Por que os vírus estão assustando mais o mundo moderno do que as bactérias?
Resumo da notícia
- Os vírus têm mais facilidade para mutações genéticas, dificultado a criação de um tratamento tal qual os antibióticos são usados contra bactérias
- Bactérias são seres vivos capazes de se reproduzir e gerar energia sozinhos, enquanto vírus não tem células e precisam de um hospedeiro para isso
- A globalização facilita a disseminação de doenças virais e bacterianas por possibilitar o contato entre pessoas do mundo todo em pouco tempo
- Várias doenças virais têm um padrão de disseminação mais rápido, e com isso fica mais difícil combatê-las
Fronteiras fechadas, isolamento social, cidades fantasma... Parece difícil de acreditar que o responsável por isso seja um micróbio invisível ao olho. Os vírus são, desde os primórdios da humanidade, capazes de alterar a normalidade do mundo.
Diferentemente das bactérias, combatidas com antibióticos, não existe um antídoto certo contra as infecções virais. Além disso, várias doenças provocadas por vírus têm um padrão de disseminação mais rápido. Mas isso os torna mais perigosos?
Diferenças e semelhanças
A bactéria é autossuficiente, composta por uma única célula que possui tudo de que precisa para viver: genoma e estruturas celulares que produzem proteínas. Assim, seu simples metabolismo é suficiente para que ela se multiplique.
Já o vírus não é nada sem um hospedeiro: fora de uma célula é apenas uma capa proteica com genoma, sem vida. Uma partícula infecciosa incapaz de se dividir ou produzir energia. Mas se essa partícula tiver capacidade de se infiltrar numa célula, passar a viver.
"Na grande maioria das vezes os vírus são mais difíceis de serem identificados e a pesquisa laboratorial é mais complexa", explica Cláudio Gonsalez, infectologista do Hospital Emílio Ribas (SP).
Vírus sofrem mais mutação
Bactérias e vírus agem de forma parecida no corpo humano, se multiplicando dentro de nossos organismos e provocando uma reação do sistema imunológico.
A diferença é que os vírus são mais mutáveis, ou seja, sofrem mais alterações genéticas ao longo do tempo. E isso torna mais difícil encontrar respostas para o combate.
A mutação no vírus nada mais é do que um erro: para se multiplicar, uma enzima pega uma molécula de DNA ou RNA e faz uma cópia dela. Na hora da duplicação, por um processo natural, a célula errada pode ser selecionada e a sequência acaba saindo diferente da original. Isso pode eliminar o genoma. Mas algumas vezes o "erro" não é tão ruim assim para o vírus, pois consegue "driblar" as defesas do organismo, ficando ainda mais potente.
As mutações ocorrem com maior frequência em vírus do que em bactérias, pois os primeiros podem guardar informações não só no DNA (composto por duas fitas genéticas) como no RNA, mais simples com uma só carga de genes.
Os vírus que causam doenças como ebola, H1N1 e covid-19 são compostos pelo ácido ribonucleico, sujeito a um número maior de alterações.
As bactérias, assim como os seres humanos, possuem somente DNA no material genético e por isso são mais estáveis.
Apesar de serem totalmente distintos, ambos causam sintomas iniciais parecidos: tosses, espirros, febre, inflamações, diarreia e fadiga. Isso é o corpo tentando lutar contra as infecções.
E como combatê-los?
A principal diferença entre as doenças virais e as bacterianas consiste no tratamento. O surgimento dos antibióticos no começo do século 20 mudou a forma como a humanidade enfrentava epidemias causadas pelas bactérias, bem como a implementação do saneamento básico.
De forma geral, os antibióticos atuam em processos centrais da célula, semelhantes entre os vários tipos de bactérias. É por isso que o medicamento tem um espectro tão grande, podendo ser eficaz contra uma gama de microrganismos. Ao longo dos anos, foram criando resistência aos ataques de antibióticos, surgindo as preocupantes "superbactérias".
Com os vírus não existe um plano de ação tão claro: como a diversidade genética é maior, é difícil criar um remédio que anule a replicação, forçando a combinação de vários, nos chamados "coquetéis".
Assim, antivirais contra HIV, influenza e hepatites não servem para doenças semelhantes. Luciana Costa, diretora-adjunta do Instituto de Microbiologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), explica como as especificidades dos vírus dificultam o trabalho dos especialistas em saúde.
