Colchicina trata gota e requer cuidado, pois dose usual é perto da tóxica
Resumo da notícia
- A colchicina um anti-inflamatório potente que trata inflamações e dores articulares;
- A medicação tem como efeito colateral mais comum a diarreia
- Seguir as instruções médicas sobre a dose evita seu potencial de toxicidade
- A droga vem sendo testada contra a covid-19, mas os resultados ainda são preliminares
A colchicina é um dos mais antigos medicamentos em uso: há registro de que no Egito antigo a substância já era indicada para tratar dores e inflamações articulares, como o é na atualidade.
O que é colchicina?
Trata-se de um medicamento do grupo dos alcaloides que tem potente ação anti-inflamatória e deriva de uma planta chamada Colchicum autumnale (açafrão do prado). Devido às suas características, ela só pode ser comercializada sob receita médica.
Para quais problemas a colchicina é usada?
Esse medicamento tem um longo histórico de uso na medicina e, por isso, quando bem indicado, é considerado seguro. Contudo, é importante que você utilize o medicamento de forma apropriada, na dose certa e por tempo adequado, sempre com prescrição médica.
A medicação pode ser indicada para o tratamento e prevenção das seguintes condições:
- Crises agudas de artrite gotosa crônica (a popular gota)
- Febre Familiar do Mediterrâneo (FFM)
- Esclerodermia
- Poliartrite (associada à sarcoidose e psoríase)
- Doença de Peyronie
A literatura médica esclarece que a colchicina também é utilizada nos casos de pericardite aguda e recorrente (inflamação na membrana que envolve o coração), prevenção de síndrome pericárdica, cirrose biliar primária ou decorrente de hepatite, dermatite herpetiforme, doença de Paget, trombocitopenia crônica, púrpura trombocitopênica, pseudogota e fibrose pulmonar idiopática. Tais indicações não constam da bula, por isso a utilização do medicamento para esses problemas é chamada de off-label.
Entenda como ela funciona
O seu mecanismo de ação (farmacodinâmica) ainda não está totalmente esclarecido, mas sabe-se que a colchicina bloqueia o processo inflamatório da gota atuando no citoesqueleto [rede de microtúbulos presente nas células].
"O resultado disso é uma desestruturação que interrompe a ação dos leucócitos —glóbulos brancos mediadores da inflamação— impedindo o seu avanço", explica o farmacologista Aleksander Zampronio, professor titular e pesquisador do Departamento de Farmacologia da UFPR.
Já na febre familiar do mediterrâneo, sua ação é ainda menos compreendida. Contudo, o medicamento parece inibir os mediadores da inflamação.
Apresentações disponíveis
Colchis® é a marca de referência da colchicina. Esse princípio ativo não consta da Rename 2020 (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais).
Apresentações e doses disponíveis:
- Comprimidos - 0,05 mg
Em geral, o uso da colchicina é por tempo determinado. Mas o fármaco pode se tornar de uso contínuo em quadros específicos, como na febre familiar do mediterrâneo. É esperado que a droga comece a fazer efeito já nas primeiras 24 a 48 horas após a administração da primeira dose, aliviando a dor e a inflamação.
As vantagens e desvantagens da colchicina
Os especialistas consultados afirmam que a colchicina tem como maior vantagem ser relativamente segura. Além disso, ela não apresenta efeitos colaterais graves como sangramento, úlcera, gastrite ou insuficiência renal.
Por outro lado, sua maior desvantagem é que a dose terapêutica é muito próxima da dose tóxica. Daí a recomendação de que ela jamais seja usada sem orientação médica. Soma-se a isso o fato de que boa parte dos pacientes pode ter diarreia ao utilizá-la.
Saiba quais são as contraindicações
O medicamento não pode ser usado por pessoas que sejam alérgicas (ou tenham conhecimento de que alguém da família já teve reação semelhante à substância) ao seu princípio ativo ou a qualquer outro componente de sua fórmula.
Fique também atento na presença das seguintes condições:
- Doenças gastrointestinais
- Doenças hepáticas
- Doenças cardíacas
- Doenças renais
- Gravidez
- Discrasia sanguínea (algum tipo de alteração no sangue)
Crianças e idosos podem usá-lo?
A recomendação do uso da colchicina não se aplica à população infantil nos casos de gota. O fabricante adverte que não há estudos de segurança nesse grupo. Contudo, a literatura médica sobre o medicamento prevê sua indicação na população pediátrica, a partir dos 4 anos, nos casos de febre familiar do mediterrâneo.
