E, falando em transtornos mentais, o Instituto de Psiquiatria da USP providenciou uma pesquisa que contemplasse os 39 municípios que compõem a Região Metropolitana de São Paulo. Foram 5.037 participantes com 18 anos ou mais. Todos os entrevistados foram avaliados quanto a transtornos do humor, de ansiedade, do controle de impulsos, transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas e comportamento suicida.
O estudo epidemiológico, chamado de São Paulo Megacity Mental Health Survey, concluiu que 29,6% dos indivíduos apresentaram transtornos mentais nos 12 meses anteriores à entrevista. Os transtornos de ansiedade foram os mais comuns, afetando 19,9% dos entrevistados. Em seguida, aparecem transtornos de comportamento (11%), transtornos de controle de impulso (4,3%) e abuso de substâncias (3,6%).
Outros estudos epidemiológicos de diferentes países têm mostrado que os transtornos mentais tendem a ser mais frequentes em ambientes urbanos. De um modo geral, o tamanho e o desenvolvimento econômico da cidade interferem no risco de desenvolvimento de doenças mentais.
Embora muitos desses transtornos tenham base genética, já foi reconhecido que a segurança emocional, especialmente na primeira infância, reduz o risco de transtornos mentais nas fases seguintes da vida. Isso significa dizer que uma criança que tem contato prolongado com os pais e ambiente familiar harmonioso, tem menos risco de desenvolver doenças mentais na fase adulta do que uma criança que experimenta violência familiar, se encontra em lugares inseguros ou tem pouco tempo de convívio com os pais —o que é comum nos dias de hoje, devido ao intenso ritmo de trabalho na cidade.
Os aspectos sociais também influenciam de maneira importante. Ainda há regiões urbanas em que é possível formar redes de afeto e de apoio que atuam como protetoras de nossa saúde psíquica. Por outro lado, o desamparo e a solidão são sentimentos frequentes entre os moradores das grandes metrópoles. Na falta de alguém com quem dividir os medos e as dúvidas e em sofrimento mental, nos tornamos predispostos ao consumo de álcool e drogas.
Dormir bem é outra condição para uma boa saúde mental, já que é durante o sono mais profundo que são secretados hormônios como a melatonina, que protege as nossas funções cognitivas e comportamentais. O ambiente urbano, no entanto, tem características que podem prejudicar a quantidade e a qualidade do sono. Além de a cidade não ser muito silenciosa, em geral as pessoas têm de acordar muito cedo, seja pelo excesso de trabalho, seja pelo tempo que vão demorar para chegar ao destino por causa da morosidade urbana.
A secreção da melatonina, que induz o sono e protege a nossa saúde mental, começa depois de duas horas do escurecimento —só que os ambientes urbanos estão cada vez mais mais claros, seja pelas luzes externas ou pelas telas dos computadores e dos celulares. Jovens passam horas e horas em redes sociais que expõem alegria de outras pessoas e se sentem menos felizes do que as pessoas que veem na tela. Os finais de semana depois de uma semana exaustiva são tradicionalmente os dias de curtição e consumo de álcool e drogas recreativas, que também colaboram para um estado depressivo quando o efeito passa.
A cidade já não dorme mais. São academias, supermercados, restaurantes que não fecham e os funcionários que trabalham nos turnos alternados têm maior risco de desenvolver transtornos mentais, já que o ciclo de luz de seus dias é variável. Isso resulta em uma maior fragilidade dos mecanismos de controle de saúde mental.
Quando aumenta nossas capacidades física e mental, que nos ajuda a vencer desafios, o estresse pode ser um aliado. A trinca cortisol, adrenalina e serotonina nos ajuda a resolver os problemas, mas idealmente deveria ser desligada quando terminada a tarefa árdua —o que não acontece. Isso porque estamos constantemente preocupados com a violência, com a crise financeira, e com a competitividade no trabalho e os mediadores químicos que agem no funcionamento da nossa mente vão se reduzindo por excesso de uso.
Essa mudança neuroquímica cerebral causada pelo estresse contínuo da vida urbana também é fator de risco para o desenvolvimento de doenças mentais.