"Se analisarmos doenças muito semelhantes, como dengue, chikungunya e zika, os sintomas são muito parecidos e os indivíduos infectados têm doenças análogas. Porém, há características únicas em cada uma, mesmo entre as mesmas enfermidades em pessoas diferentes. Então muitas vezes é difícil achar o medicamento certo diante dessas peculiaridades."
As vacinas, em sua maioria, funcionam apenas como prevenção —uma resposta previamente criada para evitar um problema, não combatê-lo. A antirrábica é exceção, usada no tratamento após a mordida animal.
Tempos modernos
A globalização era tudo que vírus e bactérias precisavam para se fortalecer. "As epidemias têm um poder de destruição e desorganização enorme, política, econômica e socialmente falando", explica Gisele Sanglard, pesquisadora especialista em história da saúde da Casa de Oswaldo Cruz, da Fiocruz.
"Antigamente, uma viagem de navio entre Europa e Brasil poderia durar meses. A facilidade de deslocamento de hoje faz com que os vírus e bactérias varram rapidamente os espaços."
Centenas de anos atrás os governantes já colocavam em prática medidas de contenção de doenças, como o fechamento de fronteiras e quarentenas que estamos vendo hoje com o coronavírus.
Veneza, na Itália, foi a primeira cidade-estado a colocar isso em prática no século 15. Em uma tentativa de contenção da peste bubônica, o governo proibiu a entrada e saída de navios.
Entre os séculos 19 e 20, cólera, tuberculose e varíola deixaram mais de um bilhão de mortos. O conceito de pandemia ganhou força com a gripe espanhola, quase cem anos atrás. Depois, os casos de HIV explodiram entre os anos 1980 e 1990.
O crescimento populacional, desmatamento e aquecimento global também têm seu papel: centros urbanos cada vez mais populosos facilitam a disseminação dos microrganismos.
Com a expansão, o ser humano invadiu o habitat natural de outros animais, passou a criá-los em grande escala, entrando em contato com secreções desses bichos. Os vírus que infectavam o gado causando a peste bovina, por exemplo, mutaram no ser humano para o sarampo.
Enquanto a influenza teve origem em galinhas e porcos, com as gripes suína e aviária. Cientistas estudam a ligação de morcegos com o surgimento do novo coronavírus, mas ainda não há uma resposta.
Pelas semelhanças genéticas dos humanos com outros animais, não é de se estranhar que algumas mutações de vírus originem novas espécies, capazes de infectar pessoas.
Hoje, existem aproximadamente 100 tipos de vírus que contaminam humanos, frente a pelo menos 50 espécies de bactérias capazes de transmitir doenças.
Qual é qual?
Os vírus são responsáveis por alguma das pandemias, epidemias e endemias mais faladas dos últimos anos: além do que que está assustando o mundo todo, o coronavírus, é possível colocar na lista ebola, HIV, sarampo, hepatites, H1N1, dengue, herpes, caxumba e febre amarela.
Enquanto às bactérias são atribuídas enfermidades como pneumonia, tuberculose, tétano, leptospirose, gonorreia, sífilis e hanseníase.
Vivian Avelino-Silva, infectologista e professora da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), diferencia as formas de contágio. "Muitas doenças virais se espalham com mais rapidez. São facilmente transmitidas por gotículas que saem da boca e do nariz, secreções do corpo, picada de mosquito. E a pessoa pega a infecção mesmo se for saudável. Já nas doenças causadas por bactérias, é comum ser necessário um contato mais intenso para haver contaminação. Em outros casos, a pessoa fica vulnerável somente quando está internada ou passa por uma cirurgia, por exemplo."
A evolução das espécies e suas mutações sempre nos pregaram peças quanto ao reconhecimento de novas formas anteriormente desconhecidas. O mundo vive uma onda de doenças emergentes. Ainda assim, especialistas estão confiantes de que a humanidade nunca esteve tão preparada para enfrentá-las.
Fontes: Luciana Costa, diretora-adjunta do Instituto de Microbiologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro); Gisele Sanglard, da Casa de Oswaldo Cruz, da Fiocruz; Vivian Avelino-Silva, infectologista e professora da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e Cláudio Gonsalez, infectologista do Hospital Emílio Ribas (SP).
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