"Entre os idosos, a indicação é admitida, mas é preciso estar atento às condições de fígado e rins desses pacientes, além do uso de outros medicamentos que poderiam potencializar a toxidade do medicamento. Sem esses cuidados, não dá para indicar o remédio para os mais velhos", afirma Liz Ribeiro Wallim, médica especialista em clínica médica e reumatologia do HUC (Hospital Universitário Cajuru), em Curitiba.
Qual é a melhor forma de consumir o remédio?
A orientação é de que ele seja ingerido com água e no período indicado pelo profissional da saúde.
Existe uma melhor hora do dia para usar esse medicamento?
Não. No entanto, siga as instruções de seu médico sobre o esquema de doses diárias.
O que faço quando esquecer de tomar o remédio?
Tome-o assim que lembrar, mas esteja atento aos efeitos do medicamento, que podem durar por horas e, portanto, prejudicar atividades que exijam maior atenção e concentração. Se você sempre se esquece de tomar seus remédios, use algum tipo de alarme para se lembrar.
Quais são os possíveis efeitos colaterais?
Este medicamento é tido como bem tolerado, seguro e eficaz quando usado em doses adequadas e pelo menor tempo possível. Apesar disso, os efeitos colaterais mais comuns se relacionam ao trato gastrointestinal.
Algumas pessoas poderão observar os seguintes problemas:
Manifestações comuns
- Diarreia
- Vômito
- Náusea
- Fadiga
- Dor de cabeça
Manifestações incomuns ou raras
- Fraqueza
- Alopécia (queda de cabelo)
- Cólica ou dor abdominal
- Intolerância à lactose
- Leucopenia (baixo nível de células brancas)
- Fraqueza ou dor muscular
- Oligospermia (baixa contagem de espermatozoides)
Interações medicamentosas
Algumas medicações não combinam com a colchicina. E quando são usadas em conjunto com o remédio, podem alterar ou reduzir seu efeito. Avise o médico, o farmacêutico ou dentista caso esteja fazendo uso (ou tenha feito uso recentemente) das substâncias abaixo descritas. Essa lista é apenas um exemplo e não exclui outros fármacos com o mesmo efeito.
- Antibióticos (como a eritomicina)
- Antivirais (ritonavir ou atazanavir)
- Medicamentos para tratar doenças autoimunes como artrite reumatoide (ciclosporina)
- Antifúngicos (cetoconazol)
- Fármacos para o coração (verapamil)
- Medicações usadas na terapia de dependência ao álcool (dissulfiram)
Até o momento há pouca informação sobre a interação com fitoterápicos. No entanto, informe seu médico, caso faça uso contínuo desses itens. Quanto aos suplementos, o fabricante adverte que a colchicina pode reduzir a absorção da vitamina B-12.
Estou grávida? Posso usar a colchicina?
Como o fármaco pode ultrapassar a placenta, ele poderia provocar malformação fetal. Caso você tenha gota, use este medicamento e descubra que está grávida, informe imediatamente seu médico para que ele possa reavaliar a estratégia de tratamento.
Colchicina e amamentação
Converse com seu médico sobre sua intenção de amamentar. Assim, ele poderá avaliar seu quadro e orientá-la sobre as melhores soluções para a continuidade do seu tratamento com a colchicina no pós-parto. A medida é essencial porque o medicamento pode ser excretado no leite materno.
A colchicina corta o efeito do anticoncepcional?
Até o momento não há evidências de que o fármaco anule o efeito de nenhum tipo de contraceptivo.
Existe interação com exames laboratoriais?
Sim. O fabricante informa a possibilidade de levar a resultados falso- positivos em testes de urina para eritócitos e hemoglobina, além de interferir no teste 17- hidroxicorticosteroides totais, que avaliam metabólitos hormonais, especialmente pelo método Reddy, Jenkins e Thorn.
Antes de se submeter a esses testes, comunique o médico solicitante ou o pessoal do laboratório sobre o uso da colchicina.
Devo evitar consumir algum tipo de alimento?
Não são conhecidas interações com alimentos, exceção feita à toranja. Contudo, de acordo com o farmacêutico Marcelo Polacow, que é também vice-presidente do CRF-SP, a ingestão de bebidas alcoólica ou o uso da medicação por pessoas que abusam do álcool aumentam a chance de toxicidade gastrintestinal.
"O álcool eleva as concentrações plasmáticas de ácido úrico, podendo diminuir a eficácia do tratamento preventivo da colchicina e piorar a gota", diz o especialista.
