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Vegetarianismo é "coisa de rico"? Dieta é mais democrática do que parece

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Bruna Alves

Do VivaBem, em São Paulo

02/12/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Qualquer pessoa pode aderir ao vegetarianismo ou ao veganismo, independentemente da condição financeira
  • É muito importante em uma alimentação sem carne saber aproveitar os alimentos in natura, encontrados nas feiras ou em hortifrutis
  • O vegatarianismo se torna elitizado quando as pessoas consomem produtos industrializados que "imitam" a carne
  • É preciso ficar atento às mudanças na dieta, pois as proteínas vegetais, em geral, têm um menor valor biológico
  • No entanto, os vegetais podem ser combinados entre si e fornecer todos os nutrientes necessários para uma boa nutrição

Você é aquela pessoa que sempre gostou da ideia de vegetarianismo, mas nunca colocou em prática por acreditar que o dinheiro é essencial para manter esse tipo de alimentação? Então aqui vai uma boa notícia: para ser vegetariano ou mesmo vegano não é preciso ter uma boa condição financeira. Vontade já é o suficiente.

Os vegetarianos têm uma vasta gama de alimentos disponíveis, como as leguminosas (feijão, grão-de-bico, lentilha, soja), ricas em proteínas vegetais, que combinadas com outras categorias alimentares nutrem o corpo da mesma forma que as de origem animal. E tudo isso gastando pouco.

"É perfeitamente possível manter uma alimentação vegetariana ou vegana gastando pouco e ainda assim garantir o consumo adequado de todos os nutrientes essenciais", afirma Tainá Gaspar, nutricionista pela USP (Universidade de São Paulo), especialista em alimentação vegetariana e comportamento alimentar.

No entanto, quando a pessoa quer um substituto parecido com a carne, aí sim, a dieta se torna restrita e elitizada. "Para equilibrar esse estilo de alimentação não é necessário recorrer a produtos industrializados, da moda ou gourmet, que, sem dúvida, são mais caros, mas sim buscar a nutrição em alimentos pouco processados, mais acessíveis, já presentes na cultura alimentar brasileira e importantes para qualquer um que busca uma alimentação balanceada", diz a nutricionista.

Segundo ela, o acesso a esse tipo de alimentação é bastante democrático. "Mas a gente pode dizer que o acesso a informações de qualidade e ao conhecimento são mais restritos".

É possível comer bem gastando pouco

Veganos, que não são restritos apenas a uma dieta sem carne e seus derivados, mas a todos os aspectos que envolvem a exploração animal, também podem ter uma boa alimentação gastando pouco, como afirma o cozinheiro Wagner Ferreira da Silva, de 35 anos, e vegano há 16.

Wagner Ferreira da Silva - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Wagner mudou o estilo de vida após ir ao "Verdurada"
Imagem: Arquivo pessoal

"Não é caro. Vai muito da forma como você quer se alimentar. Se quiser só produtos industriais, aí sim vai ser bem caro, mas indo ao sacolão, feira livre você encontra uma rica variação de legumes, verduras e frutas para o seu dia a dia", garante o morador de Carapicuíba (SP).

Ele conta que decidiu mudar completamente o estilo de vida depois de comparecer a um evento chamado "Verdurada". "Era um festival com bandas punk e no meio desse evento rolou uma exibição de um documentário que mostrava como eram tratados os animais de consumo. Depois desse dia, eu parei com tudo de origem animal", recorda. Ele diz também que ainda não conseguiu influenciar a família a seguir seus passos, mas amigos, sim.

Do mesmo sentimento partilha a modelo Raísa Carvalho dos Santos Jesus, 18, que aderiu ao veganismo há quase dois anos. Residente do subúrbio ferroviário de Salvador (BA), a jovem garante que é possível manter uma alimentação vegana, mesmo com pouco dinheiro.

Raísa Carvalho dos Santos Jesus - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Raísa aderiu ao veganismo há quase dois anos
Imagem: Arquivo pessoal

"A nossa sociedade é tão não inclusiva que tenta colocar na mente das pessoas que nem todos podem ser veganos ou vegetarianos, e as pessoas compram essa ideia e seguem isso. Mas se você equilibrar tudo direitinho, ser vegano acaba sendo muito mais barato que uma alimentação carnívora", diz.

Ela relata que a mudança ocorreu após estudar sobre o assunto e assistir a alguns documentários sobre como a indústria "embeleza o consumo dos animais e destrói o meio ambiente".

"A mudança foi uma decisão muito assertiva. No dia que eu decidi parar, eu parei, e fui estudando muito e entendendo o quão importante foi a minha decisão. Hoje eu tenho mais empatia, tanto pelas pessoas quanto pelos bichos", conta a jovem, que já convenceu mais de 10 amigos a seguirem seus passos.

Juzileide Raimunda da Silva Oliveira - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Juzileide parou com a carne em busca de uma vida mais saudável
Imagem: Arquivo pessoal

Já a professora Juzileide Raimunda da Silva Oliveira, 49, de Macapá (AP), que é vegetariana, optou pela mudança nos hábitos alimentares em busca de uma vida mais saudável, há 15 anos. "Eu sofria devido à pressão alta, tomava remédio todos os dias, mas com a mudança nos hábitos alimentares agora passo até um ano todo sem precisar tomar remédio", conta.

