"O coronavírus levou minha perna"
Damião Silva precisou amputar a perna após quadro de trombose relacionado à infecção pelo Sars-CoV-2
Giulia Granchi, de VivaBem, em São Paulo
Damião Silva precisou amputar a perna após quadro de trombose relacionado à infecção pelo Sars-CoV-2
Giulia Granchi, de VivaBem, em São Paulo
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Milhares de pacientes que foram infectados pelo coronavírus continuam a sofrer com sequelas mesmo após a carga viral sumir de seus corpos.
Os sintomas residuais são preocupantes e podem persistir por meses ou, em alguns casos, causar danos para o resto de suas vidas.
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Em abril, Damião da Silva, 47, começou a notar alguns dos sintomas que ninguém deseja durante a pandemia da covid-19: febre, dor no corpo, falta de apetite e dores de barriga.
Já suspeitando que fossem sinais causados pelo novo coronavírus, o paraibano radicado em São Paulo acionou uma médica de seu convênio, Prevent Senior, por telefone, e a pedido da profissional, passou a tomar hidroxicloroquina e azitromicina, embora a combinação não tenha comprovação de eficácia no combate à doença.
"Fiquei sob observação à distância, mas no sexto dia, comecei a sentir uma dor na perna. Caminhava, esticava a perna, e o incômodo não passava. Pensei que podia ser um problema de circulação e resolvi contar para a médica, que me aconselhou a ir ao hospital imediatamente. Poucas horas depois, com o resultado do ultrassom nas mãos, a equipe me mandou para o centro cirúrgico."
Damião, que já sofria de diabetes, condição que aumenta o risco de trombose pelas lesões que a hiperglicemia causa nos vasos sanguíneos, possuía coágulos na perna direita. Os médicos tentaram dois procedimentos cirúrgicos, um em cada lado da perna afetada, mas não obtiveram resultados satisfatórios para anular o quadro.
Após dois dias de internação, mesmo tomando anticoagulantes, Damião relata que sentia seu pé gelado e o membro começava a mudar de cor, ficando mais escuro. "Me explicaram que havia coágulos também no pé, onde as veias são delicadas, e não conseguiram retirar."
"Quando eu tava lá no hospital, que ele me deu a notícia, você fica um pouco abalado, né. Mas é assim, é como ele falou: 'Como você é uma pessoa jovem, o que a gente tem na medicina para salvar sua vida é isso'"
Nos 10 dias seguintes a cirurgia, a dor física era constante. "Cheguei a tomar até morfina. É muito dolorido. Mas sempre digo que é melhor sentir a dor e estar aqui contando essa história."
Sem poder voltar ao emprego de zelador de condomínio, o paraibano agora estuda como pedir o auxílio-doença no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), e afirma que entrará na fila pela modulação de uma prótese na oficina ortopédica da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), que também atende adultos.
No âmbito emocional, Damião conta que ficou abalado ao receber a notícia, mas que hoje, depois de algumas sessões com um psicólogo, já se sente mais forte. "Entreguei a Deus e disse aos médicos: 'O que você fizer por mim, agradeço'. É um novo começo de vida. Hoje, minha esposa me ajuda muito, mas já consigo me movimentar com muleta e na cadeira de rodas. Tento ser o mais independente possível."
Olhos
Cérebro
Pulmão
Coração
Fígado
Pâncreas/sistema endócrino
Rins
Intestino
Músculos
Sistema vascular
Pele
Por enquanto, o que os cientistas sabem é que o novo coronavírus induz, em casos mais graves, uma tempestade de citocinas (emissão de sinais entre as células durante o desencadeamento das respostas imunes) que leva à ativação de coagulações, causando fenômenos trombóticos.
"O que passamos a entender é que o vírus entra pelo epitélio respiratório (mucosa que se estende da cavidade nasal até os brônquios), agride-o e deixa os brônquios e os alvéolos com a membrana exposta, criando algo parecido com um machucado. Isso faz o corpo querer estancar a ferida, e a resposta do organismo é a coagulação, entrando em estado de hipercoagulabilidade, o que, na verdade, não resolve o problema", explica a pneumologista Elnara Marcia Negri, do Hospital Sírio-Libanês (SP).
Outra hipótese é que o Sars-CoV-2 também pode infectar as células que revestem a parede interna dos vasos sanguíneos, provocando alterações no mecanismo de coagulação, levando a um quadro de hipercoagulabilidade, com a formação de trombos que podem causar amputações, infartos e hemorragias.
"O que eu sempre aconselho é isso aí: se cuidar, não sair à toa, se prevenir o máximo possível. Enquanto não descobrirem um remédio para isso, não é uma boa, não"
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Publicado em 13 de novembro de 2020
Reportagem: Giulia Granchi
Fotos: Mariana Pekin
Edição: Bárbara Paludeti
Edição de Fotografia: Lucas Lima
Infografia: Erika Onodera
Direção de arte: René Cardillo
Fontes consultadas: Isabel Chateubriand, coordenadora médica da reabilitação do Hospital Sírio Libanês (SP); Caio Lamunier, dermatologista do HC-SP; Pedro Farsky, cardiologista do Hospital Albert Einstein (SP); Mauro Gomes, chefe da equipe de pneumologia do Hospital Samaritano de São Paulo; e Saulo Nader, neurologista do Hospital Albert Einstein.