Ela pode afetar minha fertilidade?
Alguns estudos indicam que pode haver redução na contagem de espermatozoides, o que pode ser revertido com a suspensão do uso do medicamento. Entre as mulheres, porém, não há evidências científicas de que o medicamento possa influenciar esse quadro.
Cuidados essenciais ao usar o medicamento
- Fique atento à validade do remédio, que é de 24 meses. Considere que, após aberto, essa validade é ainda menor;
-Leia atentamente a bula ou as instruções de consumo do medicamento;
- Ingira o comprimido inteiro. Evite esmagá-lo, cortá-lo ao meio ou mastigá-lo (ele pode ferir sua boca ou garganta, além de começar a ser absorvido em outra parte do corpo que não é a planeja);
- Respeite o limite da dosagem indicada;
- Escolha um local protegido da luz e da umidade para armazenamento. Cozinhas e banheiros não são a melhor opção. A temperatura ambiente deve estar entre 15 °C e 30 °C;
- Guarde seus remédios em compartimentos altos. A ideia é dificultar o acesso às crianças;
- Nunca descarte o remédio no lixo caseiro ou no vaso sanitário. Procure saber quais locais próximos da sua casa aceitam o descarte de medicamentos. Algumas farmácias e indústrias farmacêuticas já têm projetos de coleta. Frascos vazios de vidro e plástico, bem como caixas e cartelas vazias podem ir para a reciclagem comum.
O Ministério da Saúde mantém uma cartilha (em PDF) para o Uso Racional de Medicamentos, mas você pode complementar a leitura com a Cartilha do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos - FIOCRUZ) (em pdf) ou do Conselho Regional de Farmácia (São Paulo). Quanto mais você se educa em saúde, menos riscos você corre.
Qual é a relação entre colchicina e covid?
A colchicina é um entre os muitos medicamentos que cientistas estudaram (ou estão estudando) para tratar a infecção provocada pelo novo coronavírus.
Segundo Gustavo Lenci Marques, médico especializado em cardiologia e clínica médica e professor da PUCPR e da UFPR, um dos motivos para a pesquisa científica do uso da colchicina contra a covid-19 foi o fato de esse medicamento já ter demonstrado sucesso em reduzir a mortalidade de pacientes infartados, que apresentam quadros inflamatórios importantes, exatamente como os pacientes da covid.
O maior estudo feito até aqui, o COLCORONA (Montreal Heart Institute-MHI), concluiu que a colchicina é eficaz "na prevenção do fenômeno da 'tempestade de citocinas' e na redução das complicações associadas à covid-19". A declaração é do líder do estudo, Jean-Claude Tardif, diretor do Centro de Pesquisa do MHI e professor de Medicina da Universidade de Montreal, no Canadá. [A pesquisa ainda não havia sido publicada no momento do fechamento deste texto].
Marques, porém, observa: "A notícia é boa, mas não fantástica. Quando observamos o trabalho a fundo, descobrimos que não há significância estatística, ou seja, não se pode descartar que os benefícios ocorreram por acaso. No entanto, evitar hospitalizações foi o melhor resultado".
O especialista acrescenta que tal conclusão não autoriza o uso do medicamento como forma preventiva por pessoas que ainda não tiveram covid. As pesquisas realizadas até o momento observaram somente pacientes com diagnóstico fechado.
Fontes: Liz Ribeiro Wallim, médica especialista em clínica médica e reumatologia do HUC (Hospital Universitário Cajuru), e professora da Escola de Medicina da PUC-PR; Gustavo Lenci Marques, médico especialista em cardiologia e clínica médica, professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e da UFPR (Universidade Federal do Paraná). Ele mantém um canal no Youtube; Aleksander Zampronio, professor titular e pesquisador do Departamento de Farmacologia da UFPR (Universidade Federal do Paraná); Marcelo Polacow, farmacêutico e vice-presidente do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia de São Paulo); Amouni Mourad, farmacêutica, professora do curso de farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP) e assessora técnica do CRF-SP. Revisão técnica: Amouni Mourad.
Referências: ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária); CDC (Centers for Disease Control and Prevention); Sadiq NM, Robinson KJ, Terrell JM. Colchicine. [Atualizado em 2020 Jun 13]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK431102/; Dasgeb B, Kornreich D, McGuinn K, Okon L, Brownell I, Sackett DL. Colchicine: an ancient drug with novel applications. Br J Dermatol. 2018;178(2):350-356. doi:10.1111/bjd.15896.
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