do medicamento, envolvendo celebridades e anônimos.

Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tenha autorizado, em janeiro deste ano, o uso de outro medicamento semelhante, cujo princípio ativo também é a semaglutida, para o tratamento da obesidade, o Ozempic ainda não foi aprovado para esse fim. O medicamento é recomendado pela Agência apenas para tratar o diabetes tipo 2.

A farmacêutica Novo Nordisk, que fabrica o medicamento, reforçou em carta encaminhada à imprensa no início do mês: "É importante ressaltar que a companhia não endossa ou apoia a promoção de informações de caráter off label [uso para outra indicação que não a aprovada pela Anvisa], ou seja, em desacordo com a bula de seus produtos. O Ozempic, aprovado e comercializado no Brasil para diabetes tipo 2, não possui indicação aprovada pelas agências regulatórias nacionais e internacionais para obesidade".

Mesmo assim, o Ozempic vem sendo receitado por médicos para o tratamento da obesidade. Estudos mostram que pacientes perderam até 17% do peso com a medicação, além de terem apresentado melhora nos parâmetros metabólicos.

De acordo com a dra. Tassiane Alvarenga, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia (SBEM) e da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), estudos já mostraram que a semaglutida é segura para uso prolongado, podendo, inclusive, ser utilizada de modo contínuo, desde que com acompanhamento médico. "Além de proporcionar perda de peso, os pacientes que usam o medicamento apresentam melhora dos parâmetros metabólicos, como diminuição da pressão arterial, da glicemia, dos triglicérides, entre outros. Além disso, a semaglutida ajuda a reduzir o risco de doenças cardiovasculares, sem causar efeitos colaterais psiquiátricos", avalia a médica.

Outra vantagem é que a semaglutida não causa hipoglicemia (queda de açúcar no sangue) nem efeitos colaterais emocionais, como depressão, irritabilidade e insônia, como outras drogas inibidoras do apetite. "Ainda assim, o Ozempic não é para todo mundo, existem pessoas que respondem melhor a outras medicações", salienta a endocrinologista e metabologista Tassiane.

A endocrinologista confirma que a semaglutida de fato mudou a forma de tratar a obesidade. A droga funciona basicamente de três formas:

  1. imitando a ação do GLTP-1, o hormônio produzido no intestino que sinaliza ao cérebro quando estamos alimentados, induzindo a saciedade;
  2. retardando o esvaziamento do estômago;
  3. estimulando o pâncreas a produzir mais insulina quando ingerimos carboidratos --aliás, esse foi o principal motivo de a droga ser usada para tratar diabetes.

O principal problema apontado pelos médicos em relação ao Ozempic é a forma como muitas pessoas têm utilizado o medicamento. Mesmo que na teoria seja exigida a receita médica para a venda, muitas pessoas adquirem o remédio sem indicação médica, e passam a usá-lo sem acompanhamento. "Muitos fazem a progressão da dose de forma errada, o que pode causar enjoos, vômitos, desidratação e perda de massa muscular. Isso quando ele não é usado por pessoas que não são obesas e querem perder 3 ou 4 quilos", explica a dra. Tassiane.

Além disso, ainda segundo a médica, as pessoas que utilizam a semaglutida sem acompanhamento e sem mudar hábitos podem recuperar o peso perdido quando param o uso. "A pessoa que emagreceu só com o Ozempic, sem acompanhamento médico e nutricional, pode voltar a engordar", afirma.

Indicação e contraindicação do Ozempic

A semaglutida é indicada para tratar diabetes tipo 2 (ela não deve ser utilizada para tratar diabetes tipo 1) e pessoas com IMC maior que 30 ou com IMC igual ou maior que 27 que tenham ao menos uma comorbidade, ou seja, uma doença como hipertensão, diabetes, problema cardiovascular, entre outras, associada.

No entanto, há o risco de reações alérgicas e efeitos colaterais. "É importante frisar que existem pessoas alérgicas à semaglutida e outras substâncias contidas no Ozempic. Sendo assim, como todo medicamento, é preciso atenção antes de indicar ou ingerir [o remédio]", alerta a dra. Thaís Mussi, endocrinologista pela SBEM.

Em relação aos efeitos colaterais, a dra. Thaís destaca alguns problemas digestivos. "Cerca de uma em cada dez pessoas apresenta problemas como diarreia, vômitos e enjoos, mas com uma duração bem curta."

A droga costuma ser bem tolerada, desde que o paciente respeite a dosagem receitada e siga em acompanhamento médico. "Sem acompanhamento, o paciente pode desidratar ou sofrer as consequências de uma dieta muito restritiva por perder o apetite, como perda de massa muscular", explica a dra. Tassiane.

A dra. Tassiane explica, ainda, que o paciente com obesidade precisa ser avaliado por meio de exames clínicos e laboratoriais antes de iniciar qualquer tratamento. É necessário compreender os motivos que levam a pessoa a ganhar peso e estabelecer um plano com metas que abranja mudanças de hábito e, em determinados casos, medicação. "Alguns pacientes precisam de medicação, mas ela deve fazer parte de um plano que inclua outras mudanças", afirma.

Dietas muito restritivas, induzidas ou não por medicamentos, podem causar perda de massa muscular e outros problemas de saúde, além de ser difícil segui-las, o que acaba desestimulando os pacientes.

A dra. Thaís reforça a necessidade do acompanhamento de médico e nutricionista, para que o paciente mude hábitos e perca peso sem colocar a saúde em risco. "Não existe uma caneta mágica que conserte um estilo de vida ruim."