Ela garante que faz as compras do mês gastando pouco e aproveitando as ofertas. "Eu consigo ter uma alimentação balanceada, com os mais diversos nutrientes, gastando de acordo com o meu orçamento, usando frutas, verduras e legumes regionais e sazonais", explica. "Infelizmente, a falta de informação leva muitas pessoas a se alimentarem mal e até a passar fome, por não saberem que dá para fazer 'carne' de jaca verde, de caju, de casca de banana, e outras delícias", diz, orgulhosa de seus pratos, que já fizeram várias pessoas sucumbirem ao vegetarianismo.

Além de uma dieta saudável

Parar de consumir produtos de origem animal também tem intuitos políticos. A costureira Dayane Pereira Bento, 26, de Campo Grande (MS), optou pela mudança por acreditar em um futuro melhor para todos, principalmente para o meio ambiente. "Sigo o veganismo popular anticapitalista. Essa decisão vai além de não querer contribuir com a crueldade que existe com animais. Ela chega na minha repulsa por esse sistema de agronegócio que explora o trabalhador, desmata e queima florestas para transformar em pasto".

Ela, que não come carne há oito anos e em 2017 aderiu também ao veganismo, diz que qualquer pessoa pode se tornar vegana, basta se identificar e aprender sobre a filosofia; não tem a ver com a condição financeira.

Dayane Pereira Bento - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Dayane diz que ser vegana vai além de simplesmente parar de consumir produtos de origem animal
Imagem: Arquivo pessoal

"Se fosse caro, eu não seria vegana. Sou pobre, moro na periferia e recebo um salário mínimo. Quando eu era criança, aqui em casa tínhamos menos dinheiro ainda, não íamos em restaurantes, meus pais compravam os legumes mais baratos, comíamos frutas direto do pé, minha mãe sempre fez bolo sem ovos. Isso fez com que minha relação com a comida não fosse nada elitizada. Convivi com a escassez e sei bem que alimentação com base vegetal não é assim", diz.

Para ela, a simplicidade da comida é o melhor tempero, e o veganismo é uma mudança positiva. "Eu não vivo à base de 'hambúrguer do futuro'. Não sou a melhor amiga do fogão, mas eu cozinho a maioria das minhas refeições. Sabe o prato típico que está na mesa dos brasileiros? É isso, arroz, feijão, legumes e salada. É isso que eu como. É simples", exemplifica.

Fique atento ao cardápio

Tanto vegetariano como vegetariano estrito, ovo-lacto-vegetariano ou vegano podem ter uma boa alimentação por meio de um cardápio variado no dia a dia. Mas é preciso ficar atento, pois as proteínas de origem vegetal são consideradas fontes de menor valor biológico.

"Elas podem atingir a necessidade de aminoácidos essenciais, desde que sejam consumidas de maneira complementar na dieta diária. Por exemplo, o arroz e o feijão fornecem essa complementação —um tem o aminoácido que falta no outro, portanto, o consumo dessa mistura supre a falta da proteína de origem animal na dieta", explica Gilberto Simeone Henriques, nutricionista e professor do Departamento de Nutrição da Escola de Enfermagem da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Outro exemplo é o cálcio, proveniente especialmente do leite, mas que também pode ser adquirido por meio de uma combinação de fontes de origem vegetal, como verduras e leguminosas. E há várias outras substituições que garantem um alto valor proteico na alimentação.

O único nutriente que não é encontrado nos vegetais é a vitamina B12, cujas fontes são alimentos de origem animal e seus derivados. Portanto, ela é suplementada à dieta. Por ser essencial para a integridade dos sistemas nervosos central e periférico, e participar da formação das hemácias, a falta da vitamina B12 pode provocar alterações hematológicas ou neurológicas.

Apesar disso, Henriques destaca que os alimentos de origem vegetal têm fatores positivos, como boas quantidades de fibra alimentar e carboidratos fermentáveis, e que são muito importantes para a saúde do trato gastrintestinal, para a microbiota (micro-organismos residentes do intestino) e compostos bioativos, como carotenos, licopeno, antocianinas, taninos, que estão ligados à função antioxidante.

"Estudos epidemiológicos e estudos clínicos têm demonstrado que o consumo de carne, principalmente a vermelha, que tem a possibilidade de ter alto teor de gordura, e seus derivados embutidos e ultraprocessados, estão altamente ligados a fatores predisponentes de doenças crônicas e de câncer", diz, lembrando que juntas essas doenças respondem por uma alta prevalência de mortes a cada ano.

Dicas para uma alimentação vegetariana mais barata:

  • Prefira produtos menos processados;
  • Cozinhe em casa e amplie o repertório culinário;
  • Prefira frutas, verduras e legumes da época, porque, além de mais saborosos e nutritivos, são mais baratos;
  • Vá à feira no final do expediente, na famosa hora da xepa;
  • Compre cereais, leguminosas e outras sementes em lojas que vendem à granel, como em zonas cerealistas.